Lava Jato

Suíça tentou evitar compra do banco BSI por Esteves

Intervenção de ‘alto nível’ do Brasil ajudou a liberar negócio

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A agência reguladora dos bancos na Suíça (conhecida pela sigla Finma) resistiu à proposta de André Esteves de comprar o banco BSI. O negócio apenas foi concluído quando uma série de condições legais envolvendo o banqueiro brasileiro foram esclarecidas e, acima de tudo, quando uma “intervenção oficial” de Brasília ocorreu. O temor dos reguladores do mercado financeiro suíço era de que, ao permitir a entrada de Esteves em sua praça financeira, haveria a possibilidade de abrir a porta para negócios envolvendo a Petrobras.

Em meados de 2014, o BTG Pactual anunciou a compra do BSI. Mas o aval da Finma – a Autoridade Federal de Vigilância do Mercado Financeiro – levaria mais de um ano para sair, um prazo fora do processo normal de aprovação de compras de bancos no país. Um dos critérios avaliados era o das garantias de uma “atitude irrepreensível” da parte dos dirigentes do banco brasileiro.

Oficialmente, a assessoria de imprensa da Finma se recusa a fazer qualquer tipo de comentário sobre o processo de aprovação. Apenas dá a entender que, com Esteves fora do BTG, não haveria mais motivos para pensar em uma medida contra a compra.

Tudo começou no dia 14 de julho de 2014, quando o grupo italiano Generali anunciou que havia finalmente encontrado um comprador para o BSI, um banco com sede em Lugano, criado em 1873 e colocado à venda em 2012.

O BTG Pactual, assim, voltava a atuar na Suíça, depois de uma experiência alguns anos antes. Em 2006, Esteves havia vendido seu banco ao UBS por US$ 3,1 bilhões. Em 2009, o UBS abandonaria o Brasil por causa da crise internacional e André Esteves recompraria a própria instituição por US$ 2,5 bilhões.

Agora, ele havia comprado um banco com um forte desconto e, por US$ 1,5 bilhão, levaria uma instituição que administrava quase US$ 90 bilhões.

Barreiras. Mas a compra, que parecia selada, começaria a sofrer uma série de obstáculos. O primeiro era o processo que ainda corria contra o BSI na Justiça americana, na verdadeira cruzada liderada por Washington contra o fato de os bancos suíços terem ajudado a promover a evasão fiscal de milhares de contribuintes americanos.

Em março de 2015, o BSI fecharia um acordo com a Justiça dos Estados Unidos, depositando US$ 211 milhões em multas.

Resolvida a questão americana, Esteves seria então denunciado pelo ex-funcionário do BTG Pactual Zeljko Ivic. O ex-gerente do banco e que acionava o banqueiro por US$ 20 milhões em um tribunal de Hong Kong alertou a Finma sobre supostas irregularidades de seu ex-chefe brasileiro.

Com a ajuda do mesmo advogado que defende Edward Snowden, Ivic apresentou indícios aos suíços de que Esteves havia sido multado em ¤ 350 mil em 2012 por um tribunal da Itália. O brasileiro teria comprado ações de um produtor italiano de carnes, já sabendo que ele planejava uma joint venture com uma concorrente brasileira.

A compra ocorreu em 2007, quando o brasileiro ainda atuava pelo banco UBS. Com supostas informações privilegiadas, ele comprou ações da empresa Cremonini, antes de sua fusão com a gigante JBS.

Petrobrás. Mas o principal obstáculo viria do Brasil e de suas relações com a Petrobrás. Enquanto estudava a fusão, a agência de fiscalização abriu investigações contra bancos na Suíça no caso das contas de ex-diretores da Petrobrás que usaram a praça financeira de Genebra e Zurique para lavar dinheiro de corrupção. Três instituições financeiras na Suíça foram identificadas como tendo fracassado em impedir as irregularidades e podem ser punidas.

No início do ano, o ministério público da Suíça informou que cerca de 300 contas com mais de US$ 400 milhões em 30 bancos foram congeladas como resultado das investigações sobre a Petrobrás. Nas delações de alguns dos envolvidos, vários bancos foram usados para transferir dólares. Quem passou as informações ao ministério público foi, em parte, a Finma.

Segundo a Procuradoria da Suíça, a praça financeira do país “foi seriamente afetada pelo escândalo” da Petrobrás e, portanto, várias medidas foram tomadas. A Associação de Bancos Suíços também confirmou ao Estado que as instituições financeiras foram instruídas a evitar abrir contas e manter qualquer relação com pessoas ligadas à Petrobrás ou ao escândalo.

Internamente, o órgão de supervisão decidiu blindar o mercado financeiro suíço de qualquer contaminação da Lava Jato. A ordem interna era a de impedir que Esteves tivesse um cheque em branco para atuar na praça suíça, por meio de um banco privado.

Pressão. Mas uma pressão sobre a Autoridade Federal de Vigilância do Mercado Financeiro, tanto de dentro do mercado suíço como de fora, faria Berna ceder. Parte da solução foi um intercâmbio de informações entre o Banco Central no Brasil e a Finma, apontando para uma espécie de chancela da autoridade monetária brasileira às condições do BTG.

Outro aspecto que ajudou a acelerar veio de dentro da Suíça. O BSI indicou que, uma vez concluída a venda, quem assumiria o banco seria Joseph Rickenbacher, o que acabou ocorrendo em setembro deste ano. Ocorre que Rickenbacher era entre 2012 e 2014, um dos membros do conselho da Finma, a entidade que deveria aprovar a fusão dos bancos. No fim de 2014, de maneira súbita, Rickenbacher anunciou sua saída do órgão de regulação “por razões pessoais”. Um ano depois, ele comandaria o braço suíço do banco de Esteves.

Outra manobra para convencer a Finma foi a de dar garantias de que o BTG não teria o poder de intervir na gestão de um dos bancos mais antigos da Suíça. Assim, aos reguladores, o BSI insistiu que “teria administração própria com seu conselho de diretores independentes”. O recado era de que os novos controladores não teriam mãos livres com o banco no mercado financeiro suíço.

Procurado, o BTG disse que cumpriu todos os requisitos legais na aquisição e que o negócio foi aprovado sem restrições por autoridades de 11 países, incluindo Suíça e Brasil. (AE)

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