Operação Iscariotes

Delator implica provedor da Santa Casa de Maceió em fraude e apropriação indébita

PF estima em R$20 milhões os prejuízos causados à Santa Casa

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Em depoimento sob acordo de delação premiada à Polícia Federal em Alagoas, o empresário Kléber Bené Bezerra implica o provedor Humberto Gomes de Melo no esquema milionário de fraudes tributárias envolvendo a Santa Casa de Misericórdia de Maceió. Aponta, inclusive, a participação de servidores da Receita Federal no esquema.

O escândalo levou a PF a deflagrar a Operação Iscariotes, quando foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão da Justiça Federal. Os agentes apreenderam na Santa Casa, residência e escritórios dos citados, documentos, computadores e até duas armas de fogo. Os delegados André Santos Costa e Gustavo Gatto, que comandaram a operação, estimaram que a fraude envolvendo a Santa Casa de Maceió pode superar o valor de R$ 20 milhões.

O delegado federal Polybio Brandão Rocha interrogou o delator.A declaração de Kléber Bezerra, tomada pelo delegado federal Polybio Brandão Rocha em janeiro, revela que o dinheiro obtido com a venda dos títulos podres da dívida agrária era repartido entre a empresa BFT Finanças Corporativas e Investimentos, o provedor Humberto Gomes e, ainda, pulverizado por meio de “laranjas”.

Segundo a denúncia, também seriam beneficiários do esquema o engenheiro Carlos André de Mendonça, filho do provedor, e o diretor-administrativo do hospital, Dácio Guimarães.

A BFT teria sido contratada por Gomes para negociar créditos da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, na forma de títulos da dívida agrária supostamente homologados pela Receita Federal e com sua idoneidade atestada pelo provedor, em nome do hospital. A liquidez dos títulos teria sido obtida pelo advogado Fábio Tenório, da BFT, mediante ações judiciais por ele ajuizadas. A Santa Casa de Maceió se utilizaria da mesma ação judicial para quitação da contribuição previdenciária de seus empregados, da qual é substituta tributária desde outubro de 2011. Na prática, o dinheiro descontado compulsoriamente dos trabalhadores teria sido desviado pelo provedor e o diretor-administrativo do hospital.

Entre os lesados pela BFT estariam, além da Santa Casa de Maceió, a Cristalvidros, Valedourado (Ilpisa), a Companhia de Abastecimento e Saneamento de Alagoas (Casal), o Grupo Carlos Lyra, a Plus, Postal e Pex – estas últimas do ramo de transporte.

O delator apontou como clientes, também vítimas do golpe, fora de Alagoas, o Grupo JB – Destilaria JB (PE), Intertek – Katal (SP) e “possivelmente” o grupo Boticário (PR). Kléber Bené Bezerra conta em seu depoimento que era funcionário da BFT e que, por ordens de Fábio Tenório, orientava “aos pretensos clientes que a empresa dispunha de decisão judicial em ação civil, transitada em julgado, que permitia que os crédito pudessem ser utilizados por empresas privadas para quitação de débitos tributários”. E em caso de dúvida dos empresários/clientes, disse que tinha a orientação de informar que o diretor-administrativo da Santa Casa de Maceió, Dácio Guimarães, responderia a qualquer dúvida, fornecendo, inclusive, seus contatos pessoais – telefone e e-mail.

O advogado Adriano Soares pede intervenção na Santa Casa. (Foto: Gazetaweb)

– O cerne da transação – disse Kleber Bezerra em sua delação – era apresentar a informação falsa de que havia decisão judicial referendando a liquidez do título da dívida agrária, além da apresentação da certificação da Santa Casa de Maceió, em documento assinado pelo provedor.

Bezerra admite em sua delação que “sabia que estava participando de uma fraude tributária, tendo em vista a ausência de liquidez da cártula apresentada como idônea”, e revela que desligou-se da empresa em 2013 por divergências com Fábio Tenório, que não lhe teria pago o que havia prometido quando de sua contratação.

A legislação tributária prevê que os títulos emitidos na forma da lei devem ser escriturais (com registro eletrônico e não em forma de cártula), não havendo hipótese de pagamento ou compensação de tributos com títulos públicos – a única exceção se dá exclusivamente em relação ao pagamento de 50% do Imposto Territorial Rural com títulos da dívida agrária, o que não era o caso da Santa Casa de Maceió. Assim, os títulos da Santa Casa negociados pela BFT jamais seriam aceitos pelos órgãos federais arrecadadores para quitação de débitos trib

utários e as empresas estariam sendo lesadas.

