Violência

Ivonete Granjeiro lança livro sobre abuso sexual infantil

O evento acontece no Espaço Chatô, sede do Correio Braziliense

acessibilidade:

A autora Ivonete Granjeiro vai lançar na próxima segunda-feira (9) o livro ?Abuso Sexual Infantil – a dimensão interdisciplinar entre Direito e Psicologia?. O evento acontece no Espaço Chatô, sede do Correio Braziliense, que fica no SIG quadra 2.

Em conversa com o Diário do Poder, ela adiantou casos vergonhosos relatados no livro e que surgiram durante entrevistas feitas com famílias em situação de violência sexual. ?Vi um caso de uma menina de 14 anos que era abusada pelo pai e que se “apaixonou” por ele, como numa relação entre um homem e uma mulher. Chegou até a agredir a mãe, que denunciou o marido, porque ela a via como um empecilho para o grande amor da vida dela?, contou.

Leia a entrevista completa:

Diário do Poder: Sabemos que o abuso sexual se torna um assunto complicado por ser repleto de tabus, sentimentos de vergonha, culpa. Sendo assim, o que mais prejudica na luta contra esse mal? Nas pesquisas que eu realizei sobre o tema, inclusive com entrevistas com famílias em situação de violência sexual contra crianças e adolescentes, o que mais causa dificuldade no enfrentamento do tema é a vergonha de denunciar por parte da vítima e dos familiares. Quando a denúncia é realizada, nas delegacias especializadas, ou nas comuns, o encaminhamento do inquérito policial e do processo penal sofre algumas dificuldades na comprovação do crime. Na realidade,  o abuso é um crime que acontece às escondidas  – no caso do meu livro, falei do abuso no espaço familiar – e perdura no tempo. Daí, a produção de provas se torna um grande desafio para os operadores da polícia e da Justiça, uma vez que, no mais das vezes, fica a palavra da vítima contra a do agressor. Por isso, o trabalho psicossocial nos fóruns e nas delegacias (se houvesse nas delegacias… um sonho…) vem para ajudar os operadores da Justiça na comprovação ou não do crime.

Diário do Poder: A pessoa adulta que abusa de uma criança indefesa é considerado doente? O que pode alimentar esse desejo doentio por manter relações com crianças? Acredito que vivemos uma crise. Uma crise de desumanidade em todos os sentidos: social, econômica, educacional, da aplicação da Justiça, de amor ao próximo. Não há como estabelecer um perfil exato para o abusador: até porque se trata de um ser humano e, por isso, há toda uma complexidade que deve ser levada em consideração na hora de se avaliar o porquê do abuso. Vejo que o abusador pode sofrer influências sociais para cometer esse crime hediondo. É como se fosse uma rede, entende? Parece que é normal manter relações com crianças e adolescentes, justamente porque outras pessoas fazem e sentem prazer. A crise de que eu falei lá atrás tem a ver com a busca do prazer também… Há um vazio e o abusador, na busca do prazer “coisifica” o outro, a criança, principalmente porque ela é indefesa. Mas claro que há a face da doença, da dependência mental. Muitos pedófilos não sentem prazer ao manter relações sexuais com adultos, e a saída, mesmo que pela via do crime, é buscar crianças e adolescentes. Por isso, defendo o tratamento psicossocial do núcleo familiar, incluindo o abusador. O tratamento psicológico ajuda a encarar os erros, a superar a dor e empodera as pessoas. A aplicação da lei “nua e crua não ajuda a quebrar o ciclo da violência sexual. É preciso criar uma rede de proteção à família, com a participação dos poderes do Estado.

Diário do Poder: Como, em geral, a pessoa que abusa consegue manipular a criança? Existem ameaças, ataques? A manipulação no espaço familiar começa, em regra, com ameaças e ataques. O abusador chantageia a criança, afirmando, por exemplo, que vai matar a mãe dela, ou que ela vai ficar sem comida… Há casos de entrega de presentes: doces, bonecas, carrinhos… Como a criança ainda é um ser em formação, ela ainda não consegue separar o que é o amor paterno/materno do amor entre um homem e uma mulher. Fica tudo misturado na cabeça dela. Vi um caso de uma menina de 14 anos que era abusada pelo pai e que se “apaixonou” por ele (como numa relação entre um homem e uma mulher). Chegou até a agredir a mãe (a mãe denunciou o marido), porque ela via a mãe como um empecilho para o “grande amor da vida dela”.

Diário do Poder: Gostaria que a senhora falasse um pouquinho sobre o abuso sexual dentro do âmbito familiar. O trauma é maior quando o abuso parte dos pais, dos avós…?

Não existe um trauma maior ou menor. O abuso por si só já causa um imenso trauma à vítima e à sua família. No espaço familiar, o problema maior é o tempo. Normalmente, o abuso vai se perpetuando no tempo… por muito anos. Como é um crime que acontece no espaço privado, num lugar que deveria haver proteção e amor, fica difícil descobrir o crime, principalmente porque, até hoje, a criança não tem voz (apesar do ECA). Os adultos não acreditam nela, salvo quando há uma prova cabal da agressão: vagina machucada, pênis inchado, ânus avermelhado… Do contrário, o abusador continua na sua zona de conforto, pois ele/a é um/a homem/mulher (mulher tb abusa) de respeito, trabalhador/a, bom/boa pai/mãe. Aqui se trata de preservar a reputação de alguém que construiu um nome na comunidade onde vive. O que fazer? Dá voz às crianças e aos adolescentes. Criar canais de comunicação na comunidade para que a vítima possa ser ouvida com seriedade. A polícia, a Justiça e os conselhos tutelares podem ajudar muito.

Reportar Erro