Pesquisa resgata a trajetória do poeta e intelectual Jamil Haddad

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O poeta, jornalista, médico e intelectual Jamil Almansur Haddad (1914-1988) desempenhou papel central no meio intelectual brasileiro entre as décadas de 1930 e 1980 e, em especial, no paulistano, ao publicar pelas grandes editoras e desenvolver um trabalho intenso de tradução – dos clássicos ao poeta francês Charles Baudelaire. Ele também foi professor da USP mas, apesar dessa centralidade, tornou-se quase desconhecido na historiografia literária.

Mas isso mudou graças à pesquisadora Christina Stefano de Queiroz, que desenvolveu, em sua tese de doutorado, o primeiro trabalho acadêmico a resgatar a trajetória deste autor. A pesquisa, desenvolvida no Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, traz importantes revelações sobre a experiência de vida de Jamil Almansur Haddad, que, mesmo tendo nascido no Brasil – ele é da segunda geração de imigrantes libaneses -, foi lido pelos seus pares e pela crítica sem o merecido valor.

 

Carteirinha de sócio do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz da Faculdade de Medicina de São Paulo – Foto: Museu Histórico Professor Carlos da Silva Lacaz / Faculdade de Medicina da USP (FMUSP)
Capa do livro Alkamar, a minha amante: odalisca sonha com seus amantes em meio a uma paisagem desértica noturna – Foto: Acervo pessoal

Segundo Christina, “mergulhado no contexto cultural de um país, em busca da sua verdadeira identidade nacional e vivendo na cidade de São Paulo, que em meados do século 20 foi um dos maiores polos de imigração do mundo, Jamil Haddad desenvolveu interessantes relações com escritores do meio intelectual local como Raduan Nassar, Milton Hatoum e Chafic Maluf ”.

De acordo com a pesquisadora, os primeiros passos do percurso literário de Jamil Haddad foram marcados pelas publicações dos livros de poemas Alkamar, a minha amante (1935), Orações negras(1937) e a tese: Romantismo Brasileiro e as Sociedades Secretas do Tempo (1945) – que, mais tarde, deu origem ao livro Álvares de Azevedo, a maçonaria e a dança (1960), além de artigos de jornais.

 

Jamil Almansur Haddad (primeiro à direita) em evento de recepção para Katharine Hepburn (no centro) – Foto: Arquivo pessoal / Luiz Alcino Teixeira Leite

Na Canção danubiana, Jamil canta o rio que enlaça sete países, sete pátrias unidas por um “laço líquido”:

Eu te amo, na noite divina,
Terna corrente dançarina,
Cujo vestido azul-celeste,
Possui franjas brancas de espuma,
Possui rendas tênues de bruma

Tudo isto ocorre em um momento em que as tendências estéticas do Modernismo norteavam a apreciação crítica sobre a qualidade das obras. A pesquisadora conta que a poesia dele causou estranheza ao conter, ao mesmo tempo, preocupação formal e pulsação transgressora, que se materializa, entre outros elementos, por meio das imagens eróticas que seus versos evocam. Assim, a apreciação da trajetória de Jamil Haddad permite, em primeiro lugar, olhar para o Modernismo e para a historiografia literária brasileira de um novo ângulo.

 

Jornal libanês noticia a visita de Jamil: “professor Jamil Haddad descobre com emoção seu país de origem” – Foto: Espólio do poeta

 

Pesquisadora Christina Stefano de Queiroz – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O trabalho de Christina traz à tona o papel central desempenhado por Jamil Haddad no processo de renascimento da literatura árabe, no final do século 19. Muito se escreveu sobre autores da terceira geração como Raduan Nassar e Milton Hatoum. Intelectuais imigrantes pioneiros, como Chafic Maluf, como outros de segunda geração, entre eles Jamil Haddad, foram pouco estudados no âmbito acadêmico, diz a pesquisadora.

O poeta brasileiro, através de sua experiência biográfica e de seu caminho literário, sem jamais haver experimentado a imigração e tendo conhecido o Líbano apenas aos 40 anos, inventou uma personalidade literária espelhada nas identidades dos autores que vivenciaram na pele as dificuldades da migração.

Os imigrantes árabes que vieram ao Brasil na virada do século 19 para o 20 formaram diversas ligas literárias e grupos de poetas, com repercussão e impacto na literatura do Oriente Médio, e pouco se sabe e se estuda a respeito desta historiografia. A pesquisa pode despertar o interesse de algum estudante para analisar este importante intercâmbio de culturas.

Jamil Haddad na década de 1970 – Foto: Espólio do poeta

O trabalho de Christina tem como base inúmeras entrevistas com parentes, amigos e amigas de Jamil Haddad, além de pesquisas em bibliotecas, museus e jornais. Ao analisar o percurso do poeta, a pesquisadora ajuda-nos a ampliar o entendimento sobre nossa historiografia literária e poética, sobre a literatura dos imigrantes árabes e a emergência dos estudos culturais.

No dia 20 de agosto deste ano, Christina recebeu o Prêmio Tese Destaque 2018 na área de Linguística, Letras e Artes. O prêmio reconhece os melhores trabalhos defendidos na USP.

A pesquisa O caixeiro viajante da poesia, ou um estrangeiro inventado: ensaio biográfico sobre o poeta líbano-brasileiro Jamil Almansur Haddad (1914-1988) foi defendida em novembro de 2017, na FFLCH. O orientador do trabalho foi o professor Michel Sleiman.

Mais informações: e-mail: queirozchris@gmail.com, com a pesquisadora Christina Stefano de Queiroz

Mestre Valdenor, especial para o Jornal da USP

 

Foto: Espólio do poeta

Fonte: Jornal da USP

 

Notícia publicada originalmente em www.brasilcti.com.br/pesquisa/pesquisa-resgata-a-trajetoria-do-poeta-e-intelectual-jamil-haddad/

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