Tempos de chumbo

Dedo-duro confessa a repórter que entregou os pais dele à repressão

Repórter entrevista homem que entregou seus pais à tortura

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Marcelo Netto e Mirian Leitão, em fotos dos arquivos da ditadura.Ele não havia nascido quando, em dezembro de 1972, seus pais foram levados para o Forte São Francisco Xavier da Barra, parte do 38º Batalhão de Infantaria, em Vitória, no Espírito Santo. Lá, Marcelo Netto e Míriam Leitão – ela, grávida do seu primeiro filho, Vladimir -, dois estudantes de 23 e 19 anos, foram separados, presos, torturados física e psicologicamente, submetidos aos horrores da ditadura, escondidos nos porões (sim, eles eram reais, não se trata de uma expressão), sob a capa do patriotismo.

Matheus Leitão Netto, jornalista e – principalmente – filho, conseguiu resgatar,15 anos depois de iniciar a sua pesquisa, o início daquela história de terror que transformou a vida de uma família e marcou de forma desonrosa a memória do Brasil. Em dezembro do ano passado, no dia 3 – exatos 42 anos da prisão dos seus pais -, depois de longa investigação, conseguiu localizar e entrevistar o traidor, o responsável maior pelo comando regional do PCdoB no Espírito Santo à época. O homem que foi o delator dos seus pais, que os entregou aos torturadores: Foedes dos Santos, hoje com 74 anos, mora em Cariacica (ES).

Mirian e Matheus Leitão

Além do trabalho minucioso, da pesquisa cuidadosa, a perseverança e dedicação na construção do material, é importante registrar a coragem do repórter ao ficar frente a frente com aquele que não se furtou à confissão. “Entreguei”, disse Foedes. Braços e pernas cruzadas, defronte ao filho dos ex-companheiros, ele se disse arrependido e até enviou um pedido de desculpas. Simplesmente explicou que não suportaria a tortura, que entregou os nomes dos integrantes do partido “sob aquelas condições”. Foram 20 estudantes, jovens sonhadores e idealistas e um dirigente do partido, que morreu. Os pais de Matheus sobreviveram, mas muitos morreram naqueles porões e outros sofrem as consequências dos maus tratos até hoje.

A reportagem, digna de estudo nas salas de aulas das faculdades de jornalismo, é um exemplo de apuração ética. Nela, o jornalista não adjetiva, não emite opinião sobre a fonte. Limita-se a narrar e descrever as cenas e os próprios sentimentos do repórter. O material completo está publicado no site brio.media. É um relato emocionante, corajoso e sobretudo histórico. Leia mais na coluna de Claudio Humberto.

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