Para explorar o pré-sal

Brasil propõe uma 'Venezuela' a mais de área marítima

Governo federal deve apresentar à ONU este ano projeto que prevê a expansão da fronteira oceânica em 963 mil quilômetros quadrados

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Um projeto que o governo brasileiro deverá apresentar à Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015 poderá expandir o território marítimo nacional para além da faixa de 200 milhas náuticas. Atualmente, apenas nessa faixa o País possui direitos exclusivos de exploração dos recursos marinhos, incluindo as jazidas de petróleo do pré-sal. Com o projeto, apresentado pela primeira vez à ONU em 2004, os direitos brasileiros poderão se estender por toda a plataforma continental geográfica, até um limite de 350 milhas náuticas.

A proposta acrescentaria ao País uma nova área oceânica de 963 mil quilômetros quadrados, maior que o território da Venezuela. Pesquisadores brasileiros acabam de concluir o primeiro de três relatórios que detalham os extensos e complexos estudos científicos – exigidos pela ONU para a análise da proposta -, sobre a configuração geológica da plataforma continental.

O projeto, batizado de Amazônia Azul, é conduzido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. Caso seja aprovada, a proposta aumentará o território marítimo brasileiro dos atuais 3,5 milhões de quilômetros quadrados para 4,5 milhões de quilômetros quadrados – uma região equivalente a 52% da área continental do País.

A primeira proposta, apresentada em 2004 à Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU, foi aprovada em sua maior parte, com a exceção de quatro áreas que correspondem a 190 mil quilômetros quadrados, menos de 20% da área reivindicada. O Brasil não aceitou a recomendação e optou por fazer novos estudos complementares para elaborar uma nova proposta revisada, de acordo com o capitão de mar e guerra Celso Peixoto Serra, coordenador do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira – programa criado em 1989 pelo governo federal para estabelecer o limite continental além das 200 milhas.

“Não nos interessa conseguir só um pedaço desse território, ainda que ele corresponda a mais de 80% da nossa reivindicação. Queremos adquirir a maior área possível para o Brasil e, se tivéssemos aceitado a recomendação da ONU em 2007, não poderíamos agora fazer uma nova proposta”, disse.

Para suprimir as divergência entre os técnicos da comissão da ONU e os pesquisadores brasileiros, foi preciso apostar em estudos complementares. De acordo com Serra, entre dezembro de 2008 e maio de 2010, foram refeitos estudos em toda a margem continental.

O Brasil foi o segundo país a solicitar a ampliação da plataforma continental – o primeiro foi a Rússia, em 2001. Depois disso houve outros 77 pedidos à comissão da ONU. “Não é à toa, porque ao incorporar a plataforma continental, os países costeiros podem explorar todo o solo e subsolo, que tem todo tipo de riqueza, com campos petrolíferos e outros recursos minerais cuja exploração ainda não é viável. Sem dúvida, a nova definição dos limites da plataforma será um legado de fundamental importância para as novas gerações brasileiras”, afirmou Serra.

Voltas na Terra. O trabalho de levantamento de dados científicos foi extenso. Na primeira fase, um grupo formado por pesquisadores da Marinha, da Petrobrás e da comunidade científica brasileira vasculhou toda a margem continental do País, entre 1987 e 1996. Depois de percorrer um total de 330 mil quilômetros em navios da Marinha, geógrafos, geólogos, oceanógrafos, hidrógrafos e outros especialistas levaram anos para processar e interpretar a montanha de informações que iria embasar o relatório de 2004.

Na segunda fase, entre 2008 e 2010, o grupo responsável pelo levantamento percorreu mais 395 mil quilômetros para produzir o relatório da proposta revista. Ao todo, foi percorrida uma distância equivalente a 18 voltas na Terra. “Adquirir os dados é um trabalho monstruoso, mas a tarefa de processamento e interpretação dessas informações também é imenso e delicado, por isso demora vários anos”, disse Serra.

De acordo com ele, para a elaboração da nova proposta, a margem continental foi dividida em três partes: área sul, área leste e área equatorial. “O relatório da área sul já está concluído e será encaminhado à ONU assim que o Ministério das Relações Exteriores considerar oportuno o momento da política internacional. Enquanto isso, estamos finalizando os relatórios das outras duas áreas.”

Critérios geológicos. Segundo o consultor jurídico do plano de levantamento, Rodrigo More, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o relatório é uma descrição completa, com coordenadas geográficas, de toda a área que será reivindicada pelo País. Segundo ele, a reunião da ONU que estabeleceu a Convenção sobre o Direito do Mar, em 1973, criou critérios geológicos que definem a plataforma continental. Mas para demonstrar que os critérios se aplicam ao litoral de um país, é preciso unir informações precisas. “É um debate que associa geologia, geomorfologia e a interpretação jurídica da convenção.”

A convenção define que a plataforma continental, do ponto de vista físico, é um platô que vai desde a terra firme até uma região onde há uma queda abrupta de profundidade – o chamado talude. Dependendo da conformação do litoral, o talude pode ficar antes ou depois da plataforma continental jurídica. Assim, a legislação prevê que a plataforma continental – onde o País tem direito de explorar os recursos do solo e subsolo – pode variar de acordo com a geografia, até um limite máximo de 350 milhas da costa.

“Se a legislação define que a plataforma vai até certa distância do pé do talude, é preciso caracterizar cientificamente onde está esse ponto. Mas a regra jurídica é que vai orientar a aplicação dessa definição geológica. Há um espaço para interpretação, por isso a decisão da comissão da ONU pode divergir do parecer geológico feito pelos cientistas – que podem apresentar novas referências da literatura para mudar a interpretação sobre aquele tipo de talude específico”, disse More. (AE)

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