HOMICÍDIO PELO SUS

Polícia apura morte de bebê no parto, em hospital de ex-deputado alagoano

Casal culpa hospital de ex-deputado por morte de filho no parto

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Junto com roupinhas e a mobília de temática infantil, sonhos ruíram para o casal de comerciantes Rosane Melo Lessa e Ian Joaquim da Silva, depois da constatação da morte de seu filho, em 25 de janeiro, aos nove meses da gestação, no ventre da mãe, no Hospital Carvalho Beltrão, em Coruripe, no Litoral Sul de Alagoas. Mas a morte do bebê no atendimento realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) virou alvo de investigação para apurar eventual homicídio culposo por inobservância de regra técnica, porque o casal denunciou uma série de erros e negligência de profissionais da unidade de saúde de propriedade do ex-deputado estadual Francisco João Carvalho Beltrão, o Chicão.

Após o registro da ocorrência policial, feito pelo casal em 1º de fevereiro, o Ministério Público Estadual de Alagoas (MP/AL) garante que vai acompanhar o inquérito sobre a morte do menino que se chamaria João, depois que a profissional responsável pelo atendimento dormiu ao lado da mãe, esperando pelas contrações. Segundo o casal, faltou humanização do corpo médico do hospital, que ignorou o relato de que a mãe sempre precisou ser induzida por medicamentos para ter contrações, nos três partos anteriores de suas filhas.

Profundamente triste pela perda ocorrida após dez dias de idas e vindas ao hospital, o casal deve entrar com uma ação contra a unidade de saúde denominada Carvalho Beltrão Serviços de Saúde LTDA, cujo sócio-administrador é o ex-deputado Chicão, e o outro sócio Raimundo de Sousa Lima.

Ex-deputado Chicão disse que caso já foi resolvido (Foto: Divulgação)Já tendo passado por dois partos normais e uma cesariana, Rosane contou que avisou ao corpo médico que em suas experiências anteriores, precisou ser induzida por medicamentos via soro, para sentir as contrações. “Ela falava, mas parecia que ninguém ouvia”, relatou o pai.

“Nosso filho estava perfeito. O pré-natal foi rigoroso e tudo ia bem, até minha esposa ter o primeiro sangramento e dores de contração, já na 40ª semana de gestação. Entre o primeiro dia de dores e o último, fomos ao hospital várias vezes e em todas elas nos mandavam de volta para casa. Nas últimas vezes em que fomos, tivemos que lidar, inclusive, com piadinhas da enfermeira que insinuava estarmos chegando em má hora”, acrescentou ainda muito abalado, o pai do bebê que morreu.

Ainda de acordo com o casal, na última ida ao Carvalho Beltrão a enfermeira – a mesma que a recebeu das outras vezes – fez os procedimentos normais e ouviu o coração do bebê. “Tudo aparentava estar sob controle, ela só precisava ser induzida ao parto, como das outras vezes, mas a atendente disse que iria esperar mais um pouco e dormiu ao lado de minha esposa, argumentando estar doente e que precisava repousar”, disse ainda Ian.

“Cinco horas após ter ouvido o coração do bebê, perto do horário de trocar de turno, a enfermeira acordou e foi ouvir novamente os batimentos cardíacos, mas eles tinham sumido”, falou ainda muito abalada, a mãe da criança. “Quando perceberam que nosso filho tinha morrido, apareceram enfermeiras, uma pediatra e outros profissionais para nos consolar e dizer que tinha sido a vontade de Deus”, acrescentou a mãe. “Só então induziram o parto normal, mas para tirar o corpinho dele, já sem vida, e ainda tentaram reanimá-lo mesmo após tanto tempo”, lamentou.

Por conta do luto da perda, o casal aguardou alguns dias, antes de registrar um Boletim de Ocorrência na delegacia da cidade. E afirma que não recebeu nenhum apoio do hospital, nem sequer para ter acesso ao prontuário médico do atendimento.

"Além de tudo, ainda temos que lidar com a ansiedade de nossa filha pequena que ainda não entende que o irmãozinho não chegará", lamentou Ian.

'JÁ FOI RESOLVIDO'

Ao ser contatado pela reportagem nesta segunda-feira (19), o ex-parlamentar disse que o caso "já foi resolvido" e que não queria falar sobre o assunto com o Diário do Poder, por telefone. E, depois de ser informado de que a reportagem queria respostas sobre a morte de um paciente em seu hospital, Chicão interrompeu a ligação para conversar com outra pessoa, ao passar seu e-mail para que lhe fossem enviadas as perguntas. Mas, até a publicação desta reportagem, nenhuma das perguntas foi respondida.

O casal que denunciou o caso há 18 dias ainda não foi procurado pela Polícia Civil, cuja assessoria de imprensa disse ao Diário do Poder que o delegado Gustavo Pires é o responsável pelo inquérito. Mas a PC disse que só poderia responder na manhã dessa terça-feira (20), se as investigações já teriam sido inicidadas, com oitivas ou diligências para buscas de informações e documentos junto ao hospital.

Em julho do ano passado, o hospital ampliou mais 71 leitos para usuários do SUS e passou a dispor de 302 leitos, com capacidade para atender 2.800 pacientes por mês, nas áreas de pediatria cirúrgica, pediatria clínica e clínica cirúrgica, além de obstetrícia e clínica médica. Naquela ocasião, a Secretária de Saúde do governo de Renan Filho (MDB) divulgou que o Hospital Carvalho Beltrão recebeu R$ 6,7 milhões dos Programas Prohosp, Provida e Promater, somente no primeiro semestre de 2017. Tais recursos não aparecem no portal da transparência do governo de Alagoas, que só registram R$ 11,1 milhões recebidos do Estado, sendo R$ 10,9 milhões antes do governo de Renan Filho, iniciado em 2015.

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