Revelada origem de mutações que causam doenças raras em famílias consanguíneas

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Famílias consanguíneas são aquelas em que pais geneticamente relacionados, como primos de primeiro grau, geram descendentes. Entre as doenças raras que afetam pessoas dessas famílias no Nordeste estão a síndrome SPOAN, uma doença neurodegenerativa; a síndrome Santos, que causa anomalia de membros; e a MED25 e a IMPA1, que levam à deficiência intelectual. Uma pesquisa buscou identificar quando e onde surgiram as mutações que causam essas doenças de herança recessiva, revelando que têm origem ancestral na Europa e na América.

O estudo gerou o artigo Origin and age of the causative mutations in KLC2, IMPA2, MED25 and WNT7A unraveled thourgh Brazilian admixed populations, publicado  na Scientific Reports, revista do grupo Nature. O trabalho de prospecção foi feito em parceria do Centro de Estudos do Genoma Humano, do Instituto de Biociências (IB) da USP com a Universidade Estadual da Paraíba.

Segundo Allysson Allan de Farias, o primeiro autor do estudo, o trabalho de campo começou em 2014 e foi finalizado em 2018. Envolveu dezoito pessoas afetadas por doenças genéticas raras de herança autossômica recessiva (entenda o que são na imagem abaixo).  A escolha do Nordeste se deu pela elevada prevalência de pessoas com doenças genéticas raras que poderia estar associada aos altos índices de casamentos consanguíneos, relata o pesquisador. Cerca de 25% dos casais consanguíneos apresentam um ou mais filho com alguma deficiência. Dentre estas, foram descritas as quatro doenças de herança autossômica recessiva: a síndrome SPOAN, a síndrome Santos, MED25 e IMPA1.

Os participantes da pesquisa eram moradores da zona rural dos municípios de Catolé do Rocha e Brejo dos Santos, no estado da Paraíba; Serrinha dos Pintos, Martins, São Miguel, Doutor Severiano, Pau dos Ferros, Encanto, Coronel João Pessoa e Riacho de Santana, no estado do Rio Grande do Norte.

Além de suspeitar que as doenças genéticas estivessem correlacionadas aos casamentos consanguíneos, os pesquisadores queriam ir mais além: precisavam saber a origem e a idade dessas doenças, “o que talvez explicaria a dispersão das mutações genéticas causadores das síndromes raras, como também identificar as populações que pudessem estar em risco no Brasil e no mundo”, explica Farias.

Até 2005, não havia um diagnóstico fechado sobre a síndrome SPOAN. Os pacientes afetados, que sofriam de atrofia do sistema nervoso seguido de paralisia, peregrinavam de médico em médico e permaneciam sem saber o que tinham, dependendo totalmente dos cuidados da família.

Os pesquisadores tinham a informação de que além dos casos ocorridos no Brasil com a síndrome SPOAN, dois irmãos tinham sido encontrados no Egito com a mesma mutação. A partir desta realidade, foi dado início ao estudo de ancestralidade local: foi coletado sangue das pessoas com tais deficiências e extraído DNA de estudo genético nos laboratórios do IB. “A investigação se deu na origem do fragmento cromossômico que contem a mutação causadora de cada doença”, explica Farias.

Para fazer as comparações, também foram utilizadas informações genéticas de bancos de dados representando as populações europeias, africanas e nativo-americanas, considerando que o Brasil é altamente miscigenado.

O primeiro achado importante da pesquisa foi a descoberta da ancestralidade nativo-americana (índios que habitaram o Brasil há 10 mil anos) para a doença que causa anomalia de membros (a síndrome Santos) e ancestralidade europeia para as três outras – a síndrome SPOAN, MED25 e IMPA1. Neste mesmo estudo, também foi confirmada alta taxa  de consanguinidade em famílias do Nordeste,  o que era semelhante às populações do Oriente Médio.

A partir destes achados, outras perguntas surgiram: quando estas doenças surgiram? Antes ou depois do contato dos portugueses com os nativos? Os resultados para estas questões foram os seguintes: de cerca de 100 anos para ancestralidade nativo-americano, para a síndrome Santos; e cerca de 200 anos para as duas deficiências intelectuais (MED25 e IMPA1), sendo que estas últimas indicavam que poderiam ter surgido após o contato com dos portugueses com as famílias do sertão.

Allysson Allan de Farias, primeiro autor do artigo publicado na Scientific Reports – Foto: Arquivo pessoal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para a síndrome SPOAN, a dúvida era saber qual seria a ligação do Brasil com o Egito? Para definir a idade da mutação, foi feita uma estimativa pelo tamanho dos segmentos cromossômicos compartilhados entre os indivíduos afetados brasileiros e egípcios (banco de dados). Sabendo que SPOAN tinha ancestralidade europeia, a idade da mutação ficou definida por volta de 485 anos, o que indicou o surgimento da doença na Península Ibérica, antes do contato dos nativos com os portugueses.

Questionado sobre a importância de se estudar a ancestralidade das doenças,  Farias explica que os resultados contribuem para identificar a origem e a compreensão de como essas doenças são disseminadas nas populações brasileiras e mundial. No caso especificamente do Nordeste, os resultados da pesquisa trouxe alento. Em relação à síndrome SPOAN, depois identificada, os indivíduos passaram a ser vistos de outra forma pelos profissionais de saúde e pelo governo municipal e estadual no que diz respeito ao amparo ao bem estar de pessoas com deficiência.

Mais informações: Allyssonallan@gmail.com com Allysson Allan de Farias

 

Texto: 

Arte sobre foto – NASA’s Marshall Space/Flickr-CC

Fonte: Jornal da USP

 

Notícia publicada originalmente em www.brasilcti.com.br/pesquisa/revelada-origem-de-mutacoes-que-causam-doencas-raras-em-familias-consanguineas/

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