CVM investiga ministros que quase dobram salários com jetons espertos

Vinicius Carvalho, Anielle Franco e Carlos Lupi ocupam conselho de empresa privada sem aval da Comissão de Ética Pública

Indicados para cargos em conselho de administração da metalúrgica multinacional privada Tupy, três ministros do governo do presidente Lula (PT) quase dobraram seus salários com a boquinha na empresa privada e são alvos de processo administrativo aberto pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que investiga irregularidades nas nomeações que não tiveram o aval da a Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República. A informação foi revelada pelo Estadão, nesta segunda-feira (17).

Em sua missão institucional de regular o mercado de capitais no Brasil, a CVM questiona porque os ministros da Previdência, Carlos Lupi; da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho; e da Igualdade Racial, Anielle Franco, não realizaram consulta formal sobre o eventual conflito de interesses, antes de assumirem cadeiras no colegiado da empresa que tem participação da estatal BNDES Participações (BNDESPar), estatal que detém 28,19% das ações da Tupy, negociadas na Bolsa de Valores. Os fundos de pensão do Banco do Brasil, a Previ; e da Petrobras, a Petros, também são acionistas.

A indicação do BNDESPar garantiu que os ministros atuem no conselho da Tupy desde 2023, recebendo, em 2024, um complemento médio de mais de R$ 40 mil mensais da empresa, além dos R$ 44 mil brutos recebidos de salários do governo federal.

Os ministros receberam valores mensais acima de R$ 83 mil, que quase duplica o teto do funcionalismo público federal, de R$ 46 mil. Porque o Conselho de Administração da Tupy destinou um total de R$ 4,28 milhões, em 2024, equivalente a um salário mensal de R$ 39 mil para cada um de seus integrantes.

A Tupy ainda pagou proventos de R$ 1,77 milhão por participações em comitês, que inclui Anielle, do Comitê de Pessoas, Cultura e Governança; Vinícius Marques de Carvalho, do Comitê de Auditoria e Riscos Estatutário, e Lupi, do Comitê de Estratégia, Inovação e Sustentabilidade.

Reprimenda da CVM

Segundo o Estadão, a CVM enviou à Tupy, em outubro do ano passado, documento que destaca que a Lei de Conflito de Interesses prevê que pessoas com cargos ou empregos na administração pública federal só devem exercer atividade privada mediante autorização da Comissão de Ética. E orienta que a empresa somente nomeia agentes públicos para postos executivos, após comprovada a consulta formal e parecer de inexistência de conflito de interesses.

A Comissão de Ética Pública da Presidência somente começou a analisar o caso dos ministros no final de 2024, após a CVM enviar ofício à empresa com questionamentos. E a CEP emitiu parecer favorável à participação dos ministros no conselho da Tupy, que tinha iniciado sem seu aval, em 2023. Mas, no próximo dia 24, o colegiado que fiscaliza a ética no governo federal deve decidir se abre ou não um processo por violação ética dos ministros, por não terem consultado a CEP, antes de assumir as funções muito bem remuneradas no conselho da Tupy.

Outro lado

Ao Estadão, a Casa Civil afirmou que a CEP irá deliberar “sobre a instauração, ou não, de procedimento ético em face dos referidos ministros”. Processo que pode render “censura ética”, que é punição válida por três anos e “mancha” no currículo de servidores do governo federal.

Já a Tupy informou que a eleição para integrar seu conselho administrativo “é baseada na autodeclaração do candidato sobre o cumprimento da legislação aplicável”, conforme políticas internas da companhia.

E os ministros disseram ao Estadão que submeteram-se ao processo realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em que não se identificou risco de conflito de interesses.

Ao Diário do Poder, a assessoria do ministro-chefe da CGU informou que o BNDES conduziu o processo de indicação ao Conselho de Administração da Tupy, sem identificar risco de conflito de interesse, “não acarretando a necessidade de consulta à CEP-PR”, levando o processo adiante e tornando o ministro conselheiro da empresa.

Veja trechos da nota da assessoria de comunicação da CGU:

“Tão logo a Tupy S.A. comunicou sobre diligência da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), feita em 04/10/2024, uma mensagem foi encaminhada à CEP-PR em 16/10/2024 buscando a orientação devida sobre como proceder nesta situação. Em 26/11/2024, a diretriz da CEP-PR foi de que fosse formalizada consulta acerca da participação do ministro no conselho da referida empresa, o que prontamente foi executado por meio de formulário eletrônico em 13/12/2024.

A CEP-PR se manifestou em 27/01/2025 pela inexistência de conflito de interesses na atuação do ministro como membro do Conselho de Administração e do Comitê de Auditoria e Riscos Estatutários da Tupy S.A. no exercício do cargo de Ministro de Estado da Controladoria-Geral da União (CGU).

Caso as ações da CGU abarquem a companhia da qual o ministro é conselheiro, aplicam-se as regras de impedimento constantes no Código de Processo Civil. Além disso, para que não se estabeleça conflito de interesse, o agente público não pode divulgar ou fazer uso em proveito de entes privados de informação considerada privilegiada, obtida em razão das atividades exercidas.

Também é vedada qualquer atuação em assunto que diga respeito a interesses privados perante órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”