Nota técnica

Para Inep, Enem não é ideal para certificar ensino médio

Órgão questiona eficácia da prova para selecionar para universidades

acessibilidade:

Documentos internos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação que organiza o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), questionam a adoção das provas para a certificação de ensino médio. Segundo nota técnica obtida com exclusividade pelo Estado, há ?fragilidades pedagógicas? em usar o exame para a obtenção de diploma. O estudo aponta dificuldades de construir uma prova que certifique e também sirva para selecionar alunos para o ensino superior, como acontece atualmente com o Enem.

O número de participantes que solicitam a certificação tem aumentado a cada edição. No exame deste ano, que ocorre amanhã e domingo, 997 mil candidatos se inscreveram com o objetivo de conseguir o diploma de ensino médio. No ano passado, foram 784 mil, mas apenas 7,6% dos candidatos conseguiram nota mínima para a certificação, segundo informações da ONG Ação Educativa. ?Para as pessoas que tiveram problema de acesso à educação, dificilmente elas vão conseguir responder uma prova sofisticada como o Enem?, diz Roberto Catelli Junior, coordenador da unidade Educação para Jovens e Adultos (EJA) da Ação Educativa. Em 2009, o Enem foi reformulado, ganhou o formato atual e passou a ser usado como vestibular por universidades federais. A partir daí, o exame também virou processo de certificação e substituiu o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) para o ensino médio. As notas técnicas mostram que a própria equipe do Inep apontou em ?várias oportunidades? problemas na certificação por meio do Enem. O documento da Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb) do Inep de 2012 indica, além da fragilidade pedagógica, a ?dificuldade psicométrica de se construir uma prova que atenda plenamente a dois objetivos distintos: certificação e seleção?. O parecer é de autoria da cúpula da Daeb. Na oportunidade, ao mesmo tempo em que reafirmam os problemas, os técnicos indicaram que a nota mínima para certificação subisse. O documento recorre a estudo feito em 2010 pela Coordenação Geral de Instrumentos e Medidas da Daeb, cuja conclusão era pela separação do Encceja e do Enem. Segundo o estudo assinado por 30 técnicos do Inep, a matriz de conteúdos do Enem não contempla especificidades da educação de jovens e adultos. ?Ao unir o Encceja ao Enem deixa-se de lado o objetivo principal do primeiro, que é avaliar as habilidades e competências básicas de jovens e adultos que não tiveram oportunidade de acesso à escolaridade regular na idade apropriada.? No fim do mês passado, servidores do Inep divulgaram carta pedindo independência para tomar decisões ?estritamente técnicas? e para criar uma agenda de divulgação de dados e resultados. Para Maria Inês Pestana, ex-diretora da Daeb, oferecer a possibilidade de certificação pelo Enem teve o objetivo de inclusão, mas o exame acabou se tornando uma ferramenta muito voltada para a seleção de universitários. ?Sempre foi um dilema, e a decisão tomada foi pensando na inclusão. Mas tecnicamente seria ideal separar as provas?, diz ela, hoje aposentada. O presidente do Inep, Francisco Soares, reconheceu que o tema é ?controverso?, mas que a opção de certificar é ?segura?. ?Como temos muitos itens na prova, de dificuldades diferentes, podemos contemplar a certificação?, diz ele. ?Não podemos ter dois pesos e duas medidas sobre o que o concluinte deve saber.? Foi depois da reformulação de 2009 que o exame passou a ter 180 questões, dividas em quatro áreas. O modelo matemático da Teoria da Resposta ao Item (TRI) também passou a ser utilizado a partir deste momento. Vários especialistas em educação sempre questionaram as várias funções que o Enem passou a ter a partir de 2009. Além de manter a pretensão inicial de avaliar o ensino médio, certificar para o ensino médio, selecionar para universidade, é também critério para bolsas do ProUni, para o Financiamento Estudantil (Fies). Também é imprescindível para quem pretende conseguir uma bolsa no exterior no programa Ciência Sem Fronteiras. A professora Ana Paula Corti, do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), explica que o Enem tem funções variadas antes de 2009 (o exame foi criado em 1998), mas se consolidou como política de acesso ao ensino superior. ?Quando se analisa o Enem como forma de acesso, é inegável que ele acabou virando um mecanismo de democratização do acesso à universidade. Mas o Enem não pode ser visto como política de modificação ensino médio?, diz ela, que publicou artigo sobre o assunto. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Alavarse, seria importante avaliar o próprio exame para testar todas as suas funções. ?Precisamos avaliar o que o Enem está medindo?, diz.  A consultora em educação Ilona Becskeházy afiram que o ponto central é que não existe no Brasil um currículo básico ? assim, tanto o Enem quanto o Encceja não tem uma referência segura para se basear. ?A desonestidade técnica e política é não ter currículo.? Chance. Para conseguir o diploma de ensino médio, o participante precisa atingir o mínimo de 450 pontos em cada uma das quatro áreas do conhecimento abordadas no exame. Para a redação, a nota mínima é 500. O participante pode ao mesmo tempo garantir a certificação e, se conseguir nota suficiente, ingressar na universidade.  (Paulo Saldana/AE)

Reportar Erro