STF deve gerar ‘anistias’ à má gestão por exigir dolo para improbidade

Supremo declarou inconstitucional forma não intencional de ato de improbidade, que condenava maus gestores incompetentes

Milhares de maus gestores condenados por atos de improbidade administrativa podem ter anuladas suas sentenças condenatórias com base na decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional a modalidade culposa (não intencional) deste ilícito que afeta a vida de muitos brasileiros. A decisão de exigir dolo, a intenção de cometer esta ilegalidade na gestão do dinheiro público, foi tomada na sessão virtual finalizada em 25 de outubro, e já movimenta defesas de condenados por improbidade em busca de uma “anistia” para a má gestão, mesmo com processos transitados em julgado.

Autor da série de “descondenações” de réus por corrupção no escândalo da Operação Lava Jato, o ministro Dias Toffoli também teve papel de destaque na mudança de rumos no entendimento do que é improbidade administrativa, ao ser relator do Recurso Extraordinário (RE) 656558, com repercussão geral reconhecida como Tema 309.

Toffoli defendeu que ato de improbidade administrativa é definido pela Constituição Federal apenas com a presença de dolo. “A culpa, inclusive quando grave, não é suficiente para que a conduta de um agente seja enquadrada dessa forma, qualquer que seja o tipo desse ato”, concluiu o ministro.

O relator convenceu a 7 de seus 11 colegas de Supremo que improbidade é um ato em que o agente viola o dever de agir com honestidade. Por isso, esta noção de desonestidade, conectada à deslealdade e à má-fé, deve estar estreitamente relacionada com o dolo.

Ele ainda concluiu que a ação negligente, imprudente ou de imperícia pode caracterizar ilícito administrativo e resultar em punições, mas, a seu ver, “não caracteriza a desonestidade e o dolo necessário para configurar o ato de improbidade administrativa”.

Assim, foi retirada a modalidade culposa prevista nos artigos 5º e 10 da redação original da Lei de Improbidade Administrativa, Lei 8.429/1992. E Toffoli destacou que a mudança já havia ocorrido há cerca de três anos, quando Lei 14.230/2021 alterou já exigiu a necessidade da conduta dolosa para configurar o delito, para casos a partir da nova legislação.

STJ não exigiu dolo

A decisão contrariou uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) contra um escritório de advogados contratado pela Prefeitura de Itatiba (SP) com dispensa de licitação. O contrato foi considerado legal pela primeira instância e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP); e compreendido como ilegal pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Corte Superior concluiu que a improbidade não depende de dolo ou culpa e determinou a aplicação de multa. E o escritório recorreu da decisão do STF com o Recursos Especial julgado pelo Supremo.

O STF admitiu a possibilidade de entes públicos contratarem serviços advocatícios sem licitação, em casos em que a prestação do serviço pelo poder público seja inadequada e o preço do serviço contratado seja compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso e respeite o valor de mercado. Isso porque a Lei de Improbidade prevê expressamente a necessidade de procedimento administrativo formal, atestando a notória especialização profissional e justificando a necessidade de natureza singular do serviço contratado.

E a não comprovação do dolo dos envolvidos na contratação levaram à decisão favorável ao recurso, tomada pelos ministros Toffoli, Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Nunes Marques, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Com votos vencidos parcialmente do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e dos ministros Edson Fachin e André Mendonça e da ministra Cármen Lúcia.

Veja a tese de repercussão geral:

a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos artigos 5º e 10 da Lei 8.429/92, em sua redação originária.

b) São constitucionais os artigos 13, V, e 25, II, da Lei 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar:

(i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e
(ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores”.