Pesquisador desenvolve protótipo de estação meteorológica modular e adaptável

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Um dia no Japão
Uma tremenda explosão
Causou uma convulsão
Em toda a nação
Misto de força da natureza
Com incompetência humana
Criou-se um cenário
De confusão e drama
Agora o material radioativo
É o inimigo
E ele não pode ser percebido
Por nenhum
Dos nossos
5 Sentidos
Chegou um pessoal bem descolado

Dizendo que a moda agora é tá tudo hackeado
Com um índice da radiação monitorado
Mandando uma série de dados
Criou-se uma alternativa
Aos distribuídos pelo estado
Com um monitoramento cidadão
Da radiação
Devolveu-se a clareza
Ao povo de Fukushima
E todo o Japão
Fazendo agora
Sem deixar-se pra amanhã
Desenvolveu-se um exemplo de projeto
De ciência cidadã
É de ciência cidadã

Foi a tragédia de Fukushima, em 2011, que serviu de inspiração para o rap acima, criado por membros do Laboratório Física e Música da UFRGS. No dia 11 de março, um terremoto seguido por um tsunami atingiu as usinas nucleares da cidade no Japão e causou vazamento de material radioativo. Esse foi o maior desastre nuclear desde Chernobyl em 1986, na Rússia, e o terceiro maior da história. Após o acidente, o governo japonês levou dois meses para admitir a gravidade da situação e, devido ao desconhecimento dos níveis de radiação, a população não sabia onde era seguro permanecer. Em resposta à falta de informação disponível em uma situação crítica, surge o Safecast. O grupo independente, que originalmente tinha como objetivo monitorar os níveis de radiação na área, agora se tornou uma fonte global de informações ambientais. Com a ajuda dos cidadãos japoneses, eles criaram uma rede de monitoramento colaborativo com o uso de tecnologias livres que foi essencial para a segurança das pessoas após o desastre.

Foi com base nesse exemplo de como os cidadãos podem se apropriar das tecnologias para seu benefício e bem-estar que surgiu a ideia por trás da dissertação de mestradode Leonardo Sehn Alves, defendida no Programa de Pós-Graduação em Sensoriamento Remoto da UFRGS. Desenvolvido no Centro de Tecnologia Acadêmica (CTA) do Instituto de Física da UFRGS, o objetivo principal do trabalho era incentivar a criação de redes de monitoramento colaborativo, focado em dados ambientais e meteorológicos diversos, de acordo com as necessidades de cada uma das comunidades, a partir da disponibilidade do conhecimento e das tecnologias. Redes de monitoramento densas e bem distribuídas ainda são uma raridade atualmente. Engenheiro físico, Leonardo desenvolveu um protótipo robusto para uma estação meteorológica modular para atender a essa demanda, a fim de também promover a ciência cidadã.  Quando um processo científico é aberto para uma comunidade contribuir, as pessoas se relacionam com a ciência de um modo diferente, passando do papel de observadoras para o de protagonistas. “A gente costuma brincar também que a ciência cidadã é tal qual a genki dama [a “esfera de energia”, ataque cuja intensidade depende do número de organismos suportando o seu uso], que o super-herói Goku usa na série Dragon Ball Z para derrotar os grandes vilões que ameaçam a Terra. As pessoas doam os seus recursos naturais, a sua energia vital. Aqui a gente vai estar doando, por exemplo, um ponto de coleta”, diz ele.

 

A motivação

Estamos em um momento de desastres ambientais cada vez mais impactantes e notórios, que podem afetar a vida das pessoas radicalmente a qualquer momento. Há uma demanda latente para entender melhor os processos que estão ocorrendo no planeta e, com a tecnologia cada vez mais acessível, é possível facilitar o monitoramento desses acontecimentos para a preservação e a sobrevivência das populações. Atualmente, esse monitoramento está a cargo de instituições públicas ou privadas, com o envolvimento de poucos especialistas e pontos de coleta de dados escassos. Por causa disso, o monitoramento é insuficiente, às vezes incapaz de atender às necessidades das comunidades. A estação modular desenvolvida no CTA é capaz de se adaptar a distintas situações e regiões, diferentemente das utilizadas atualmente. A tecnologia precisa ser clara e aberta para que se possa estudá-la, modificá-la e distribuí-la e, desse modo, promover a emancipação das comunidades e a construção de um cenário no qual o monitoramento é feito por cidadãos comuns. Sobre a importância do projeto, Leonardo afirma: “se em cada situação as pessoas e as infraestruturas estiverem preparadas, teremos uma condição bem melhor de estar encarando tudo isso”.

