Artesanato se antecipou à descoberta de poliedro

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A cultura brasileira é tão rica que, muitas vezes, algumas coisas passam batidas até para os olhares mais atentos. Tradicional no interior do país, os enfeites artesanais conhecidos como giramundos são uma incrível personificação de um poliedro interessante: o hexecontaedro rômbico. Cri, cri, cri…
Não entendeu nada? A explicação é simples: os hexecontaedros rômbicos são sólidos compostos por 60 losangos que, unidos, formam uma espécie de estrela. Não à toa, na tradição brasileira, os artesanatos formados por este poliedro também são comumente chamados de estrelas da felicidade. Mas só fizemos esta ligação após ler no blog do cientista britânico Stephen Wolfram um post muito interessante sobre o tema.

O hexecontaedro rômbico foi descoberto em 1940 pelo matemático alemão Helmut Unkelbach, mas a tradição de fazer o giramundo no Brasil é bem mais antiga. Segundo relatos de artesãos, os giramundos têm sido produzidos — com papelão e tecido — há mais de 200 anos. A arte de montá-los foi passando das mães para as filhas por meio da história oral.
Os poucos relatos sobre sua origem explicam que em algumas regiões do Brasil era comum as mães costurarem um giramundo como presente para a filha antes do casamento. Um dos lados ficava aberto a fim de que ela pudesse colocar dinheiro para o uso da filha em um momento de emergência. Costumavam ser “disfarçados” como almofada de alfinetes, guardada entre os objetos de costura, para que os genros não gastassem o dinheiro.
Em outras partes do país o giramundo era usado como uma espécie de amuleto. Pendurados nas portas das casas, tinham como função enfeitar e trazer boa sorte, enquanto giravam ao vento.

Nomes e pistas de sua origem

A diversidade cultural fez com que os giramundos ganhassem nomes diferentes nas regiões brasileiras, com significados diversos. É comum chamá-los de flor de mandacaru, carambola, estrela, segredo, cofrinho, estrela da felicidade, estrela de San Tiago, estrela de São Miguel, Espinheiro, Agulheiro e Pindaíva (ou Pindaíba).
Por exemplo, na região da fronteira sul do país, ele era conhecido como estrela de São Miguel e produzido por curandeiras (ou bruxas, como você preferir), que costuravam orações para dar saúde a um alguém. Já no interior de São Paulo, as moças produziam os cofrinhos para usá-los como porta-joias.
Na região serrana do Rio de Janeiro, as estrelas eram uma espécie de ritual de passagem. No dia do casamento, as mães presenteavam as filhas com um exemplar feito com pedacinhos de tecidos de toda a vida da moça — batismo, aniversários e outras datas importantes. A estrela simbolizava parte da história da jovem, que a levaria como recordação, pois estava começando uma nova história, agora como mãe.Acredita-se que os giramundos tenham chegado ao Brasil com moças portuguesas que vieram com a Família Real, na primeira metade do século 19. Num primeiro instante, era uma tradição de famílias abastadas de Portugal, cujas filhas se casavam com fazendeiros de açúcar e café na zona rural. Os giramundos foram se espalhando até se tornarem comuns entre os pobres.Com o advento da urbanização, a tradição foi se perdendo. O certo é que até os anos 1950 as escolas rurais no sul do país ainda ensinavam a arte de produzir giramundos às meninas.

Agora, a Matemática
O nome hexecontaedro vem da palavra grega hexeconta, que significa 60. Não à toa, o poliedro tem 60 faces. Mas o “sobrenome” da peça —rômbico— é o que o diferencia. Significa que ele é formado por losangos de ouro que estão na proporção áurea.
Existe uma pequena diferença entre o sólido geométrico e o giramundo, o grau dos losangos. Se no artesanato brasileiro cada losango tem 60º, na Matemática ele tem exatamente 63º e só com esta medida consegue se encaixar perfeitamente. São detalhes que não mudam em nada o fato de que, sem querer, a cultura brasileira “criou” um poliedro sem saber que estava fazendo Matemática com as mãos. Quer se aprofundar no tema, confira o material de Wolfram.

 

Foto: Reprodução/Giramundos

Fonte: IMPA

 

Notícia republicada em www.brasilcti.com.br/ciencia/artesanato-se-antecipou-a-descoberta-de-poliedro/

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