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'Palma de ouro' turbina ICMS para prefeituras de Alagoas

Sefaz descumpre liminar e efetiva palma na base de repasse do ICMS

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Nove anos depois da polêmica sobre os "bois de ouro" do presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB) em Alagoas, a controvérsia agora é com a ração do gado, a palma forrageira. Após cinco meses de descumprimento de uma liminar da Justiça de Alagoas que determinou a exclusão do enxerto de quase R$ 800 milhões de palma forrageira na base de cálculo para a repartição do ICMS entre os municípios alagoanos, o governador Renan Filho (PMDB) alterou na última sexta-feira (22) o regulamento do tributo, para pecuaristas que utilizam palma para consumo interno na alimentação de gado fiquem dispensados de lançar e pagar o imposto. As movimentações interestaduais ganham isenção do imposto, que será pago pelo receptor do produto. Porém, os produtores passarão a registrar a movimentação interna em nota fiscal e a arrecadação de municípios da Bacia Leiteira, o que deve legalizar o aumento das receitas de municípios produtores de gado, a partir de 2018.

Apesar de o tema ser alvo da pendência judicial, Renan Filho tratou da questão no Decreto Estadual nº 49.510/2016, publicado na edição desta segunda-feira (25) do Diário Oficial do Estado, ao dispensar o lançamento e o pagamento do ICMS pelo produtor rural alagoano nos casos em que a palma forrageira seja destinada ao consumo animal. Ao tempo em que promove isenção de impostos em pleno ano de eleições municipais, a mudança também resultará no aumento da emissão de notas fiscais sobre circulação interna de palma, entre fazendas e municípios.

Tal fato incidirá, em longo prazo, sobre a repartição da arrecadação do ICMS entre os municípios, alvo do questionamento judicial feito pela Prefeitura de Maceió, devido à perda de pelo menos R$ 1,2 milhão em recursos que deveriam ser recebidos mensalmente pela capital em que o prefeito é Rui Palmeira (PSDB), rival do candidato do governador, o deputado federal Cícero Almeida (PMDB), na disputa pela reeleição.

Valoração futura

Com a emissão de notas fiscais também para essa movimentação interna, haverá uma medição mais precisa do valor adicionado à base cálculo para a repartição do imposto, como confirmou o secretário da Fazenda de Alagoas, George Santoro.

“O produtor vai emitir a nota e esse valor agregado vai valer, como sempre valeu. Ele só não vai mais pagar ICMS. Antes, ele não registrava. Agora, ele vai ter um documento fiscal em que ele vai registrar isso, um documento público a que todas as prefeituras terão acesso. A diferença é que antes era uma mera declaração que ele dava à Emater local. Agora, vai ter um documento fiscal e ele vai registrar a operação dele. Aí vamos ter a medição correta no futuro, disso. Daqui a três anos vamos ter o número certo. Aí vamos saber exatamente quanto que é o movimento dessa palma”, disse Santoro, ao Diário do Poder, ao confirmar a incidência dessa quantificação na distribuição do ICMS para os municípios produtores.

De acordo com o titular da Fazenda, a emissão da nota avulsa será disponibilizada no portal eletrônico da Sefaz, evitando outra divergência na distribuição dos valores entre os municípios, concentrados naqueles que possuem postos do fisco. Para Santoro, a não cobrança do imposto da palma forrageira busca beneficiar o homem do campo que, nos períodos de seca, recorre a essa cultura para garantir a alimentação e saúde de seu rebanho.

Tal tema já foi alvo de disputa política, em um passado não muito distante. A repartição deste bolo é regida por critérios técnicos, em que o Estado retém 75% do total e destina 25% aos municípios. Nestes 25% que devem ser enviados para os municípios, ocorre outra divisão, para que haja um equilíbrio, em que 75% do total reservado deve respeitar a medição dos chamados Valores Adicionados, em que se apura a circulação de mercadorias e serviços em cada município, bem como o montante destes itens da economia que circulam em todo o estado, nos dois anos civis imediatamente anteriores. O restante respeita critérios demográficos (10%) e de igualdade entre os 102 municípios (15%). A combinação desses dados formam o Índice de Participação dos Municípios (IPM), parâmetro para os repasses mensais às prefeituras.

Fora da base

Em 17 de fevereiro, o juiz Antonio Emanuel Dória Ferreira, 16ª Vara Cível da Capital, considerou ilegal a “inovação” da repartição do imposto neste ano eleitoral, denunciada em reportagem do jornal CadaMinuto Press, naquele mesmo mês. Na liminar concedida ao Município de Maceió e descumprida até hoje, o magistrado conclui que a valoração comercial da palma tradicionalmente produzida para consumo interno é um ato “flagrantemente abusivo” e não poderia mais seguir produzindo prejuízos para Maceió.