O trabalho já tem duração de cerca de seis anos e conta com estudantes das áreas de física, engenharia física e computação. Ajudando desde o começo, Leonardo retornou ao CTA após um intercâmbio para o seu mestrado, em que focou na construção do protótipo. Um dos fatores mais relevantes a ser levado em consideração durante o desenvolvimento do modelo era o custo e a acessibilidade dos materiais. As estações utilizadas atualmente têm um custo alto, sendo impraticável para instituições de menores condições financeiras, o que diminui a possibilidade do monitoramento em escalas pequenas, de bairros e microclimas. Pensando nisso, Leonardo criou uma alternativa mais barata que, contando o custo de produção e instalação, não deve passar de dois mil reais, enquanto as versões institucionais podem chegar às dezenas de milhares de reais. Durante toda a cadeia de desenvolvimento do projeto, os materiais escolhidos foram pensados para serem de fácil acesso e compra para qualquer pessoa, democratizando a tecnologia. Para construir uma estação, são necessários conhecimentos mínimos de eletrônica, mecânica e das ferramentas utilizadas no processo. Em cada etapa se usa uma habilidade diferente, de acordo com o que está sendo construído. “Tudo isso a gente tenta trabalhar para que esses conhecimentos se popularizem”, afirma Leonardo. Junto com o protótipo, foi desenvolvido um guia de comunidade que serve de recurso educacional para auxiliar na construção da estação e que está disponível na página Wiki do projeto. Com a documentação aberta e as tecnologias livres, qualquer um pode construir a sua própria sem muita dificuldade, adaptando-a ao seu ambiente e às suas necessidades.  “A ideia é que se possam inserir novos módulos, possibilitando a adaptação a diferentes realidades locais”, aponta. Por exemplo, em uma comunidade ribeirinha, seria interessante medir a condutividade da água. Já em áreas mais urbanas, pode ser necessário medir a qualidade do ar. É dessa maneira que a estação, através da sua modularidade, pode atender a demandas específicas locais, gerando dados sobre o espaço e um novo olhar sobre a questão ambiental.

O desenvolvimento

Montada nos arredores do CTA, no Campus do Vale, esta estação recebeu, devido ao modo como foi instalada em uma parede, o nome da planta trepadeira ora-pro-nóbis – Foto: Gustavo Diehl/UFRGS

 

Durante o projeto, o pesquisador realizou um ensaio a partir da comunidade do CTA, abrindo o processo de produção para que outras pessoas que estivessem interessadas pudessem participar. Os dias e as atividades que seriam realizadas eram postadas com antecedência nos fóruns online para a divulgação entre os membros da comunidade, tendo Leonardo como supervisor desses encontros. Já durante a fase de montagem, foram realizados mutirões durante os quais todos pensavam, de maneira coletiva, sobre como e onde instalar a estação. Ao todo, foram instaladas duas estações em Porto Alegre, uma no Campus do Vale da UFRGS e outra no Instituto Nacional de Meteorologia do Rio Grande do Sul. As estações foram montadas de acordo com as características do espaço que tinham disponível. Elas são compostas de uma caixa estanque que guarda toda a parte eletrônica que armazena as informações coletadas e braços que a conectam através de fios aos abrigos onde ficam os sensores utilizados. Todos os dados obtidos são enviados por wifi para o servidor do CTA, além de serem armazenados em um cartão SD como backup. Para esses dois protótipos, parte dos materiais utilizados foram reciclados de projetos abandonados, mas todos eles podem ser comprados em lugares comuns, como ferragens. Pensando na questão da autoria, cada estação pode ser nomeada pela comunidade que a construiu, sempre baseada em nomes de plantas nativas. “As estações são como árvores, devem ser plantadas e cultivadas por essas comunidades e têm um potencial nutritivo enorme”, explica Leonardo.

O primeiro mutirão durou seis dias, enquanto o segundo foi finalizado após quatro dias. Apesar de a última ter sido mais complexa, a experiência com a primeira montagem fez com que o processo se agilizasse. De acordo com Leonardo, a estação pode ser montada em cerca de uma semana. Atualmente, a equipe está trabalhando para corrigir bugs e problemas que surgiram após o ensaio, amadurecendo o projeto e os resultados obtidos. Apesar de ter sido realizado dentro de uma comunidade que já tinha um interesse prévio no assunto, a ideia é levar a atividade para as escolas. “Acredito que tem o potencial de, quando aplicado em espaços que não estavam tão interessados assim, suscitar o interesse e a curiosidade das pessoas que não estavam esperando por aquilo”, diz a estudante Marina de Freitas, uma das integrantes do projeto. Uma das maiores dificuldades encontradas por eles é falta de uma equipe fixa de colaboradores, além de recursos financeiros. Construída do zero, a estação meteorológica modular desenvolvida pela equipe perpassa diversas áreas do conhecimento, com contribuições pontuais de diferentes pessoas. Sendo um projeto estruturante do laboratório, Leonardo irá continuar trabalhando com o assunto e aperfeiçoando o seu protótipo para a próxima fase. Ao se inserirem na comunidade, pretendem construir uma relação de confiança e transparência, formando uma rede de monitoramento ambiental colaborativo que se construa no campo da educação e promova a emancipação tecnológica. Para ele, a questão ambiental só ficará cada vez mais séria, e esse é um trabalho está apenas começando.

 

Dissertação

TítuloCiência cidadã por meio de estações modulares: construindo as condições para um monitoramento meteorológico colaborativo
AutorLeonardo Sehn Alves
Orientadora: Eliana Veleda Klering
Unidade: Programa de Pós-Graduação em Sensoriamento Remoto

 

Texto: Nathália Cassola

Foto: Gustavo Diehl/UFRGS

Fonte: UFRGS Ciência

 

Notícia publicada originalmente em www.brasilcti.com.br/pesquisa/pesquisador-desenvolve-prototipo-de-estacao-meteorologica-modular-e-adaptavel/

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