Receita Federal

Kleber Bené Bezerra diz acreditar que há participação de funcionário ou funcionários da Receita Federal no esquema. O maior indício é, segundo ele, “a ausência de fiscalização fiscal do órgão, uma vez que as atividades ilegais começaram em 2011”. Disse ter tomado conhecimento de que uma servidora da Receita Federal, cujo nome revelou ao delegado Polybio Brandão, teria envolvimento nas operações fraudulentas, tendo participado inclusive de diversas reuniões no escritório de Fábio Tenório.

Segundo declararam, os gestores estão sujeitos a responder por crimes de estelionato e corrupção, apropriação indébita das contribuições previdenciárias dos trabalhadores da Santa Casa e autuação pela Receita Federal.

O conteúdo da delação premiada de Kleber Bené Bezerra foi antecipado pelo advogado Adriano Soares, membro da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Maceió – instância administrativa maior do hospital. Desde o início do segundo semestre do ano passado ele vem sustentando, por meio de um blogue, a existência de várias irregularidades na gestão do hospital.

As postagens ganharam repercussão, o que levou Bezerra a procurá-lo e se dispor a fazer a delação premiada. Pesou, para sua decisão, o receio de responder pelos crimes que teriam sido cometidos por Fábio Tenório, Humberto Gomes e companhia, além de se sentir enganado pelo proprietário da BFT, que não lhe teria pago o que prometera. Adriano Soares quer, agora, intervenção do Ministério Público na Santa Casa de Maceió. “Não dá para ficar assistindo a Santa Casa quebrar. A Santa Casa hoje é um espécie de Fifa”, disse ele.

– A Santa Casa de Maceió é um ente que vive de recursos públicos. Tanto pela renúncia fiscal, quanto por outras fontes. Há muito dinheiro de SUS. Ela vive de recursos públicos.

A intervenção, sugere, pode ser feita como aconteceu na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. “Os irmãos assumem, fazem um levantamento e puxam novas eleições, podendo inclusive excluir alguns nomes. É preciso a intervenção para termos um levantamento da Santa Casa e ir negociar com a Receita Federal os débitos. É preciso uma ação rápida. Caso contrário, nós vamos ficar assistindo esse pessoal emitindo nota com a cara lisa e a Santa Casa quebrando”, disse.

Com a palavra, a Santa Casa

Quando foi deflagrada a Operação Iscariotes, que apura o escândalo, com o cumprimento de diversos mandados de busca e apreensão, a Santa Casa de Misericórdia divulgou nota assinada por um advogado, Aldemar de Miranda Motta Júnior, que esclarece a posição da direção da instituição:

"1)     Que é público e notório os momentos de turbulência que a Instituição tem vivido, em face do verdadeiro assédio moral a que vem sendo submetida;

2)     Que a Santa Casa de Misericórdia de Maceió vê neste momento a oportunidade de esclarecer perante as autoridades públicas constituídas – sejam policiais, ministeriais ou mesmo judiciais –, todos os atos e ações praticados por sua gestão, que a conduziu a hospital referência no cenário nacional, ante todas as dificuldades enfrentadas pelo setor, não só no Estado de Alagoas, como também em todo o Brasil;

3)     Que a Santa Casa de Misericórdia de Maceió informa, igualmente, não compactuar com irregularidades ou ilegalidades, comprometendo-se a todo o tempo com boas práticas de gestão e transparência de seus atos e ações, motivo pelo qual se submete a auditorias e a programas de qualidade das principais instituições de atuação nacional e internacional, tais como a KPMG e com a ONA (Organização Nacional de Acreditação), que impõe e fiscaliza práticas de gestão que elevam a qualidade;

4)     Que a Santa Casa de Misericórdia de Maceió sempre esteve, está e permanecerá colaborando com as autoridades públicas, fornecendo-lhes todas as informações e documentos que se façam necessários para dirimir toda e qualquer dúvida existente ou que venha a existir;

5)     Que, por fim, a atual gestão da Santa Casa de Misericórdia de Maceió empreende ações para fins de preservação do bom nome da Instituição, adotando, para tanto, as medidas judiciais e administrativas cabíveis para a salvaguarda de sua reputação, construída ao longo de 163 anos de atuação permanente e filantrópica."

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