Venda direta de etanol não traz baixa expressiva imediata, diz economista
Pesquisador da Ufal, Cícero Péricles fala sobre desafios até queda de preços do combustível nos postos
Duas semanas após o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionar a Lei 14.292/2022, que permite a revenda varejista de gasolina e etanol hidratado fora do estabelecimento autorizado, o combalido setor sucroenergético e o consumidor que sofre com a inflação nas bombas de combustíveis terão que esperar um melhor contexto econômico para poder obter as vantagens do novo marco legal para o comércio do etanol. A conclusão é do economista Cícero Péricles, professor e pesquisador da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
“Pelo visto, não se pode esperar reduções expressivas de preços a partir da venda direta”, conclui Cícero Péricles, doutor em Economia pela Universidade de Córdoba (Espanha), nesta entrevista ao Diário do Poder sobre as consequências da lei que deu fim à obrigação dos postos de recorrer a atravessadores, as distribuidoras, para ter acesso ao etanol das usinas produtoras.
Cícero Péricles é autor dos livros Economia Popular: uma via de Modernização para Alagoas (8a edição, Edufal, 2019), Reestruturação produtiva do setor sucroalcooleiro (3a edição, Edufal, 2009) e Formação Histórica de Alagoas (5a edição, 2019). Com este repertório de informações robustecidas por dados do contexto atual, o economista não vislumbra grandes perspectivas de o setor sucroenergético garantir a infraestrutura necessária para a venda direta e, por consequência, garantir a queda dos preços que seguem sufocando consumidores brasileiros.
Confira a entrevista:
Diário do Poder – O setor sucroenergético já pode mensurar em números as consequências da liberação das vendas de etanol diretamente para postos?
Cícero Péricles – Como a aprovação do novo marco jurídico ainda é muito recente, ainda não se pode avaliar esse impacto. Essa operação exige das empresas uma série de investimentos e de adequações que levarão alguns meses para apesentar resultados. Por outro lado, na zona da mata nordestina o setor sucroalcooleiro está plena safra, que deverá se prolongar até o mês de março. Como é comum acontecer, no período da safra os preços do etanol se mantêm ou mesmo baixam um pouco, mas essa estabilidade ou queda não se devem a venda direta e sim a conjuntura marcada pela safra. Interessante é acompanhar as vendas do etanol depois de março, na entressafra nordestina.
Houve algum tipo de impacto nos negócios do setor? Como o senhor avalia esses impactos?
Se por um lado, a lei sancionada na primeira semana deste ano permite a venda direta pela usina, sem passar pela empresa distribuidora, por outro existem vários limites nessa operação. Primeiro é que a maioria das empresas produtoras de etanol não têm uma estrutura de logística para realizar essa distribuição e, reconhecidamente, a situação financeira das usinas nordestinas ainda é crítica, com grande parte das empresas em recuperação judicial; segundo é que os postos embandeirados, os que têm contrato exclusivo de compra de combustível com a distribuidora, terão que seguir comprando da distribuidora. Somente os postos que não têm contratos de exclusividade, os chamados de “bandeiras brancas” poderão fazer a comercialização direta das usinas. Há, também, incertezas jurídicas que vêm sendo debatidas desde a apresentação da Medida Provisória, em agosto do ano passado. A MP foi aprovada no Congresso, mas a lei foi sancionada com cortes pelo presidente da República.
Mesmo assim, essa alternativa seria vantajosa para as usinas e destilarias autônomas e consumidores de etanol nas regiões onde as empresas produtoras de etanol ficam próximas dos postos de combustíveis, como a maioria das destilarias da zona da mata nordestina, principalmente em Alagoas e Pernambuco.
E para o consumidor e postos de combustíveis, já houve ganhos?
A venda direta de etanol hidratado pelas usinas ou destilarias autônomas foi, por mais de quatro anos, apontada como uma alternativa para fazer baixar o preço desse combustível nos postos. Essa alternativa criou uma enorme expectativa, mas, até agora, a repercussão nos preços do etanol hidratado ao consumidor tem sido muito baixa. No ano passado, para uma inflação geral de 10,6%, o etanol acumulou uma alta de 63,2% e a expectativa seria de que, mesmo com a venda direta, o preço do álcool poderia baixar alguns centavos. As notícias sobre preços que chegam dos estados produtores de etanol do Centro-Sul são as mesmas. Outro aspecto a ser observado é o aumento do barril de petróleo que, há um mês estava a 72 dólares e agora chega a 88 dólares. Isso significa a possibilidade de aumento da gasolina e, por tabela, do preço do etanol. Pelo visto, não se pode esperar reduções expressivas de preços a partir da venda direta.