Metamorfose ambulante

Chanceler faz discurso de posse que oscila de Raul Seixas à novela ‘Direito de Nascer’

Ele citou Renato Russo, Raul Seixas, novela e falou em tupi, grego e latim

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Chanceler Ernesto Araújo teve longa conversa com a homóloga australiana Marise Payne sobre o assunto - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Ao assumir o cargo de ministro de Relações Exteriores, nesta quarta-feira (2), Ernesto Araújo fez um discurso de 30 minutos, considerado complexo, defendendo uma redescoberta do Brasil pelos brasileiros e uma contraposição do país ao que ele chama de globalismo. Ele citou Renato Russo, Raul Seixas, a novela “O Direito de Nascer”, dos anos 1960 e o filme “Independência ou Morte”, no qual Tarcísio Meira interpreta d. Pedro 1º. Recitou Ave Maria em tupi, falou em grego e em latim.
E citou uma passagem bíblica repetida por Bolsonaro: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”
“Não estamos aqui para trabalhar pela ordem global, estamos aqui para trabalhar pelo Brasil”, e isso “é lembrar a pátria, não é lembrar artigo da Foreign Affairs“, discursou, ironizando os condutores da política externa de governos anteriores.
“É preciso ler menos o New York Times e mais José de Alencar, é preciso escutar menos a CNN e mais Raul Seixas”, disse o novo chanceler, manifestando sua admiração pela “nova Itália, a Hungria, a Polônia”, países de governos conservadores.
Responsável por sua indicação ao presidente, o escritor Olavo de Carvalho foi lembrado. Estavam presentes o senador eleito Flavio Bolsonaro (PSL-RJ) e ministros como Tereza Cristina (Agricultura) e Ricardo Salles (Meio Ambiente).
A procuradora-geral Raquel Dodge, o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro do STJ Herman Benjamin também compareceram. A imprensa foi retirada do salão antes de se encerrarem os cumprimentos. Araújo não falou com jornalistas.
Em seu discurso, disse que “o Brasil estava preso fora de si mesmo. Gostaria de dizer que a política externa brasileira estava presa fora do Brasil”.
“Deixemos de olhar no espelho e passemos a olhar na janela. Ou melhor ainda, vamos sair à rua. Não tenhamos medo do povo brasileiro. Somos parte do povo brasileiro.”
O chanceler mencionou “um brasiliense ilustre”, o compositor Renato Russo. “É só o amor, é só o amor que conhece o que é verdade”, citou. “É só o amor que explica o Brasil.”
Araújo encerrou sua fala com a expressão “Anuê Jaci”, que significa “Ave Maria” em tupi, despertando em parte da plateia comparação com o grito “anauê” usado por integralistas no sentido de salve nos anos 1930.
A fala do novo chanceler foi precedida pela de Aloysio Nunes (PSDB-SP), que deixou o cargo e foi longamente aplaudido. O tucano fez um discurso de quase 30 minutos salpicado de mensagens indiretas à guinada na política externa de Araújo e Bolsonaro.
“Há temas que exigem o tratamento multilateral se quisermos evitar perdas bilionárias”, disse Aloysio, diante da preferência manifestada pelo novo governo por relações bilaterais.
“Ninguém ganha no mundo regido no grito, pela lei da selva. Tomar partido e rivalidade desse tipo não corresponde à nossa tradição e tampouco atende a nossos interesses.”
Em seu primeiro dia como chanceler, Araújo foi a público dizer que não abriu espaço para nomeações de não diplomatas em cargos de chefia.
A medida provisória publicada na véspera, “não altera nem flexibiliza a nomeação, para cargos no MRE, de servidores que não integrem as carreiras do serviço exterior”, escreveu nas redes sociais.
“O que se fez foi, com base nos princípios de eficiência administrativa e meritocracia, otimizar a designação de servidores do serviço Exterior para cargos em comissão e funções de chefia.”
Ele disse que nada muda, mas, no entendimento de diplomatas, a medida permitirá, ao menos, que funcionários em início ou metade de carreira possam assumir cargos hierárquicos superiores, chefiando diplomatas mais graduados que eles próprios. Não descartam, de todo, o ingresso de não diplomatas no topo do organograma.
Servidores do Itamaraty disseram estar incertos das mudanças internas no ministério e o que acontecerá com aqueles hoje em postos de comando. Há expectativa de que Araújo publique portaria alterando a definição de outras funções, o que pode provocar uma dança das cadeiras.

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