Maior emergência de Alagoas abrigou cirurgias sem ar-condicionado por quase uma semana

Presidente do sindicato dos médicos expôs situação de terror, e cobrou solução de Renan Filho

Mais de quatro anos depois de optar por consumir mais de R$ 219 milhões de dinheiro público construindo novos hospitais previstos para serem entregues no penúltimo ano de seu segundo mandato, o governador Renan Filho (MDB) voltou a ser cobrado para aplacar o caos e a má-gestão a que são submetidos pacientes com risco de morrer por infecção, na maior unidade de emergência pública de Alagoas, o Hospital Geral do Estado (HGE).

Enquanto foram entregues apenas um dos cinco hospitais prometidos, na última segunda-feira (27) o cirurgião Marcos de Holanda Pessoa denunciou que ele colegas médicos viviam uma situação de terror, operando pacientes no Centro Cirúrgico do HGE sob intenso calor, durante quase uma semana sem ar-condicionado.

O cirurgião que também preside o Sindicato dos Médicos de Alagoas enviou um áudio com seu desabafo para um grupo de colegas de profissão que atuam na saúde pública estadual, via aplicativo Whatsapp. Ao relatar casos de médicos passando mal e colocando pacientes em risco, Marcos de Holanda desafiou o governador a resolver o problema, caso contrário jogaria na imprensa todas as fotos do centro cirúrgico.

“Esse governador quer que a gente dê uma de doido, é o que vou fazer”, desafiou o médico, na noite de seu plantão. “Estamos em uma situação no HGE que não é possível mais sustentar a questão do Centro Cirúrgico. Já tá quase uma semana os colegas operando sem ar-condicionado. Colegas hoje passando mal, molhados de suor, colocando em risco a vida dos pacientes. Apenas três salas, ficando uma fila, têm seis pacientes para serem operados, as três salas ocupadas. E a gente está vivendo uma situação de terror. Os médicos passando mal, e, o pior, os pacientes caminhando para morrerem, seja por infecção ou por espera por falta de sala”, denunciou.

Ao apelar também para a atenção dos dirigentes do Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal), o presidente do sindicato dos médicos chamou a responsabilidade do recém empossado diretor do HGE, Paulo Teixeira, o secretário de Saúde Alexandre Ayres, e o próprio governador, que está de férias e sendo substituído pelo presidente da Assembleia Legislativa de Alagoas, Marcelo Victor (SD). “Não é mais possível aguentarmos uma situação dessa”, sentenciou.

 

Ouça o desabafo do cirurgião do HGE sobre o caos em seu centro cirúrgico:

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Ontem o Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal) fez uma fiscalização no HGE, com um levantamento minucioso da atual situação. O órgão agendou para as 10h de segunda-feira (3) uma reunião com o secretário estadual de Saúde, e o Sindicato dos Médicos de Alagoas, para apresentar o relatório de fiscalização, relatar as inconformidades e solicitar os ajustes necessários.

Bebês e crianças em estado grave sendo abanadas na UTI pediátrica do Hospital Geral do Estado de Alagoas. Foto: Reprodução Redes sociais

Paliativos e escândalos

Os aparelhos de ar-condicionado do Centro Cirúrgico do HGE voltaram a funcionar na noite seguinte à reclamação do cirurgião, que se tornou viral nas redes sociais. A direção do hospital tratou o caso como uma situação pontual, informando por meio de nota que “o problema existiu por um curto espaço de tempo”. Mas os problemas do HGE têm uma raiz bem mais profunda e ramificações diversas, que já atraíram três operações da Polícia Federal contra esquemas de corrupção no hospital, no governo de Renan Filho.

O saldo do histórico de má-gestão e de escândalos levou o caos ao HGE nos últimos anos, com falta de tudo, dos mais básicos medicamentos e materiais como luvas e seringas, até a falta de macas e pacientes em corredores. Ainda em dezembro, os médicos e pequenos pacientes da UTI pediátrica também sofreram com a falta de funcionamento de aparelhos de ar-condicionado. 

É óbvio que o mau funcionamento dos aparelhos de refrigeração do ambiente não é apenas uma questão de conforto. O que os gestores públicos da saúde de Alagoas parecem se recusar em assimilar é que calor em um centro cirúrgico ou em uma UTI é uma rotina no HGE que favorece a proliferação de bactérias, tornando o ambiente insalubre, perigoso.

Quem conhece a rotina do HGE sabe que o sistema de refrigeração costuma apresentar defeito, porque falta à unidade de emergência um projeto de instalação elétrica adequado. Dos sete geradores de energia do hospital, três costumam ficar sem funcionar, ao serem acionados após as quedas no fornecimento de energia. Rotina que também compromete os equipamentos do hospital que dependem de energia para manter os pacientes em atendimento e vivos, a exemplo daqueles que dependem de respiração mecânica.

Por meio de nota, a atual direção do HGE ressaltou que tem mantido a política de reestruturação dos projetos elétricos, hidrossanitários, incêndio e pânico, buscando prevenir situações que prejudiquem à população e ao corpo de profissionais que ali atuam.

A última das investidas da PF contra a corrupção no HGE foi a Operação Florence “Dama da Lâmpada”, deflagrada em 11 de dezembro de 2019, que prendeu a então diretora Marta Celeste, e o médico ortopedista Gustavo Francisco Nascimento, que coordenava o setor de ortopedia da unidade de emergência localizada em Maceió (AL). Na operação que investiga fraudes e desvios estimados em R$ 30 milhões nas compras de materiais ortopédicos, também foram presos a filha e o genro do vice-governador de Alagoas, Luciano Barbosa (MDB), que defende a inocência do casal.

Em 11 de maio de 2017, confirmando a apuração do Jornalismo investigativo do Diário do Poder, a PF deflagrou a Operação Sucupira, indiciando professores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e assessores de Renan Filho, envolvidos em um esquema que financiou com dinheiro da Saúde o favorecimento de alunos de um curso de mestrado em administração pública.

Em 09 de agosto de 2017, após aprofundar as investigações do esquema da Sucupira, a PF deflagrou a Operação Correlatos, contra fraudes que somaram R$ 180 milhões, em compras fracionadas, sem licitação, de medicamentos e produtos correlatos, para atender pacientes do SUS, no HGE.