MPF quer R$10,6 bi de financeiras por comprarem ouro ilegal no Pará

Ações contra três empresas pedem pagamento por danos sociais e ambientais

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ações em que pede a suspensão das atividades de três instituições financeiras acusadas de despejar no mercado nacional e internacional mais de 4,3 mil quilos de ouro ilegal nos anos de 2019 e 2020. O ouro extraído de garimpos ilegais na região sudoeste do Pará foi comercializado pelas distribuidoras de valores mobiliários FD’Gold, Carol e OM. Além de terem as atividades suspensas especificamente nessa região, as empresas podem ser condenadas a pagar um total de R$ 10,6 bilhões por danos sociais e ambientais.

Para o MPF, a suspensão das atividades das empresas é necessária para se interromper o ciclo de ilegalidades associadas à extração de ouro. E elas só podem ser autorizadas a comprar ouro na região compreendida pelos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso após comprovarem a implantação de mecanismos capazes de evitar que o minério saia de terras indígenas, unidades de conservação de proteção integral ou que seja “esquentado” por meio dos diversos tipos de fraudes detectados.

As ações judiciais resultam de investigações do MPF na região dos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, no sudoeste do Pará, e de levantamento científico feito em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O levantamento denominado “Legalidade da produção de ouro no Brasil” cruzou dados públicos sobre a produção mineral brasileira, como as informações prestadas pelas empresas no pagamento da Contribuição Financeira por Exploração Mineral (Cfem), os registros de Permissões de Lavras Garimpeiras (PLGs) da Agência Nacional de Mineração (ANM) e as imagens do monitoramento da floresta amazônica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A metodologia permitiu constatar o predomínio da ilegalidade na cadeia do ouro. “Da produção de 30,4 toneladas de ouro do estado do Pará, no período de 2019 a 2020, ao menos cerca de 17,7 toneladas (58,4%) foram extraídas com falsa indicação de origem, seja pelas evidências de extrapolação dos limites autorizados para a lavra pela ANM, seja pela indicação de áreas de floresta intacta ou sem título de lavra vigente como origem do ouro”, explica o MPF nas ações judiciais.

Os dados públicos também permitiram identificar os principais compradores de ouro com origem ilegal em Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, sobressaindo o papel das três empresas agora processadas pelo MPF. Além de pedir a suspensão das atividades e pagamentos por danos, os processos judiciais buscam a adoção de medidas preventivas para interromper o ciclo de ilegalidade, através da implantação de mecanismos eficientes de compliance (padrões empresariais para cumprimento da legislação).

Imagens aéreas mostram garimpo ilegal na Amazônia

Fraudes reveladas

Nos três casos, foi a análise de imagens de satélite que comprovou a fraude na compra do ouro entre os anos de 2019 e 2020. Nesse período, a OM declarou ao governo federal ter comprado 1.080 quilos de ouro provenientes de 127 áreas em que a extração de ouro era permitida; a FD’Gold declarou a compra de 1.370 quilos de ouro, supostamente originados em 37 áreas de lavra garimpeira regular; e a Carol, por sua vez, declarou 1.918 quilos de ouro comprados de 56 áreas de lavra. Mas o satélite mostrou que nenhuma das áreas tinha qualquer sinal de exploração.

“A circunstância de uma quantidade de ouro ser vinculada, por ocasião do recolhimento de Cfem, a uma permissão de lavra garimpeira na qual a exploração mineral nunca ocorreu revela que esse ouro, em realidade, é proveniente de outra origem”, explicam as ações do MPF. Se não veio de áreas legalizadas, que permanecem intactas, o ouro provavelmente saiu dos muitos garimpos ilegais que se proliferam nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso.

“De fato, segundo demonstrado pelo estudo “Legalidade da produção de ouro no Brasil”, 96% das cicatrizes de mineração na Amazônia não incidem sobre polígonos declarados como origem do ouro por ocasião do recolhimento de Cfem”, diz o MPF que, por esse motivo, sustenta a necessidade de inversão do ônus da prova. Ou seja, durante os trâmites judiciais, cabe às instituições financeiras comprovarem que não compraram ouro ilegal.

Devastação e violência

O MPF ressalta nas ações judiciais que as fraudes cometidas na comercialização de ouro alimentam, no sudoeste do Pará, a permanência de vastas áreas de garimpos ilegais, onde há atuação forte do crime organizado e estão diretamente relacionados com a destruição de áreas protegidas, principalmente nas terras indígenas Munduruku e Sai-Cinza. A violação de direitos humanos se tornou corriqueira nessas áreas.

“As notícias de ataques a indígenas da parte de garimpeiros, do crescimento do garimpo nessas áreas e da violência que o conflito vem assumindo são públicas e notórias. As medidas para contenção imediata dessa gravíssima situação são multidimensionais, e implicam, para além da adoção de mecanismos estatais repressivos, também o sufocamento dos mecanismos de incorporação do ouro ilegal ao mercado lícito”, sustenta o MPF.

As ações classificam a situação socioambiental nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso como “desesperadora”, o que “existe uma especial e rigorosa resposta do Sistema de Justiça perante o ilícito: a incorporação ao mercado lícito de produtos oriundos da destruição da floresta deve ser asfixiada, sob pena de se permitir ao agente econômico obter vantagem da ilegalidade, da destruição de ecossistemas e da violação a direitos de povos indígenas, com a externalização de todos os resultados negativos de sua conduta para a coletividade”. (Com informações da Assessoria de Comunicação do MPF no Pará)