Desembargador vê ‘mercado bilionário de indenizações ilícitas’, via Comissão de Anistia
Fábio Prieto expõe mau exemplo de equidade em pagamentos da anistia
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), Fábio Prieto de Souza, afirmou nos autos de um embargo que o descumprimento de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e a ausência de atribuição de efeito vinculante à jurisprudência garantiram um ‘mercado bilionário de indenizações ilícitas’, que resultam em pensões concedidas pela Comissão de Anistia do Governo Federal, relativas à ditadura militar (1964-1985). E critica o fato de terroristas serem premiados, em detrimento de vítimas de crimes.
Ao lembrar que abuso de governo de exceção ofende a dignidade humana e torna imprescindível a pretensão indenizatória, o desembargador disse que não cabe, nos tribunais, criar causa judiciária de imprescritibilidade de tais casos, exemplo clássico de arbitrariedade, porque tal competência é exclusiva do legislador constituinte. Com base no voto de Fábio Prieto, a 6ª turma decidiu por unanimidade reconhecer a prescrição de uma ação de danos morais movida por Orlando Lovecchio, que perdeu a perna durante atentado de uma guerrilha de extrema esquerda, em 1968; e sofreu ‘vergonhosas parcialidades’ ao longo do processo.
“Nem o Supremo Tribunal Federal fez uso dos instrumentos de vinculação decisória, nem os demais tribunais tiveram cerimônia para afrontar as regras usuais de interpretação, que a mais Alta Corte do País lembrou na própria jurisprudência ineficaz. Criou-se, assim, o círculo vicioso para as contas públicas. Indenizações bilionárias ilícitas de toda ordem foram concedidas contra a letra da Constituição. Em um processo, dizia-se que os documentos
oficiais sobre a prática de terrorismo teriam sido obtidos sob tortura. No feito seguinte, o interessado mudava a versão e, com base nos mesmos documentos oficiais, na qualidade de protagonista dos assassinatos, dos roubos, dos sequestros, deduzia o milionário pedido de indenização – indenização por dano moral”, disse Fábio Prieto, em seu voto.
Fábio Prieto ressaltou que o sistema de anistia, desde a lei federal editada no Governo João Figueiredo em 1979, até a Constituição de 1988, compôs processo de pacificação social, no campo do esquecimento das sanções penais e no da reparação das relações de trabalho, decorrentes da frustração ou da interrupção indevida, não a outros aspectos, como violações físicas ou patrimoniais de ordem distinta.
“Na minha interpretação, de hoje e de sempre, seja quem for a parte ou o governo de turno, pretensão indenizatória por anistia é prescritível, o seu termo inicial é a data de vigência da Constituição e qualquer pedido estranho à reparação de dano que não seja por relação de trabalho é juridicamente impossível”, concluiu.
Homenagem ao terrorista e descaso para vítima
A vítima do caso em questão foi atingida por uma bomba em 19 de março de 1968, aos 22 anos de idade, e teve negada a pensão pela Comissão de Anistia. Já o terrorista que o mutilou na explosão no Consulado dos Estados Unidos, instalada na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), foi agraciado com uma pensão três vezes maior que a dele, concedida pela Comissão de Anistia em 2008. E recebeu R$ 400 mil retroativos.
Outro terrorista confessou duas vezes a participação no atentado que vitimou Lovecchio, que devia ter sido também indenizado pela invalidez. Mas Lovechio se aposentou por invalidez com pensão de R$ 571 do INSS. Enquanto seu algoz, Diógenes José de Carvalho Oliveira, um dos chefes da Vanguarda Popular Revolucionária, foi agraciado pela Comissão da Anistia com uma pensão vitalícia de R$ 1,6 mil, além da indenização retroativa de R$ 400 mil, pela ação no grupo de extrema esquerda e por ter sido “obrigado a abandonar seu emprego na Companhia Estadual de Energia do Rio Grande do Sul”.
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) relatou à Comissão de Anitsia que o terrorista também roubou armas e bombas, assaltou bancos e promoveu outros atentados, a exemplo da execução do capitão americano Charles Rodney Chandler. E foi indenizado com o argumento do conselheiro Egmar José de Oliveira, da Comissão de Anistia, “pelo significado histórico da militância política e revolucionária” e “por ter participado da luta armada”.
“Na Comissão de Anistia, sem prova alguma, um dos terroristas responsáveis pelo infortúnio do embargante recebeu
milionária indenização, em homenagem à ‘magnitude’ de sua ação criminosa. O embargante, por sua vez, teve que ouvir que a detonação da bomba na calçada pública e a sua permanente mutilação não passaram de ‘acidente’, de ‘triste fatalidade'”, criticou o desembargador.