Dificuldades fiscais

Equipe econômica busca R$ 102 bi para antecipar efeito da regra do teto de gastos

Esforço ocorre após Bolsonaro temer que contingenciamento afete reeleição em 2022

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A equipe econômica discute com o Congresso a antecipação de medidas de cortes nos gastos públicos previstas apenas em caso de estouro do teto de gastos. Em parte, a medida é um esforço para contentar o presidente Jair Bolsonaro (PSL), que afirmou na semana passada temer que o corte no Orçamento afete sua reeleição em 2022.
Os debates incluem aumento de tributação sobre servidores e redução de jornadas e salários, e podem gerar ao menos R$ 102,3 bilhões para a União em um ano.

Do lado da equipe econômica, as mudanças são consideradas necessárias porque há dificuldade de cumprir as regras fiscais no formato que existem desde a criação do teto de gastos, em 2016.

Neste ano, o Executivo bloqueou recursos para ficar dentro da meta fiscal (que estabelece um déficit de até R$ 139 bilhões). No ano que vem, a dificuldade maior será atender ao teto de gastos (que impede o crescimento de despesas acima da inflação).

As mudanças são discutidas com base na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 438, que altera as normas fiscais.

De autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), o texto tramita na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara e é debatido por um grupo que reúne parlamentares, representantes do Ministério da Economia e técnicos de Orçamento no Congresso.

O teto de gastos impede o crescimento real das despesas por dez anos. Para 2019, o limite é de R$ 1,4 trilhão

A principal discussão do grupo está relacionada à chamada regra de ouro, que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes (como aposentadorias e salários).

O governo não consegue atender à norma atualmente porque o aumento dos gastos, a maioria obrigatórios, tem forçado o endividamento.

O governo escapa de penalidades porque a norma prevê o aval ao descumprimento se houver autorização do Congresso. Neste ano, por exemplo, o governo solicitou aos parlamentares (que concederam) R$ 248,9 bilhões em crédito extra.

Mas a situação não foi pontual. Nas contas do governo, será preciso pedir ao menos R$ 205 bilhões em cada um dos próximos três anos.

A meta fiscal é a meta de resultado fiscal estabelecida todos os anos pelo Executivo e aprovada pelo Congresso. Para o ano, a meta está definida em déficit de R$ 139 bilhões

Diante da persistência do problema, os técnicos envolvidos na formulação da PEC afirmam que a regra de ouro se tornou inócua por deixar de reequilibrar as contas. Por isso, defendem que é necessário aproveitar a situação de crise para criar um mecanismo com medidas efetivas.

O plano é a PEC acabar com a possibilidade de o governo burlar a regra de ouro pedindo crédito extra ao Congresso. Como só há cumprimento hoje devido ao aval dos parlamentares, a aprovação da PEC já levaria ao descumprimento da regra. Com isso, seriam ativadas medidas automáticas de reequilíbrio.

Assim que houver chance de 95% de descumprimento da regra (mais especificamente, quando as operações de crédito excederem 95% das despesas de capital), entrariam em vigor as medidas hoje previstas em caso de estouro do teto de gastos.

Ou seja, ficariam imediatamente barrados concursos, contratações, reajustes de servidores e criação de despesas obrigatórias. Só isso pouparia R$ 16,5 bilhões ao longo de um ano, segundo as contas do grupo.

Além disso, o Executivo teria que apresentar um plano de revisão das despesas e de melhoria da arrecadação, acompanhados de propostas de lei encaminhadas ao Congresso.

O que a PEC 248 sugere:

Medidas a serem acionadas se as operações de crédito excederem 95% das despesas de capital:

– Ficariam barrados concursos, contratações, reajustes de servidores e criação de despesa obrigatória

– Executivo tem que apresentar plano de revisão das despesas

Exemplos de medidas para quando as operações de crédito excederem despesas de capital:

– Suspensão de repasses do FAT ao BNDES

– Permissão para redução temporária de jornada e salário de servidores

– Redução de 20% das despesas com cargos em comissão e exoneração dos servidores não estáveis

– Redução de despesa com publicidade e propaganda em pelo menos 20%

– Interrupção do pagamento do abono salarial no exercício financeiro subsequente.

Ministro da Economia Paulo Guedes. Foto: Washington Costa/Ministério da Economia

Fim do conceito de despesas obrigatórias

Representantes do grupo afirmam que as medidas agradam ao Ministério da Economia, que vê nas mudanças uma oportunidade de atacar despesas mesmo antes da proposta em elaboração pelo titular da pasta, Paulo Guedes, sair do papel. Ele deseja acabar com o conceito de despesas obrigatórias, que não possam ser contingenciadas em situações de aperto fiscal.

Medidas mais duras são previstas em caso de estouro efetivo da regra de ouro, como a redução de jornada e salário de servidores (com economia prevista em R$ 8 bilhões). Também é previsto o aumento por 12 meses de 3 pontos percentuais da alíquota do INSS de servidores públicos com redução proporcional das taxas para o Sistema S (o que geraria R$ 4 bilhões). A reforma da Previdência prevê alíquotas de servidores de 7,5% a 22% (dependendo da faixa salarial).

Ainda ficaria suspenso o pagamento de abono salarial (economia de R$ 16,6 bilhões) e a suspensão de repasses do PIS/Pasep ao BNDES, com corte nas despesas financeiras de R$ 19,9 bilhões.

A redução de incentivos tributários geraria R$ 15 bilhões. Outras medidas em estudo, R$ 42,2 bilhões.
Pedro Paulo diz que os gatilhos seriam acionados imediatamente após o estouro e gerariam resultados rápidos.

“Em dois anos, reverteríamos o déficit em superávit primário. Em três, [solucionaríamos] a regra de ouro. E abriríamos uma folga no teto até 2026”, diz Pedro Paulo.

Paralelamente, o governo começou a discutir com outros parlamentares medidas para aliviar o Orçamento de 2020. Entre as ações estudadas, está o uso de recursos ligados ao Sistema S para bancar órgãos públicos. Uma das possibilidades é transferir a Embratur, que atualmente depende de recursos públicos, para a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), que recebe dinheiro do Sistema S.

Por fim, o governo também pode tirar o censo (estimado em aproximadamente R$ 3 bilhões) do cálculo do teto.

Regra de ouro

Impede que receitas de crédito excedam as despesas de investimentos. Objetivo é evitar que endividamento pague despesas correntes (como aposentadorias). Governo pode pedir ao Congresso dinheiro extra para cumprir a regra Em 2019, solicitação foi de R$ 248 bilhões. (Folhapress)

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