Senado aprova PEC de ajuste fiscal que limita abono salarial e Fundeb

Proposta do governo deve ser promulgada pelo Congresso para economizar R$ 70 bilhões em dois anos

O Senado aprovou na noite desta quinta-feira (19), em dois turnos,  a proposta de emenda à Constituição (PEC) do ajuste fiscal, que prevê economia de R$ 70 bilhões em dois anos com redução de despesas obrigatórias do governo de Lula (PT) e limita o acesso ao abono salarial do PIS/Pasep e restringe supersalários. O texto será promulgado pelo Congresso Nacional e também muda a destinação dos recursos do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb).

A PEC foi aprovada com 53 votos favoráveis e 21 votos contrários em primeiro turno e por 55 votos a 18 em segundo turno. O texto, relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), foi aprovado com a supressão de um trecho acrescido pela Câmara dos Deputados, que permitia o uso de recursos do Fundeb para a compra de merenda escolar.

“Nós acreditamos que o governo está no caminho certo, retomando o compromisso com o equilíbrio fiscal, com o controle da inflação, com o controle de gastos, pois isso, naturalmente, vai impactar na inflação e na melhoria da renda das pessoas”, disse o relator.

A havia sido votada horas antes pela Câmara dos Deputados, como PEC 45/2024, enviado pelo governo, incorporado ao de outra proposta (PEC 31/2007) que tratava de regras tributárias, apenas para acelerar a tramitação, sem que tivesse que passar pela análise da admissibilidade. A matéria tramitou como PEC 54/2024, no Senado. E sua análise foi feita com a dispensa do rito normal de uma PEC, que exige cinco sessões de discussão antes da votação em primeiro turno e mais três sessões de discussão antes da votação em segundo turno.

A PEC é tratada como esforço do governo de controlar o crescimento de despesas obrigatórias (como as de pessoal e programas sociais) a fim de deixar espaço para as despesas discricionárias (que o governo pode optar por realizar ou não). Mas oposicionistas consideram que não há cortes de gastos suficientes no governo,

Senador Marcelo Castro (MDB-PI). (Foto: Agência Senado)

PIS/Pasep

Uma das principais mudanças do texto é no abono salarial do Programa PIS/Pasep, de até um salário mínimo, pago a trabalhadores que ganharam até dois salários mínimos mensais no ano anterior (o que atualmente corresponde a R$ 2.640, dois salários de 2023). A correção anual é feita pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) mais ganho real do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes, a mesma regra do salário mínimo.

A PEC estabelece que, a partir de 2026, esse valor será corrigido apenas pelo INPC, ou seja, não vai mais incorporar os ganhos reais do salário mínimo. O salário de acesso será reduzido até chegar a um salário mínimo e meio, o que, na previsão do governo, deve ocorrer em 2035. Com isso, o abono atingirá menos trabalhadores porque o valor de acesso será menor.

“Temos a questão do abono salarial, em que se faz uma transição muito lenta, muito razoável”, explicou o relator, que também classificou a regra de transição como “sensível e aceitável”.

Fundeb

No Congresso, o texto apresentado pelo Executivo foi alterado na parte que trata do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb). O fundo financia as redes públicas de ensino, desde o infantil até o ensino médio, e é bancado pela arrecadação dos estados e dos municípios, mas recebe complementação da União quando os entes não atingem o valor mínimo por aluno ao ano. No texto enviado pelo governo, até 20% dessa complementação da União para o fundo poderia ser direcionada para o fomento à manutenção de matrículas em tempo integral.

Com a alteração feita pela Câmara e aprovada pelo Senado, a destinação fica limitada a até 10% em 2025. Nos anos seguintes, a regra é de que no mínimo 4% dos recursos sejam destinados às matrículas em tempo integral. Isso deverá ocorrer até serem atingidas as metas de educação em tempo integral estabelecidas no Plano Nacional de Educação.

Senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO). (Foto: Reprodução/ Agência Senado).

No Senado, uma parte inserida no texto pelos deputados gerou discussão: a permissão para que recursos do Fundeb fossem usados no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e no Programa Saúde nas Escolas (PSE). Essa finalidade não está prevista nas regras do fundo, destinado a melhorar a educação e a complementar os salários dos profissionais. A senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) apresentou um destaque para retirar essa parte do texto.

“Isso não veio no texto original, foi acrescido na Câmara, e trata-se de um grave equívoco. Nós vamos deixar de abrir vaga em creche, abrir vaga em escola, pagar professor, pagar o funcionamento da escola para permitir o pagamento de alimentação. Os recursos de alimentação já têm fonte definida na Constituição e é por isso que eu faço esse apelo para que os colegas senadores e senadoras e o próprio governo entendam essa situação”, disse a senadora, ao apresentar o destaque (mudança no texto, a ser votada separadamente), que foi aceito pelo relator.

