Viagem a Bolívia

Reclusão não é exclusão, afirma papa em cadeia

Francisco ouviu detentos e pediu melhoria de condições em prisões

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No último dia da viagem à Bolívia, o papa Francisco teve um encontro emocionante nesta sexta-feira, 10, com detentos do presídio de Palmasola, na periferia de Santa Cruz de la Sierra, onde ouviu denúncias de dificuldades de acesso à Justiça e corrupção, além de relatos de superlotação, violência e má qualidade da alimentação.

Em discurso, o papa pediu respostas imediatas para os problemas e melhores condições nas cadeias. "Reclusão não é o mesmo que exclusão", afirmou. "São muitos os elementos que jogam contra, sei muito bem, a superlotação, a lentidão da Justiça, a falta de terapias ocupacionais e de políticas de reabilitação e a violência fazem necessária uma rápida e eficaz aliança institucional para encontrar respostas."

O pontífice optou por um pronunciamento mais voltado para a solidariedade com os presos, em vez de cobranças diretas de providências contra a corrupção e as injustiças. "Sou um homem perdoado que foi e é salvo dos seus pecados", disse a homens e mulheres que cumprem pena em Palmasola. "Eu também tenho meus erros e devo fazer penitências", disse Francisco. Palmasola é considerado o presídio mais violento da Bolívia. 

O papa pediu aos presos que se ajudem mutuamente e busquem na religião um alívio para o sofrimento na cadeia. Ele disse que o sofrimento e a privação de liberdade podem levar ao egoísmo, à violência e ao desespero. "O diabo procura a briga", afirmou. Francisco lembrou os discípulos Pedro e Paulo, que também estiveram presos. "Eles rezaram, e (outras pessoas) rezaram por eles. Duas ações que geram entre si uma rede que sustenta a vida e a esperança", afirmou.

Condenado a 20 anos por homicídio, o detento Andres de Jesus, de 22 anos, em Palmasola desde os 19, disse que, no início, se admirou com os presos dormindo no chão, mas hoje vê com naturalidade e lembrou a rebelião de presos que deixou 35 mortos em 2013. "Alguns dormem como bichos, como animais e isso hoje me parece comum. Precisamos de alimentação digna, programas reais de reabilitação social e verdadeira justiça." 

A presa Ana Lia Parada, encerrou aos prantos um discurso em que denunciou o "terrorismo jurídico", em que apenas os que podem pagar advogados caros têm acesso à Justiça. Ela pediu que o papa interceda pela libertação de presas idosas, com doenças terminais e que já tenham cumprido um terço da pena, no caso das condenadas a mais de trinta anos.

Bispo responsável pela pastoral penitenciária, o mosenhor Jesús Juárez, também fez graves denúncias em discurso ao papa: "É escândalo a demora da Justiça na Bolívia, onde 24% dos presos não têm sentença, estão custodiados". 

A visita. O papa chegou em carro fechado ao presídio, mas mudou para um veículo aberto depois de passar pelo portão de entrada. De maneira ainda mais afetuosa que em outros compromissos no país, cumprimentou presos, agentes penitenciários, voluntários e muitas crianças. 

A visita do papa chamou atenção para um dos mais graves problemas apontados pelos moradores de Santa Cruz de la Sierra: a corrupção na Justiça. "Este é o Palácio da Injustiça e da Corrupção", comenta o motorista de táxi ao passar pelo tribunal de Santa Cruz de la Sierra, chamado Palácio da Justiça, a caminho de Palmasola. 

A falta de acesso à justiça e a corrupção foi mencionada por autoridades da Igreja boliviana, na quinta-feira, em duas ocasiões. No encontro com religiosos, o monsenhor Roberto Bordi citou a preocupação dos religiosos bolivianos com "a corrupção, o narcotráfico, os enfrentamentos políticos e ideológicos, a injustiça e a pobreza". Mais cedo, na missa, o arcebispo de Santa Cruz de la Sierra, monsenhor Sergio Gualberti, destacou a necessidade de "extirpar a pratica corrupta e parcial da Justiça".

"O cárcere tem muitos réus culpados, mas também muitos que estão presos injustamente ou que já deveriam estar livres. O gesto do papa de vir aqui é muito importante, vamos esperar que dê resultados. Além disso, é uma emoção enorme ouvir a mensagem do papa, ele é muito sensível aos problemas sociais", disse a dona de casa Susanita Salazar, moradora de Palmasola que às 7h chegou com a filha Jocelin, de 3 anos, e outros parentes ao ponto mais próximo permitido aos fiéis do caminho pelo qual o pontífice passou. 

"Não podemos tocá-lo, mas olhar para ele, vê-lo de perto é muito emocionante. Quem sabe não passa um trem na hora e o carro é obrigado a parar e então poderemos cercar o papa?", brincou Susanita, a poucos metros da linha férrea, interditada para a visita papal. O pontífice, no entanto, passou rapidamente em carro fechado, para frustração dos fiéis.

De acordo com a imprensa de Santa Cruz, 120 crianças filhas de homens presos vivem na penitenciária, algumas com as mães e outras por não terem parentes que as acolha. Em 2013, durante a pior rebelião do presídio de Palmasola, entre os 35 mortos estava uma criança de dois anos. A Defensoria Pública busca solução para o problema, mas não houve avanços até agora. Em janeiro, 24 crianças de seis a 14 anos deixaram o presídio e foram levadas para um abrigo.

No trajeto até o presídio, o papa pôde ver as dificuldades dos moradores dos arredores de Palmasola, com muitas ruas sem pavimentação, tomadas de lama. Obras de pavimentação foram feitas de última hora na região, mas não esconderam a precariedade. 

Também à espera do papa, a aposentada Teresa Zambrana lamentava não ter podido ir à missa rezada por Francisco no centro de Santa Cruz, na manhã de quinta-feira, e foi a Palmasola para ver o pontífice passar. "Viu o que ele disse na homilia? Que as pessoas têm que ser humildes e, ele mesmo, é humilde. É um papa que não ostenta riqueza, eu o admiro muito", elogiou Teresa. (AE)

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