Justiça retarda falência de usina e prejudica mineiros e alagoanos
TJ adia leilão que injetaria R$ 400 milhões em Alagoas e Minas
A doce esperança pelo pagamento de direitos de trabalhadores pobres das usinas da Massa Falida da Laginha Agro Industrial S/A voltou a amargar a boca de mineiros e alagoanos após o Judiciário de Alagoas voltar a passar na moenda de cana mais um frustrado leilão que estava marcado para vender as usinas mineiras Triálcool e Vale do Paranaíba na próxima quarta-feira (16). A transação judicial que poderia partilhar R$ 400 milhões com os trabalhadores foi mais uma vez adiada pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), nesta segunda-feira (14), pelo desembargador-presidente João Luiz Azevedo Lessa.
Fato comum nesta falência que já produziu denúncia para que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investigue todo o processo, o magistrado alagoano atendeu a mais uma investida dos herdeiros do grupo empresarial do ex-deputado federal alagoano João Lyra. E voltou a impedir um dos passos fundamentais para o cumprimento da lógica de um processo falimentar: o pagamento de credores, com prioridade para os trabalhadores pobres.
Somente com esta liminar, que revoga a decisão de 13 de outubro do desembargador Tutmés Airan, a Justiça de Alagoas impediu que a devolução da dignidade dos trabalhadores trucidados pela incompetência do parlamentar e a ganância de seus herdeiros.
A nova data do leilão foi restabelecida para o dia 15/12/2016, às 10h30, na 1ª Vara da Comarca de Coruripe-AL, conforme a antepenúltima marcação de data, pelo juiz Nelson Fernando Martins. Prazo que pode ser suficiente para que os filhos do usineiro João Lyra, Lourdinha Lyra e Guilherme Lyra consigam mais um recuo jurídico no processo de falência, a chamada reconvolação de recuperação judicial, a partir da petição de interdição parcial do ex-deputado federal, que tramita desde junho deste ano. Eles pediram a substituição do pai, detentor de mais de 99% das ações da falida Laginha, para assumir a representação legal do grupo.
Um jurista ouvido pelo Diário do Poder afirmou que o presidente do TJ foi induzido a erro, ao acatar, em plantão judiciário, falsos argumentos de que, por exemplo, não teria havido a definição de critérios para a apresentação de propostas para o leilão, que já haviam sido definidos pelo juiz anterior do processo, Kleber Borba Rocha. Foram critérios simples como preço, garantias reais da operação, forma de pagamento e capacidade financeira; além da estipulação de um limite de até 70% do valor dos bens leiloados, tudo constando na jurisprudência.
"É uma decisão profundamente equivocada. Na verdade, o que a família quer é fraudar a falência, né? Porque não existe falência sem a venda de bens para pagar a quem se deve. Isso é absolutamente fantasioso. Estão fazendo de tudo para fraudar a falência. Vamos ver para onde isso vai caminhar", disse o jurista, que pediu para não ser identificado temendo represálias.
João Luiz Azevedo Lessa engoliu, também equivocadamente, o argumento de que haveria necessidade de urgência em sua decisão, relacionando fatos da administração judicial passada, já destituída em julho de 2015, depois de sangrar R$ 30 milhões do patrimônio da Massa Falida, sem pagar nenhum credor. Enquanto a administração atual pretende reabrir todas as unidades industriais alagoanas do grupo, no ano de 2017.
Milhares de trabalhadores desamparados pela Justiça
A transação milionária deve beneficiar, prioritariamente, cerca de 16.500 trabalhadores e mais de 20 mil processos de alagoanos e mineiros que recorreram à Justiça, contra as empresas do. Entre os trabalhadores, há histórias de dor, humilhação, revolta e falta de fé nas instituições que conduzem o processo falimentar de um dos grupos mais beneficiados pelo poder público, na história da economia alagoana.
Existe uma avaliação legal das usinas mineiras, de aproximadamente R$ 400 milhões. Mas o juiz poderia, segundo sua convicção, autorizar a venda por valores que achar razoáveis.
Em Alagoas, as usinas do grupo também seriam leiloadas, mas duas delas, Guaxuma, em Coruripe; e Uruba, em Atalaia, foram arrendadas este ano, por consórcio e cooperativa locais. E a administração judicial da Massa Falida da Laginha negocia a reabertura, também por arrendamento, da Usina Laginha, em União dos Palmares, com incentivo do Governo do Estado.
Para traduzir este momento dramático que se arrasta desde a recuperação judicial iniciada em 2008, o Diário do Poder ouviu trabalhadores de usinas alagoanas, prefeitos dos dois estados, e autoridades que conduzem o processo de falência. Todos sinalizam que os leilões das usinas mineiras são medidas que devem ser concluídas com urgência, em detrimento do risco de calote e agravamento do problema social, a partir da pressão exercida por herdeiros do Grupo João Lyra pela reconvolação.