Uma segunda liminar foi concedida ao município de Maceió em maio, no mesmo sentido da primeira decisão, que considerou a movimentação de palma forrageira não pode integrar a base de cálculo do ICMS.

Veja um trecho da sentença do juiz Antonio Emanuel Dória Ferreira:

“No presente caso, resta comprovado, conforme documentos acostados, que o impetrado [Sefaz] atribuiu no valor adicionado de 2014 valores que não correspondem à circulação de mercadorias ou prestação de serviço tributáveis pelo ICMS, que se referem à cultura de palma forrageira usada para consumo interno de propriedades rurais e não como circulação de mercadorias. Ademais, consubstanciado pela legislação pátria, e, comparando-se com a situação da palma forrageira produzida em Alagoas, conclui-se que esta não pode integrar a base de cálculo do índice de participação dos municípios no ICMS, uma vez que a palma é produzida internamente, sem alienação onerosa para terceiros, assim não configurando fato imponível de ICMS”.

O pedido de liminar foi feito à Justiça pela Procuradoria Geral do Município de Maceió (PGM) no dia 15 de fevereiro, após uma espera de exatamente um mês desde as promessas de correção dos índices que fixam os percentuais do ICMS a que cada município tem direito de receber. No documento analisado por Emanuel Dória, o município demonstra que R$ 792.416.000,00 foram enxertados no valor adicionado do ICMS, como uma estimativa de comercialização de palma forrageira.

A Prefeitura de Maceió comparou ainda a fictícia comercialização de palma com a venda de cana-de-açúcar em quatro municípios. Entre eles, Pão de Açúcar, onde a circulação de palma teria superado em 703 vezes a saída de cana-de-açúcar. A PGM ainda identificou que o valor da fictícia circulação de palma teria representado 25% da movimentação da principal cultura agrícola de Alagoas. E ainda expôs que a dimensão do enxerto de palma promovido pelo Governo do Estado no Fisco fazia com que a palma representasse 62% da produção agrícola de Alagoas, se fossem excluídos os dados da cultura de cana em Alagoas.

Apesar de ter admitido formalmente, em ofício assinado em 12 de janeiro deste ano, que a palma não poderia ser incluída na base de cálculo da repartição do ICMS, porque a cultura não tinha característica de comercialização, mas de consumo interno, o titular da Secretaria de Estado da Agricultura, Álvaro Vasconcelos, disse à reportagem do CadaMinuto Press, em fevereiro, que “o valor da tarefa de palma chega até R$ 5 mil no mercado”, ao afirmar que ele mesmo teria vendido parte da produção que sustenta seu gado.

Já o secretário adjunto de Políticas Agropecuárias e Agronegócio da Seagri, Álvaro Otávio Machado, revelou que tal medida, de mensuração da comercialização de palma forrageira, foi sugerida pela Sefaz, como forma de garantir mais recursos para estruturar municípios e fortalecer a Bacia Leiteira de Alagoas. Afirmação que foi negada por George Santoro, titular da Sefaz.  

“Quero cumprir”

O secretário explicou por que vem descumprindo a determinação judicial para que “exclua do valor adicionado do ICMS de quaisquer operações que não consubstanciem hipóteses de incidência do ICMS, até o julgamento final”. E disse que o fato de a decisão não definir como a redistribuição do tributo deve ser feita entre os municípios impede o cumprimento da medida judicial.

“A liminar não distribui a diferença por cidade. Não tenho como cumprir por isso. É um número fechado. Mas tenho que distribuir por 15 cidades afetadas. Para eu repassar [a diferença] para Maceió, tenho que distribuir. A Justiça imputou uma multa para mim, tive que recorrer, porque tento cumprir uma decisão e não conseguia cumprir. Não posso cumprir enquanto alguém da Justiça não me disser: ‘cumpra-se assim’. É um problema. Administrativamente, não pude cumprir, porque a Procuradoria disse que foi fora do prazo. Fiquei completamente amarrado. Ficou uma situação muito maluca”, argumentou Santoro, que prevê que a resolução ocorra a partir do dia 4 de agosto, com o retorno do desembargador Domingos de Araújo Lima Neto retorna do recesso. 

O contrassenso positivo desta história é o fato de finalmente, na gestão de Renan Filho, os dados que formam o Índice de Participação dos Municípios (IPM) terem sido liberados pelo titular da Fazenda, George Santoro. Mas tal avanço no debate das finanças não deixa de ter uma pendência grave, que somente pode ser solucionada com a publicação de índices adequados à realidade da economia alagoana, não apenas pare reforçar o caixa de prefeituras, nos anos eleitorais.

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