Rombo milionário

Empresa laranja recebeu da Fundação Butantã R$ 2,68 milhões

Fortuna é 26.600 vezes superior a seu capital social, de R$ 10 mil

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O Ministério Público de São Paulo descobriu na investigação sobre rombo milionário na Fundação Butantã que a conta bancária de uma microempresa de eletrônicos que funcionou na Vila Nova Cachoeirinha foi usada para receber uma fortuna 26.600 vezes superior a seu capital social, de R$ 10 mil. Ao todo, foram depositados na conta da Sunstec Comércio de Eletrônicos-ME R$ 2,68 milhões entre 2005 e 2008.

O valor representa apenas uma parte da pilhagem de R$ 33,48 milhões contra os cofres da Fundação naquele período, por meio de uma incrível série de 340 furtos, segundo denúncia do Ministério Público que pede a condenação de onze investigados, o principal deles Adalberto da Silva Bezerra, então gerente administrativo da Fundação Butantã.

Em valores atualizados, calcula o promotor de Justiça Nathan Glina, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o rombo chega a R$ 55 milhões.

A investigação revela que a Sunstec teria sido usada como laranja para captação de recursos desviados. Os investigadores foram ao endereço declarado pela empresa, na Avenida Parada Pinto, Vila Nova Cachoeirinha, zona Norte da Capital, mas não encontraram nenhum vestígio da comércio de eletrônicos.

“No local encontrava-se um prédio comercial, no qual estão em funcionamento um escritório de advocacia, um escritório de contabilidade, uma vídeo locadora, uma loja de aparelhos de segurança e uma loja e fábrica de artigos em couro, cujo proprietário é filho do dono do referido prédio”, diz relatório anexado à denúncia da Promotoria.

“Informações colhidas no local revelaram que a empresa Sunstec ficou instalada por mais ou menos seis meses, e há mais de um ano não se encontra mais no local, e que um dos sócios era do ramo de consertos de aparelhos eletrônicos”, segue o documento. “Foi possível constatar, segundo informações do proprietário do prédio, que a Sunstec teria sido desfeita por desentendimento entre os sócios e dívidas.”

A conta da Sunstec, segundo o Ministério Público, foi aberta ‘de forma fraudulenta’ pelo então gerente administrativo da Fundação Butantã.

Desfrutando da confiança irrestrita dos superiores, Adalberto tinha acesso à senha da conta da Fundação. O Ministério Público sustenta que ele enriqueceu, formando um patrimônio de sete imóveis e doze veículos, entre eles uma motocicleta que custou R$ 107 mil à vista.

O promotor de Justiça Nathan Glina e seus colegas do Gaeco, Richard Gantus Encinas e Manoella Guz, descobriram que a Sunstec Eletrônicos ME ‘nunca prestou qualquer serviço para a Fundação Butantan que justificasse o recebimento das dezenas de milhões de reais a ela pagos por meio de transações bancárias favorecendo a conta aberta por Adalberto de forma fraudulenta’.

Com a quebra do sigilo bancário das contas de Adalberto e dos outros envolvidos na trama e da Sunstec, os promotores constataram que o dinheiro desviado era transferido para as contas pessoais do grupo.

A Promotoria apurou que de 2007 a até abril de 2008, em termos de verbas públicas federais, a Fundação Butantan recebeu R$ 329,96 milhões, ‘o que comprova que os furtos, na prática, se deram em prejuízo de verbas decorrentes de convênios que recebem dinheiro público na área da saúde para o desenvolvimento dos serviços do Instituto Butantan referentes a vacinas e medicamentos que deveriam ser fornecidos para serviços públicos relevantes, bem como o próprio funcionamento e higidez orçamentário-patrimonial daquela instituição’.

Interrogado na Polícia, Adalberto disse que ‘já ouviu falar’ da Sunstec Comércio de Eletrônicos Ltda, ‘não sabendo o nome dos sócios dela’.

Ele afirmou que fez depósitos em favor da micro, ‘após receber ordens superiores’. No entanto, não revelou a identidade de quem lhe teria ordenado a fazer tais aportes na conta da Sunstec.

“Adalberto fracionou depósitos em sua conta bancária de janeiro a agosto de 2007, que em sua totalidade representavam movimentação de recursos de R$ 822.280,75, incompatíveis com o patrimônio, a atividade financeira ou a ocupação profissional e a capacidade financeira presumida”, assinalam os promotores. A renda mensal declarada do ex-gerente administrativo era de R$ 14.628,27.

Ainda segundo a acusação, ele recebeu créditos da Sunstec, de julho a setembro de 2007 – seis recebimentos no montante total de R$ 370 mil. Também foi sacador em três movimentações atípicas da Fundação Butantã, uma no montante de R$ 130 mil, em 17 de agosto de 2004, outra de R$ 200 mil, em 6 de dezembro de 2004, e a terceira de R$ 225.720,00, em 20 de janeiro de 2005.

Entre setembro de 2007 e agosto de 2008 Adalberto recebeu da Sunstec Eletrônicos o montante de R$ 641 mil, que acrescidos de outros créditos somaram R$ 1,134 milhão.

O rastreamento da fortuna que Adalberto movimentou foi realizado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Em diligência realizada na Fundação Butantã, o Ministério Público verificou ‘não haver ali qualquer menção à empresa Sunstec Comércio de Eletrônicos Ltda- ME, a qual apesar de ter recebido, segundo informações do
Coaf referentes ao período informado, cerca de R$ 2.688.000,00 da Fundação Butantan, não constava nem mesmo dos lançamentos do livro-caixa da entidade’.

A investigação mostra que outros alvos da investigação do Ministério Público também foram destinatários de valores que passaram pela conta da Sunstec.

“Após a realização da quebra do sigilo bancário das contas dos denunciados e da Sunstec, este Grupo de Atuação Especial do Ministério Público conseguiu apurar que as subtrações praticadas contra a Fundação Butantan com abuso de confiança, concurso de agentes e fraude, por meio de transferências e depósitos bancários inicialmente para a conta aberta fraudulentamente em nome da empresa, eram em sequência transferidos para os denunciados que concorriam para a prática dos delitos disponibilizando suas contas, recebendo os valores subtraídos”, diz a denúncia.

A reportagem não localizou nenhum representante da Sunstec Eletrônicos. Na Receita Federal consta que a situação cadastral da empresa foi baixada. (AE)

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