Apesar de ser a favor da aprovação do texto, o senador Eduardo Braga também defendeu a supressão do trecho que tratava da alimentação escolar. Ele lembrou que a proposta poderia ter apenas a parte de concordância entre as Casas promulgada, ou seja: para ele, a supressão não obrigaria o texto a voltar para a Câmara.

“Retirar dinheiro do Fundeb para colocar na merenda escolar, além de ser inconstitucional, é injusto com os profissionais da educação, é injusto com o custeio das escolas públicas, é injusto com futuro do Brasil”, lamentou Braga.

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) apontou a falta de diálogo com a sociedade antes da mudança. Para a senadora, incluir a merenda escolar na meta de manutenção e desenvolvimento do ensino permitiria que prefeitos e governadores passassem a contabilizar gastos com merenda no mínimo a ser investido e, com isso, investissem menos em educação.

A supressão desse trecho teve a concordância do líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA). O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) lembrou que havia acordo entre as duas Casas em situações semelhantes.

“Se vencido o destaque, será suprimido esse trecho, e aí pode haver uma negociação com a Câmara em relação a esse item da possibilidade das despesas de alimentação no âmbito do Fundeb, é uma consequência natural. Então o que eu proponho é que possamos seguir o trâmite normal, dando a cada um a autonomia de exercer o seu direito parlamentar, de manter ou de pretender suprimir”, defendeu o presidente antes da aprovação do destaque.

Supersalários

Outra mudança feita pelos parlamentares foi na parte que tratava dos supersalários. A proposta, como enviada pelo governo, previa que uma lei complementar tratasse das verbas que poderiam ficar fora do teto remuneratório, que hoje é de R$ 44 mil mensais, valor do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Com a versão aprovada no Congresso, essas brechas ao teto podem ser tratadas em lei ordinária, que requer um quórum menor para a aprovação. Na visão de críticos da medida, isso significa que vai ser mais fácil permitir “penduricalhos” nos salários, que ficarão fora do teto. Além disso, o texto prevê que, enquanto não for publicada a lei ordinária aprovada pelo Congresso, as regras para o extrateto serão as atualmente previstas na legislação.

O líder da Oposição, senador Rogerio Marinho (PL-RN), apresentou destaque para impedir que normas extralegais, como resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidissem sobre indenizações permitidas para magistrados fora do teto remuneratório, como acontece atualmente. Antes da rejeição do destaque, ele fez um apelo para que fossem votados projetos em tramitação no Congresso que limitam os supersalários e disse que as regras da PEC são “para inglês ver”.

“A questão dos supersalários aqui é fumaça colocada nos olhos da população. E estamos vendo, de forma reiterada, quase todos os meses, exemplos de drible nessa situação. Quem ganha acima de R$ 40 mil, somos nós aqui nesta Casa, e a maioria do Judiciário brasileiro, que representamos menos de 1% da população economicamente ativa do Brasil”, criticou.

DRU

A Desvinculação das Receitas da União (DRU), cujo prazo terminaria em 2024, será prorrogada até 2032. O mecanismo flexibiliza a execução orçamentária, e permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem por cerca de 90% do montante desvinculado.

Pelo texto aprovado, além das contribuições sociais, das contribuições de intervenção no domínio econômico (Cide) e das taxas, a desvinculação alcançará ainda as receitas patrimoniais, que são aquelas obtidas pelo uso de patrimônio da União, como aluguéis, dividendos, compensações financeiras/royalties, direito real de uso entre outras.

O texto determina, no entanto, que a desvinculação deixará de atingir o Fundo Social do Pré-Sal e determinadas receitas vindas da exploração do petróleo carimbadas para a educação pública e a saúde: os royalties e participação especial de áreas que começaram a produzir a partir de 3 de dezembro de 2012 e as receitas da União decorrentes de acordos de individualização da produção de petróleo (definição do quanto pode ser extraído de campos abastecidos pela mesma jazida).

O texto também deixa explícito que a DRU não atinge recursos que devem ser transferidos a estados e municípios por força constitucional ou legal.

Até 2032, a vinculação de receitas a despesas (obrigação de aplicação em determinada área) não poderá resultar em um crescimento superior ao permitido para as despesas primárias. Isso significa que mudanças futuras nos pisos de aplicação em saúde e educação, por exemplo, não poderão levar a um aumento de gastos acima do limite do arcabouço fiscal (entre 0,6% e 2,5%).

Limites

A proposta, como aprovada, também permite ao Executivo federal reduzir ou limitar, na elaboração e na execução das leis orçamentárias, as despesas com a concessão de subsídios, subvenções e benefícios de natureza financeira. Essa redução poderá ser feita para cumprir o dever de executar as programações orçamentárias dentro dos limites do arcabouço fiscal.

De acordo com a PEC aprovada, lei complementar vai dispor sobre as condições e limites para concessão, ampliação e prorrogação de incentivos fiscais. (Com Agência Senado)