Silêncio de Lula autoriza racismo a ferir mais brasileiros
Autoridades públicas e esportivas não avançam além da "nota de repúdio" contra crimes de racismo

“Dói na alma. E é a mesma dor que todos os pretos sentiram ao longo da história, porque as coisas evoluem, mas nunca são 100% resolvidas. O episódio de hoje deixa cicatrizes e precisa ser encarado como é de fato: crime. Até quando? É a pergunta que espero não ser necessária ser feita em algum momento. Por enquanto, seguimos lutando”. Esta foi a reação do atacante do Palmeiras, Luighi, uma das novas vítimas de criminosos racistas que voltaram a ferir a alma de talentosos atletas e torcedores brasileiros, em estádio da cidade de San Lorenzo, no Paraguai, na noite de ontem (6).
O jovem de 18 anos foi chamado de “macaco” pelos criminosos paraguaios, assim como seu colega de clube, Figueiredo, quando venceram o Cerro Porteño por 3 a 0, na competição Conmebol Libertadores sub-20.
E a recorrência da impunidade para o racismo talvez explique que o presidente Lula (PT), chefe do governo do Brasil, não tenha dito uma palavra sobre o caso, até o início da tarde desta sexta (7). Quase 24 horas após o ato, o presidente fez um post de rede social transferindo para entidades desportivas a sua responsabilidade de combate efetivo ao racismo contra brasileiros.
As lágrimas e a indignação de Luighi diante da tentativa de animalizar seu futuro brilhante a ser trilhado no esporte mais popular do mundo precisam tirar da inércia os Três Poderes da República e entidades como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
O Brasil tem legislação contra a discriminação racial desde 1950, com a Lei Afonso Arinos, e segue avançando sua legislação contra criminosos racistas. Por isso, não pode repetir como farsa reações que não avançam efetivamente para além das já protocolares e até covardes notas de repúdio.
A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) não deve ser o único alvo de cobrança por providências e punições mais duras para banir o racismo contra brasileiros em competições internacionais e nacionais. Como um Estado com amplo conjunto de leis antirracistas, o Brasil deve usar esta legitimidade para exigir atitude idêntica de governos de países como Argentina, Uruguai, Espanha, e agora até o Paraguai, em que criminosos atacam a humanidade de brasileiros pela cor da pele, nos gramados e nas arquibancadas.
A CBF tem a obrigação de voltar a exigir respeito. Mas precisa chegar ao extremo de enfrentar impactos financeiros e coordenar a retirada efetiva de clubes brasileiros de competições da Conmebol. Em detrimento dos faturamentos milionários, os clubes também precisam priorizar a humanidade de seus jogadores; trabalhadores que lhes dão muito mais do que troféus, mas a eternidade no imaginário dos torcedores e da tal “pátria de chuteiras”.
Como disse hoje o Palmeiras: “A impunidade é cúmplice dos covardes!”. Por isso, o governo brasileiro, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), bem como o sistema judicial, com polícias, o Ministério Público e tribunais de todas as suas instâncias têm o dever de defender efetivamente cidadãos brasileiros vítimas do crime de racismo.
Porque as cusparadas que Luighi levou no rosto também atingem a cara de todas as omissas autoridades públicas e esportivas do Brasil. Não adianta o orgulho de ser chamado de “país do futebol”, se as responsabilidades brasileiras seguirem sendo dissimuladas, mantendo abertas as feridas que ainda derramam o sangue de quem resiste desde os navios negreiros e ainda tem força para levar no peito a bandeira com as cores de uma pátria que já foi cativeiro para seus ancestrais.
Fiquemos com a reação indignada de Luighi, na coletiva de imprensa após a partida e o crime: “O racismo que fizeram comigo… é sério? Até quando a gente vai passar por isso? O que fizeram comigo foi um crime. Você vai perguntar sobre o jogo? A Conmebol vai fazer o que sobre isso? CBF? Não vai perguntar sobre isso? Não ia, né? O que fizeram foi um crime. Aqui é formação, estamos aprendendo”, disse o jovem atacante, com lágrimas escorrendo pela sua honrada pele preta.
