Tecnologia assassina

MP quer proibir barragens com técnica mortal em Minas Gerais

Ação colide contra o Governo, que insiste em liberar barragens

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No fim de semana em que se completou um ano da tragédia do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana-MG, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ingressou com uma ação civil pública para proibir a concessão e renovação de licenças ou autorizações que envolvam instalações ou ampliações de barragens de rejeitos de mineração baseadas no método de alteamento para montante no Estado. A ação colide frontalmente contra o Governo Estadual, que insistiu na liberação do método, mesmo após a catástrofe.

A ação pede antecipação de tutela e inicia a contagem regressiva para banir o uso da tecnologia considerada ultrapassada e mortal por especialistas. O método foi um dos fatores que geraram a fragilidade e o consequente rompimento de Fundão, da mineradora Samarco. E a ação ajuizada na última sexta-feira (4) quer sustar, inclusive, a tramitação dos pedidos formulados por mineradoras para o uso da técnica.

Conforme levantamento realizado pelo MPMG, 37 barragens estão em processo de licenciamento em Minas Gerais. As cidades que contam com processos envolvendo o método de alteamento são: Antônio Dias, Araxá, Barão de Cocais, Brumadinho, Caeté, Congonhas, Igarapé, Itabira, Itabirito, Itapecerica, Itatiauçu, Mariana, Nazareno, Nova Lima, Ouro Preto, Rio Acima e Tapira. Há um ano, a Samarco admitiu que a barragem de Germano ainda corria risco de rompimento.

Tragédia em Mariana completa um ano (Antônio Cruz/ABr)Barata e mortal

O alteamento para montante é um método em que vários degraus são erguidos contra o talude ou contra a parede da estrutura que dão sustentação à barragem, à medida que a quantidade de rejeitos aumenta.

Na ação, o MPMG ressalta que a construção de barragens seguindo-se essa técnica é, entre outras disponíveis, a que gera menos custos para o empreendedor, mas, ao mesmo tempo, a que implica mais riscos de rompimento e, consequentemente, de danos ambientais e sociais.

“O mecanismo causou a ruptura de, pelo menos, quatro barragens: de Fernandinho (Itabirito), de Macacos (Nova Lima), a B1, da Herculano Mineração (Itabirito) e do Fundão (Mariana)”, aponta laudo do Centro de Apoio Técnico (Ceat) do MPMG. Além disso, o alteamento para montante apresenta, segundo o estudo, maior risco frente a sismos – o território de Minas Gerais está localizado em zona de intensa atividade sísmica.

O Ceat aponta, ainda, diferentes possibilidades técnicas, as quais devem ter sua implementação exigida por causarem menos impactos ambientais e sociais em comparação com a de alteamento para montante, como tecnologias com desaguamento, o empilhamento drenado, a disposição de rejeitos finos com secagem, a disposição de rejeitos em forma de pasta (paste tailings) e as tecnologias considerando a reciclagem dos rejeitos.

No Brasil, tamanho perigo gerado pelo método do alteamento para montante inspirou, inclusive, nota da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em que não se recomenda o alteamento de barragem pelo método a montante. Por motivos desconhecidos, no entanto, na versão de 2006 da mesma norma, a recomendação não mais aparece.

Decreto permite método “assassino”

Apesar dessas possibilidades, entretanto, segundo o MPMG, a Administração Estadual insiste na utilização do método considerado “assassino”. “Muitas vidas já foram perdidas em razão do uso da tecnologia ultrapassada das barragens de alteamento para montante. Não podemos continuar insistindo no erro, se caminhos alternativos existem”, esclarecem os promotores de Justiça que assinam a ação.

Em maio, como decorrência do desastre de Mariana, o governo estadual publicou o Decreto n° 46.993, que previu expressamente a continuidade do uso do método ultrapassado para a gestão de resíduos ou rejeitos da extração mineral.

“O Estado deixa de exigir, desse modo, a aplicação do princípio da prevenção e a implementação das Melhores Tecnologias Disponíveis (MTD) no que diz respeito à gestão de resíduos e rejeitos da mineração, e deixa de fazê-lo, contraditoriamente, num momento histórico que sucede àquele da maior catástrofe ambiental decorrente de rompimento de barragem registrada na literatura científica internacional”, diz trecho da ACP.

Para o MPMG, o decreto fere dois dos objetivos básicos da política nacional de resíduos sólidos, estabelecida pela Lei n° 12.305/2010: a disposição final, ambientalmente adequada dos rejeitos, e a adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais.

“Se é possível afastar o perigo mediante adoção de tecnologias alternativas, a exposição da incolumidade humana e do meio ambiente a situação de risco configura atuação ilícita. A sociedade mineira, em razão de decisão ilegal adotada pelo Poder Executivo, corre o risco de ter mais barragens de mineração com uso de tecnologia assassina sendo instaladas ou ampliadas em nosso estado”, afirmam os promotores de Justiça.

Pedidos

Na ação civil pública, o MP de Minas Gerais também requer que seja declarado nulo o artigo 8º do Decreto n° 46.993/2016 e que o Estado seja condenado a exigir, em todos os processos de licenciamento ambiental envolvendo disposição de rejeitos de mineração, a avaliação, nos estudos de impacto ambiental, da possibilidade da utilização de tecnologia alternativa à implantação de barragem, por qualquer método, dando prioridade às tecnologias consideradas mais seguras.

Em caso de descumprimento de eventual decisão judicial, o Estado terá que arcar com multa de R$ 500 mil por ato praticado, sem prejuízo de responsabilização por crime e improbidade administrativa. (Com informações da Comunicação MP de Minas Gerais)

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