Mais agrotóxicos nos alimentos

Comissão da Câmara inicia sessão para votar o ‘Pacote do Veneno’

Projeto afrouxa a regulação dos agrotóxicos; presidente conduz votação de forma acelerada

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A comissão especial do Projeto de Lei 6299/2002, conhecido como “PL do Veneno”, iniciou há pouco a sessão para votação do substitutivo à proposta que trata da regulação de agrotóxicos apresentado pelo deputado Luiz Nishimori (PR-PR).

O projeto exclui os órgãos de Meio Ambiente e Saúde da etapa decisiva do processo, que é a aprovação de novos registros de agrotóxicos, o que faz com que deixem de ser asseguradas as análises dos impactos na saúde pública e no meio ambiente.

A presidente da comissão que revogam a atual Lei dos Agrotóxicos, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), conduz a sessão de forma acelerada. Caso aprovado, o projeto segue para o plenário da Câmara, dominada por ruralistas.

O relatório foi retirado de votação em 26 de maio, em meio a forte pressão da sociedade e autoridades de saúde e meio ambiente, entre outras, que querem o amplo debate sobre um tema de interesse de toda a sociedade, e não apenas do agronegócio.

Grupos ambientalistas afirmam que o projeto afrouxará a regulação dos agrotóxicos e poderá trazer riscos para a saúde humana. Já os ruralistas, que são a favor da proposta, dizem que a mudança trata da diminuição da burocracia no processo de certificação dos produtos e que não há risco para os consumidores.

Na prática, a proposta elaborada por entidades que representam produtores rurais, com o auxílio da indústria química, tem como objetivo alterar uma lei do ano 1989 que trata do uso e do registro de agrotóxicos, herbicidas e pesticidas em todo o território brasileiro. A discussão, que ficou quase 14 anos parada, foi retomada em 2016. Agora, está em vias de ser votada na Câmara com altas chances de aprovação, sem debate sobre o assunto. Entre os deputados federais, 228, ou 44% dos 513, se declaram membros da bancada ruralista e são vinculados à Frente Parlamentar Agropecuária.

Se aprovada, a lei modificará uma série de procedimentos. Entre eles estão: a redução do tempo para o registro e a comercialização dos produtos junto aos órgão de saúde e meio ambiente; a mudança do nome oficial ‘agrotóxico’ para ‘produtos fitossanitários’ ou de controle ambiental; além da possibilidade de validar o uso de defensivos agrícolas que são proibidos em outros países por trazerem riscos à saúde (como a má-formação de fetos ou o aumento da probabilidade do aparecimento de cânceres).

Já aprovado no Senado, o projeto tem autoria do senador licenciado e hoje ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP-MT), conhecido como “rei da soja e rei do boi”. Ele é apontado como “o inimigo número 1 do meio ambiente” por entidades de proteção como o Greenpeace.

Outra polêmica do texto diz respeito à alteração da legislação que atualmente proíbe de forma expressa produtos que causem má-formação em fetos, câncer, mutações e provoquem distúrbios hormonais ou danos ao aparelho reprodutor.

Na Lei dos Agrotóxicos, o trecho seria substituído pela expressão genérica: “produtos que apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente”.

Ao vivo

Campanha contra

A Anvisa, o Ministério Público, o Instituto Nacional do Câncer, o Ibama e a Fundação Oswaldo Cruz são contrários à proposta. A Embrapa é favorável, mas com algumas ressalvas em relação ao texto em discussão.

Em nota técnica, mesmo a Embrapa, que é a favor da proposta, diz que a eliminação “de qualquer critério de exclusão baseado no perigo, como a carcinogenicidade (risco de câncer)” deve ser debatido com mais profundidade, “haja vista que não há um consenso mundial sobre o tema”.

A campanha contra o aumento de veneno no prato dos brasileiros também ganhou apoio de famosos, como a chefe de cozinha e jurada do reality MasterChef Paola Carosella. Ela esteve nesta quarta-feira, 16, na Câmara para falar contra o projeto que flexibiliza o uso de agrotóxicos.

Paola participaria de sessão da comissão especial que discute proposta de alteração das regras de uso, produção e comercialização de agrotóxicos. A reunião, no entanto, foi adiada para o fim do mês.

“Esse projeto causa impactos em muitos lugares. Não é só uma questão de agropecuária ou produção. É uma questão de saúde pública, de meio ambiente, preservação de terra e água, de muitas coisas. É muito agressivo na forma como está proposto”, defendeu.

Agrotóxicos, câncer e mortes

Estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2017, confirma que pesticidas matam 200 mil pessoas por intoxicação aguda todo ano e, conforme especialistas consultados pelo organismo internacional, cerca de 90% das mortes ocorreram em países em desenvolvimento, onde as regulamentações de saúde, de segurança e de proteção ao meio ambiente são frágeis.

Eles destacaram que a exposição crônica aos pesticidas tem sido associada ao câncer, ao Alzheimer e Parkinson, além de distúrbios hormonais e de desenvolvimento e esterilidade.

Ainda segundo a ONU, agricultores e trabalhadores agrícolas, comunidades que vivem próximas a plantações, povos indígenas, mulheres grávidas e crianças são particularmente vulneráveis à exposição a pesticidas e requerem proteções especiais.

No Brasil, maior consumidor de agrotóxicos do mundo, a intoxicação por estes produtos químicos dobrou em dez anos. Foram 2.093 casos em 2007.

Em 2017 foram registrados 4.003 casos de intoxicação por exposição a agrotóxicos em todo o país, quase 11 por dia. Em uma década, a estatística praticamente dobrou.

Também houve aumento de mortes. No ano passado, 164 pessoas morreram após entrar em contato com o veneno e 157 ficaram incapacitadas para o trabalho, sem contar intoxicações que evoluíram para doenças crônicas como câncer e impotência sexual.

Os brasileiros consomem o equivalente a 7,3 litros de agrotóxicos por pessoa todo ano. No Paraná, o índice é ainda pior: chega a 8,7 litros de agrotóxicos por pessoa no ano.

Segundo pesquisas, a contaminação já atinge até o leite materno.

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