Até quando o racismo será negligenciado?
Você é gigante, Luighi! 👏🏿 pic.twitter.com/DyEHhXbk61
— SE Palmeiras (@Palmeiras) March 7, 2025
Agora, veja o blá-blá-blá das inócuas notas das autoridades:
Ministério do Esporte
O Ministério do Esporte manifesta sua profunda indignação e repúdio aos atos de racismo sofridos pelos jogadores do Palmeiras Sub-20, em especial o atleta Luighi, durante a partida contra o Cerro Porteño pela Copa Libertadores Sub-20, realizada nesta quinta-feira (6), no Paraguai.
Reiteramos que o racismo é crime e não será tolerado em hipótese alguma. Este Ministério exigirá, junto à Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), uma investigação rigorosa do ocorrido e a aplicação das sanções cabíveis aos responsáveis, conforme as normas vigentes. É imperativo que as leis sejam cumpridas com rigor para coibir e erradicar qualquer manifestação discriminatória no esporte.
Nos solidarizamos com os atletas afetados e com toda a comunidade esportiva brasileira, reafirmando nosso compromisso inabalável na luta contra o racismo e na promoção de um ambiente esportivo justo, inclusivo e respeitoso para todos.
CBF
A CBF repudia a ofensa racista sofrida pelo atacante Luighi, do Palmeiras, no Paraguai. A entidade já acionou a Diretoria Jurídica e fará uma representação à Conmebol cobrando rigor nas punições. O protesto será feito ao presidente Alejandro Dominguez e à Comissão Disciplinar da entidade que comanda o futebol na América do Sul.
O jogador do Palmeiras foi alvo de uma ofensa racista por parte de um torcedor do Cerro Porteño durante o jogo válido pela Conmebol Libertadores Sub-20, nesta quinta-feira (6), no Paraguai. O time brasileiro venceu o confronto por 3 a 0. Na partida, um torcedor do Cerro Porteño imitou um macaco na direção de Luighi, que protestou. Ele deixou o campo chorando e desabafou em entrevista depois da partida.
“É chocante assistir cenas como essas. Racismo é crime e deve ser combatido por todos. Sei do tamanho da dor sofrida pelo Luighi. Basta de racistas no futebol. A CBF vai representar na Conmebol pedindo punições enérgicas”, afirmou o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. Ele é o primeiro presidente negro e nordestino a comandar a entidade.
A CBF é a primeira confederação a implementar punição desportiva em seu Regulamento Geral de Competições para casos de racismo.
Conmebol
A CONMEBOL rejeita categoricamente todo ato de racismo ou discriminação de qualquer tipo. Medidas disciplinares apropriadas serão implementadas, e outras ações estão sendo avaliadas em consulta com especialistas da área.
Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco
Em partida jogada pela Conmebol Libertadores Sub-20, no Paraguai, jogadores do Palmeiras foram hostilizados e sofreram ofensas racistas da torcida do Cerro Porteño.
O choro de Luighi nos comove e indigna, o racismo nos desumaniza, nos fere e machuca nossa dignidade de ser e existir.
Não há mais espaço para tolerar práticas criminosas como essa em ligas de futebol ou qualquer esporte no Brasil, América Latina ou no mundo.
O MIR, junto ao Ministério dos Esportes e outros entes esportivos, tem reunido esforços para combater o racismo nos esportes.
Minha solidariedade, abraço e afeto à Luighi e todos os jogadores que foram vitimados nesta noite. Vocês não estão sozinhos nesta luta!
Presidente Lula
Todo apoio ao nosso jovem Luighi, do Palmeiras, vítima de ato racista no Paraguai. O futebol significa trabalho coletivo, superação e respeito. Racismo significa o fracasso da humanidade. Basta de ódio disfarçado de rivalidade. O mundo não pode mais tolerar esse tipo de violência que fere a dignidade e a esperança da nossa juventude. A FIFA, a Conmebol e a CBF precisam agir e que os culpados sejam exemplarmente responsabilizados.