Pró-enzima artificial desenvolvida por pesquisadores da UFRGS mostra resultados promissores

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Enzimas são essenciais para o nosso organismo, e problemas em sua produção podem causar inúmeras doenças, algumas delas até mesmo sem cura atualmente. Desenvolvidas por um grupo de pesquisadores do Instituto de Física e do Instituto de Química da UFRGS, em parceria com o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, as pró-enzimas artificiais podem melhorar a qualidade de vida de pacientes que sofrem com esses problemas. O composto, ainda nas fases iniciais de desenvolvimento, é inédito na ciência, o primeiro a relatar um sistema que mimetiza de maneira artificial as pró-enzimas naturalmente presentes no nosso organismo.

O corpo humano é um sistema orgânico lento, dependente do trabalho das enzimas, que possuem a função de catalisadoras, para funcionar de maneira correta. Ou seja, elas servem como aceleradores para que as reações químicas que ocorrem dentro do nosso corpo se tornem mais eficazes. Antes de participarem dessas reações, entretanto, as enzimas se encontram em uma forma inativa, na qual são chamadas de pró-enzimas. Elas somente são ativadas em circunstâncias específicas, que podem ser uma determinada temperatura ou a presença de algum outro composto que transformam essa pró-enzima em uma enzima ativa, que então fará a sua função dentro da reação química.

Por cerca de dois anos, pesquisadores dos dois institutos se uniram, cada qual trazendo as suas próprias contribuições para o trabalho, a fim de desenvolver esse composto para ser usado na área médica. “Foi esse casamento de duas linhas tão diferentes que resultou em um trabalho criativo em áreas bastante díspares”, afirma a professora do Instituto de Química Fernanda Poletto, uma das participantes do projeto. Composto somente por pesquisadores brasileiros, o trabalho é multidisciplinar e também contou com outras colaborações para chegar ao resultado final. Atualmente, as pró-enzimas criad­as por eles servem para provar um conceito teórico da ciência básica, mas podem ser desenvolvidas no futuro até chegarem aos pacientes que as necessitam. “Sempre que a gente trabalha no desenvolvimento de sistemas para aplicações biomédicas, temos esse sonho de poder testar em humanos em algum momento”, diz Fernanda.

As nanopartículas produzidas pelo grupo são de escala ultrapequena, menor do que dois nanômetros e cerca de 30 mil vezes menor do que um fio de cabelo, e são ativadas somente sob certos contextos biológicos, quando necessárias. Compostas de hidróxido de cério III, elas se transformam em óxido de cério IV na presença de um composto chamado peróxido de hidrogênio, que se encontra principalmente em regiões do corpo que estão sofrendo de uma inflamação. Depois de ativadas, as nanopartículas mimetizam o papel de uma enzima naturalmente produzida no corpo humano, o superóxido dismutase. Essa enzima tem um efeito antioxidante, reagindo com os radicais livres presentes no nosso sistema, que podem ser prejudiciais e tóxicos, para torná-los menos danosos ao organismo. Em certas doenças degenerativas, como a esclerose lateral amiotrófica que afetou o astrofísico Stephen Hawking, a enzima não é produzida de maneira adequada ou suficiente, causando danos e diminuindo a expectativa de vida dos pacientes. Copiando uma estratégia da natureza, a pró-enzima artificial desenvolvida por eles só é ativa quando é necessária, evitando que também reajam com células sadias.

A estrutura do cubo que mantém as nanopartículas protegidas dentro dos cristais líquidos é essencial para o seu funcionamento adequado no organismo – Imagem: divulgação

Em condições fisiológicas, o composto de cério não é estável e se dissolve facilmente. Para resolver esse problema, o grupo utilizou cristais líquidos para protegê-lo. Com a estrutura de um cubo, esse cristal líquido é como um tijolo, mantendo as nanopartículas dentro de si até que cheguem ao local da inflamação. É somente quando o sistema é transformado em uma enzima ativa que as nanopartículas saem para o meio externo e agem no corpo. As amostras foram sintetizadas no Laboratório de Química Supramolecular para Aplicações Biomédicas da UFRGS e já foram testadas em grupos de células para analisar sua toxicidade e seu funcionamento.

Toda a pesquisa foi financiada pelos próprios professores, sem a ajuda de agências financiadoras. “Nós acreditamos no trabalho, persistimos e fomos teimosos”, afirma Fabiano Bernardi, do Instituto de Física. Mesmo que ainda esteja à procura de recursos, o grupo pretende continuar com a pesquisa. Durante o desenvolvimento do projeto, surgiram novas questões que deverão ser trabalhadas posteriormente, entre as quais estão o estudo de como esses cristais líquidos podem ser transformados eles próprios em nanopartículas para aplicações biológicas, o trabalho com escalas de tamanho diferentes e a otimização do sistema. O artigo que apresenta os resultados obtidos pelo grupo foi destaque no periódico científico Journal of Materials Chemistry B, da Royal Society of Chemistry, em junho de 2018. Embora ainda haja um longo caminho até que essas nanopartículas possam ser utilizadas no campo médico, conforme ressalta Fernanda, “a ciência básica é o que dá a fundação para que a aplicação possa ser alcançada. Nesse caso, tudo começou com a ciência básica. Seria uma satisfação imensa para todos nós ter como resultado final uma melhoria de bem-estar de pacientes que precisam desse tipo de estratégia de tratamento”.

 

O Laboratório de Física de Nanoestruturas da UFRGS fez parte do projeto, coordenado pelo professor Fabiano Bernardi (à direita) e contando com a participação de estudantes de pós-graduação e graduação, como Alisson Steffli Thill (à esquerda) – Foto: Gustavo Diehl/UFRGS

 

Artigo científico

BOHN, Denise R. et al. Artificial cerium-based proenzymes confined in lyotropic liquid crystals: synthetic strategy and on-demand activation. Journal Of Materials Chemistry B, v. 6, n. 30, 2018.

 

Texto: Nathália Cassola

Foto: Gustavo Diehl/UFRGS

Fonte: UFRGS Ciência

 

Notícia publicada originalmente em www.brasilcti.com.br/pesquisa/pro-enzima-artificial-desenvolvida-por-pesquisadores-da-ufrgs-mostra-resultados-promissores-2/

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