A situação do trabalhador rural Claudemir Teixeira da Silva é um dos retratos mais dramáticos de quem espera pela realização do leilão dos bens da Massa Falida de Laginha, após ter ocupado postos de serviço em péssimas condições de trabalho, comuns às usinas de açúcar e álcool. Há 16 anos, ele sobrevive com a ajuda da família e com auxílio da Previdência, devido à invalidez. Permanece a maior parte do tempo em cima de uma cama, paraplégico, em uma casa da Cohab, em União dos Palmares-AL.
Claudemir teve o corpo esmagado por uma maquina agrícola da Usina Laginha, quando voltava do trabalho no campo, em 10 de agosto de 2000 e até hoje usa uma sonda para necessidades fisiológicas. Geralmente, só deixa a cama hospitalar instalada em seu quarto, para ir ao hospital, trocar a sonda.
Da Usina Laginha, Claudemir só recebeu FGTS, após o acidente. Não reclama do tratamento médico a que se submeteu. Mas entrou na Justiça pelos seus direitos e espera receber um montante que traria mais conforto para sua vida.
“A causa está ganha, só faltam me pagar. Fechamos o acordo por R$ 150 mil. Não recebi nada de seguro de acidente de trabalho. Estou acompanhando na rádio a notícia sobre o leilão. Estou precisando. Mas está nas mãos de Deus. Quando está perto de acontecer, muda de novo [de data]. E vou levando a vida”, disse Claudemir, como se profetizasse o novo adiamento, na manhã do último domingo (13).
Outro caso parecido é o do trabalhador que teve um braço decepado em acidente embaixo de uma esteira de cana da Usina Uruba, também do Grupo João Lyra, em 1992, e depois voltou a trabalhar na empresa, sendo dispensado em abril de 2015. Morador de Atalaia, o trabalhador teme ser identificado e se vira com a ajuda da família para alimentar cinco filhos.
“Quando saí da Uruba, não me pagaram conta, nem nada. Não recebi nem um real de seguro de acidente de trabalho. Só me deram 5 mil reais de Fundo de Garantia. Já comi todinho e estou vivendo com a ajuda da família. Ninguém quis me empregar, depois que saí da usina. Não faço nada, porque não tenho força no outro braço, sou todo remendado. Minhas contas, pela Justiça, dava 500 mil reais. A juíza tentou fechar o acordo em 150 mil, mas acabamos fechando para receber 70 mil reais”, relatou o ex-funcionário da Uruba.
Como esses trabalhadores, ainda há centenas de casos como o de João Balbino, que tem 59 anos, e vive em um dos conjuntos habitacionais para vítimas da enchente que atingiu Alagoas em 2010, em União dos Palmares. Com problemas de coluna e a esposa com grave problema de saúde, teve o benefício cortado há alguns meses e a Usina Laginha não deu baixa em sua carteira de trabalho.
Nova administração judicial resiste a cenário de calote
O risco de calote começou a ser superado em julho de 2015, após apresentação do laudo pericial judicial que apontava para a sangria de R$ 27 milhões da Massa Falida da Laginha em transações irregulares. Com base no levantamento do perito contador judicial Joel Ribeiro dos Santos Junior, o juiz Kleber Borba Rocha destituiu o então administrador judicial Carlos Benedito Lima Franco dos Santos e os então gestores judiciais Felipe Carvalho Olegário de Souza e X Infinity Invest & Assessoria Empresarial Ltda.
O processo começou a andar na direção de um desfecho justo depois que João Daniel Fernandes assumiu a administração judicial da Massa Falida da Laginha. Mas por ter avançado, junto com o aval de decisões do juiz Kleber Borba e do desembargador Tutmés Airan, na preservação dos ativos e na o advogado nomeado pela Justiça de Alagoas ainda enfrenta diversos entraves, como a manutenção dos adiamentos dos leilões do patrimônio da Laginha.
“Foi um trabalho árduo, porque havia muitas situações a corrigir e conciliar, inclusive a intenção velada de alguns em tumultuar o processo para que nada fosse vendido e, por via de consequência, nada fosse pago. A venda das unidades de Minas é fundamental para se começar a pagar credores”, afirma João Daniel Fernandes, para o Diário do Poder, na tarde do último sábado (12).
O prefeito eleito do município alagoano de União dos Palmares, Areski Freitas, o Kil (PMDB), considerou positiva a venda das usinas mineiras, mas atentou para uma solução ainda mais importante para o município que voltará a administrar em janeiro de 2017: A reabertura da Usina Laginha, em seu município.
