Para juízes, litigância de má-fé é prática corriqueira dos irmãos Batista

Dois magistrados que julgaram o caso da disputa da Eldorado Celulose viram má-fé da holding dos irmãos Batista contra a Paper Excellence

Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) irão retomar nesta quarta-feira (27) o julgamento do recurso da J&F que tenta anular a arbitragem que, por unanimidade, determinou a transferência das ações da Eldorado Celulose para a multinacional Paper Excellence.

Na sessão da semana passada, na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, o desembargador Alexandre Lazzarini pediu vista, após o relator do caso, José Benedito Franco de Godoi, negar todos os pedidos da J&F para tentar impedir a transferência do controle da Eldorado.

Após um longo voto de quatro horas, Franco de Godoi também votou pela condenação da J&F ao pagamento de uma multa de cerca de R$30 milhões por litigância de má-fé — o equivalente a 2% do valor da causa.

Para o desembargador relator, a J&F atuou de forma “temerária” no decorrer do processo, alterando a verdade e protocolando sucessivas petições para prorrogar o desfecho do caso.

Reincidência

Não é a primeira vez que um magistrado entende que a J&F age de má-fé no litígio conta a Paper Excellence. Em maio de 2020, o juiz Guilherme Ferreira da Cruz, da 45ª Vara Cível do TJSP, condenou a holding por litigância de má-fé e aferiu uma multa de R$ 30 mil.

No despacho, o juiz afirmou que “o grupo vendedor, de fato, agiu com má-fé no desenrolar da transação acionária praticando conduta análoga à extorsão”.

A sentença foi resultado de uma ação cível ajuizada pela J&F, na qual a companhia pedia indenização por danos morais ao diretor-presidente da Paper Excellence no Brasil, por ter concedido entrevista à mídia relatando sua versão dos fatos.

Nulidade de algibeira

Fontes do TJ-SP ouvidas pelo Diário do Poder disseram que o voto do desembargador Franco de Godoi foi considerado muito bem fundamentado e extremamente consistente do ponto de vista técnico.

Um dos argumentos usados pela J&F para tentar anular a decisão arbitral é que teria sido vítima de um ataque hacker praticado pela Paper Excellence. Franco de Godói, entretanto, entendeu que não existem provas de envolvimento da Paper na espionagem cibernética, lembrando que os inquéritos criminais que investigavam a acusação foram todos arquivados.

O relator do caso ressaltou ainda que, mesmo ciente do episódio antes da sentença arbitral, a J&F só suscitou a questão como causa de nulidade após sair derrotada na arbitragem, o que caracteriza “nulidade de algibeira”, que não pode ser admitida.

A J&F também reivindica uma suposta quebra do dever de revelação de conflito do árbitro Anderson Schreiber durante a arbitragem. Porém, segundo Franco de Godoi, o dever de revelação deve ser aplicado com zelo ao princípio da razoabilidade, não sendo exigido do árbitro que revele cada mínimo aspecto da vida pregressa.

Também afirmou que a J&F tinha condições de ter conhecimento sobre a atuação do árbitro antes do início da arbitragem, mas só optou por fazer a contestação após a derrota, o que também caracteriza a chamada “nulidade de algibeira”.

Franco de Godoi também negou o argumento de extrapolação da convenção arbitral, alegando que a sentença dos árbitros foi fundamentada no contrato assinado pelas partes, que deu amplos poderes para o Tribunal Arbitral para solucionar todas e quaisquer desavenças decorrentes da compra da Eldorado e da liberação de garantias atreladas aos empréstimos.

Ao julgar o caso na primeira instância em julho do ano passado e ouvir diversas testemunhas, a juíza Renata Maciel, da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, também entendeu que J&F não apresentou elementos convincentes que justificasse a anulação da sentença arbitral.

A partir de então, segundo registrado pela Coluna Claudio Humberto, do DP, a empresa vem se cercando de uma verdadeira tropa de choque de ex-desembargadores do TJSP na tentativa de influenciar a decisão na segunda instância, como José Renato Nalini, Ivan Sartori, Pereira Calças, Carlos Alberto Garbi, Paulo Mascaretti e João Carlos Saletti.

Os irmãos Batista convocaram ainda Ricardo Lewandowski, ex-ministro do STF (Superior Tribunal Federal), que também já atuou no Tribunal de São Paulo.

As decisões do desembargador Franco de Godoi e do juiz Ferreira da Cruz revelam que a litigância de má-fé parece ter se tornado uma prática corriqueira dos irmãos Joesley e Wesley Batista nos tribunais. “Isso acaba fazendo com que o juiz fique muito mais atento e cuidadoso em cada processo que envolve a empresa e seus controladores. Esse histórico de decisões não deve ser menosprezado”, diz um ex-ministro do Supremo.