“União tem sofrido muito, por conta do fechamento da Usina Laginha. Esperamos que esse processo não seja apenas para pagar trabalhadores e fornecedores. Mas que também haja um esforço para que sejam reabertas as usinas, para que novos grupos façam com que essas empresas voltem a funcionar e fortaleçam o comércio local. E que se volte a gerar os três a cinco mil empregos em União, como antes”, disse o prefeito Kil.
O administrador judicial explicou que a execução de um processo de falência compreende a arrecadação de bens, sua avalição e venda. Ele diz que não há como cumprir a lei e a sentença de quebra, sem atender a essas fases. E antecipa que a venda de todo o patrimônio não é um caminho seguro, por isso, também trabalha com a perspectiva de reabertura de todas as unidades alagoanas.
“Após a venda de algum ativo e tendo a efetiva noção dos valores a serem recebidos, é que saberemos a demanda de venda de ativos que ensejará a quitação dos débitos. A princípio a venda de todo o patrimônio nos parece temerária. As unidades de Alagoas deverão estar todas funcionando no ano que vem. Conservando e valorizando patrimônio (principio legal da maximização dos ativos), gerando renda para o pagamento de credores, compensando impostos, reativando postos de trabalho. Tudo com o apoio do Tribunal de Justiça de Alagoas e do Governo do Estado”, prevê o administrador judicial.
Pressão de mineiros contrasta com omissão alagoana
Enquanto a classe política alagoana tem atuação tímida diante do caos social em que vivem os trabalhadores do Grupo João Lyra em Alagoas, prefeitos mineiros fizeram quase uma dezena de visitas às autoridades alagoanas, para sensibilizar e pressionar pela resolução do problema na região do Pontal do Triângulo Mineiro. Assim como em Alagoas, a região mineira tinha como maiores empregadores as usinas da Massa Falida da Laginha.
Em Minas, o leilão reacende as esperanças de reabertura das indústrias e do recebimento dos ativos pelos trabalhadores e fornecedores, que têm vivido em um cenário com casas e comércio fechando as portas, no contexto agravado pela crise nacional.
“Estamos muito ansiosos para que aconteça o leilão, pois a nossa região espera por isso. Pois, além de divisas para os nossos municípios, também o mais esperado é a geração de emprego. Além dos acertos trabalhistas e também dos outros credores”, disse o prefeito de Canápolis, Diógenes Borges (PP), ao Diário do Poder.
Autor da decisão que tentou evitar, em outubro, mais uma protelação do leilão para o mês de dezembro, o desembargador do TJ de Alagoas, Tutmés Airan, acreditava que o leilão realmente iria acontecer, caso não haja alguma medida judicial “surpreendente” no curso dessa história absurda de injustiças.
“É um momento muito importante para a falência, porque fará com que a falência cumpra com sua função principal, que é pagar os seus credores, sobretudo os trabalhadores. Então, vai se apurar um dinheiro que vai realmente viabilizar esse pagamento. Além do mais, é preciso que se diga que a situação lá em Minas é uma situação de tensão. As unidades já foram algumas vezes invadidas. Até para que o patrimônio não seja deteriorado ao extremo, essa venda é muito importante”, afirmou o desembargador do TJ de Alagoas, na tarde de sábado (12).
Tutmés incluiu entre os argumentos de sua decisão que marcava o leilão para a próxima quarta-feira, que o patrimônio a ser alienado vem sofrendo com ocupações, praticadas por movimentos sociais, de áreas em que se localizam, tanto os parques industriais, quanto as terras pertencentes à massa falida. Foi uma referência a um incêndio sem grandes danos na Usina Vale do Paranaíba, em Capinópolis-MG, em agosto; e a uma invasão nas terras da Usina Triálcool, em Canápolis-MG, por movimentos sem-terra.
Enquanto em Minas Gerais são apenas duas propriedades invadidas por movimentos sociais, em Alagoas há 13 fazendas da Massa Falida da Laginha esperando decisões de reintegração de posse. Além disso, o juiz atual do processo de falência, Nelson Fernando de Medeiros Martins, é o quarto magistrado a conduzir a ação na 1ª Instância da Justiça de Alagoas. Antes dele, os juízes Kleber Borba, Mauro Baldini e Sóstenes Alex Costa de Andrade, atuaram no processo, desde a recuperação judicial iniciada há seis anos, em 2008.
Resta saber até quando a sociedade e as autoridades do Brasil vão fechar os olhos para um absurdo que atinge uma estimativa rasa de quase 40 mil pessoas, diretamente, em Minas Gerais e em Alagoas.