Danos da mineração

Acusada de desastre em Maceió, Braskem alega inconsistências da CPRM

Na Câmara, presidente da Braskem teve alegações rebatidas por técnicos e parlamentares

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Presidente da Braskem, Fernando Musa. Foto: Cleia Viana/Agência Câmara

Em audiência pública realizada ontem (7), na Câmara Federal, o presidente da Braskem, Fernando Musa, apontou inconsistências nos estudos já divulgados do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) que atestam a mineradora como causadora do desastre geológico que atinge cerca de 40 mil moradores de três bairros de Maceió (AL). As declarações foram dadas para a comissão externa criada na Câmara para acompanhar os danos que ameaçam a vida de milhares de famílias dos bairros do Pinheiro, do Bebedouro e do Mutange, na capital alagoana.

Mas a alegação exposta junto a um elogio à seriedade do trabalho da CPRM foi rebatida por parlamentares e, principalmente, pela autarquia federal, que reafirmou que a Braskem causou o problema de instabilidade no solo, fissuras, afundamentos e tremores de terra por meio da extração de sal-gema, ao longo de cerca de 40 anos.

Musa disse que há restrições dos métodos aplicados nos estudos já divulgados pela CPRM, com técnicas não adequadas à profundidade em que o fenômeno está acontecendo.

“São técnicas mais adequadas para profundidades mais rasas, e a CPRM está fazendo inferências sobre o que isso significa para profundidades maiores. Não é uma discordância de fundo, mas uma visão nossa de que o fenômeno é complexo e que necessitamos de mais informações e que esse trabalho precisa ser feito em diálogo com a CPRM. Gostaríamos muito de entender a visão da CPRM, porque nossa principal preocupação é identificar a solução”, declarou Fernando Musa, ao reproduzir a visão da mineradora e dos técnicos e especialistas contratados pela Braskem.

O presidente da Braskem informou que estudos sísmicos contratados pela mineradora concluem serem naturais os terremotos ocorridos desde 2018 em Maceió, sem relação com o colapso de poços de sal. E atribui as causas prováveis ao “alto teor de infiltração de água de chuva e de esgoto próximo à superfície e inúmeras falhas na superfície que podem atuar como zonas de fraqueza, de condução de fluidos, de escorregamento ou de deformação”.

Coordenador dos pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) Thales Sampaio – Foto: Cleia Viana/Agência Câmara.

‘Causa não mudará’

O representante da CPRM, Thales Sampaio, reafirmou que as conclusões do estudo que envolve mais de 40 geofísicos da autarquia federal são claras e imutáveis, do ponto de vista dos cientistas que asseguram que a atividade da Braskem causou o desastre e tremores e desestabilização do solo dos bairros do Pinheiro, Bebedouro e Mutange.

“A desestabilização, o fenômeno que está acontecendo nos três bairros é decorrente da desestabilização das cavidades decorrentes da mineração. Essas cavidades não foram monitoradas como deveriam. A jazida de sal é muito mais complexa do que o entendimento da mineradora que começou [Salgema] e da Braskem sobre que tipo de jazimento era aquele. Isso está claro para todos os pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil. Então, as causas estão perfeitamente identificadas e elas não vão mudar. Existe alocinese provocada pela desestabilização das cavidades. Reafirmamos que este relatório é conclusivo”, rebateu o coordenador do grupo de especialistas da CPRM envolvidos nos estudos.

O estudo divulgado em maio pela autarquia federal aponta que cavernas formadas no subsolo pela retirada do sal se movimentaram, foram ampliadas, causando dolinas e demais problemas na superfície. E a CPRM aponta contrassenso na conclusão de um pesquisador com doutorado contratado pela Braskem, relatada por Musa sobre métodos geofísicos da CPRM, supostamente inadequados às profundidades que deveriam ser atingidas no Pinheiro.

“Esse pesquisador [da Braskem] é um doutor. Nós temos, na CPRM, 43 geofísicos, dos quais, a grande maioria com doutorado. Quem fez a interpretação dos dois métodos são dois doutores. E eles afirmam categoricamente que estes métodos estão adequados. Ele [pesquisador da Braskem] diz: ‘Olha, isso aqui, está uma interpretação, até 300, 400 metros pode ser. Mas o restante aqui seria uma questão mantélica’. O que seria uma questão de 30 km. Então, ao mesmo tempo que ele diz que o método não está adequado para investigar mil metros de profundidade, ele diz que o método podia chegar a 30 km.

“Senhor presidente Fernando Musa, com muito respeito, e eu sei que o senhor não é técnico desta área, eu penso que o vosso pesquisador está bastante equivocado nesta consideração. Não é uma resposta minha. É de 40 geofísicos do Serviço Geológico do Brasil”, reagiu Thales Sampaio.

Para estudar o caso, foi marcada para 19 de novembro uma reunião entre técnicos da Braskem e da CPRM.

Parlamentares questionaram presidente da Braskem sobre desastre em Maceió – Foto: Cleia Viana/Agência Câmara

Contorcionismo

Relator da comissão externa, o deputado federal Marx Beltrão (PSD-AL) ressaltou que o fato de a Braskem ser uma grande empregadora e contribuir com o pagamento de muitos impostos em Alagoas não exime esta empresa de suas responsabilidades.

“A Braskem afirma que o relatório da CPRM tem inconsistências, mas a explicação dada nesta audiência ficou bastante vaga. O que se apresentou na audiência desta comissão externa, infelizmente, chegou perto a um contorcionismo de argumentos, e nada ficou nada claro por parte da empresa”, apontou Marx Beltrão.

Ao questionar falas da mineradora que afirmou em reportagens que a CPRM cedeu a “pressões políticas” e acusou a Braskem em um laudo emitido “as pressas”, Marx Beltrão concluiu que, objetivamente, não ficaram esclarecidas quais são as falhas no relatório da CPRM, quais são os pontos específicos e quais os métodos e critérios utilizados pela empresa que desacreditariam o laudo apresentado pelo órgão federal.

“Há aí uma acusação de que o órgão federal teria sido negligente e a culpa seria da cobrança de políticos. O documento da CPRM é fruto do trabalho de mais de 50 profissionais e foi realizado durante um longo período de estudos e exige todo respeito”, concluiu o parlamentar.

O vereador Francisco Sales, presidente da comissão especial de inquérito (CEI do Pinheiro) instalada na Câmara de Maceió, afirmou ter recebido da Agência Nacional de Mineração (ANM) a informação de que, dos 25 estudos de sonares realizados pela Braskem, somente 14 foram repassados à agência reguladora e, destes, foram identificados seis poços de sal-gema com cavernas que não estavam intactas. Ao todo, há 35 poços sendo estudados.

“A Câmara de Maceió só quer uma única coisa, senhor Fernando: que se resolva e que venham as soluções. Porque propagandas realmente não vão alimentar a nossa cidade”, disse o vereador.

Sobre o mesmo tema, o presidente da Braskem respondeu ao presidente da comissão na Câmara, deputadoJoão Henrique Caldas, o “JHC” (PSB-AL), que ao longo da vida de operação da mineradora já foram feitos mais de 130 estudos por sonares nos 35 poços. E, antes, ainda disse que a expectativa é de concluir o último estudo de sonar até o fim de dezembro, e discutir soluções ao longo do primeiro trimestre de 2020.

“Essas informações são continuamente analisadas. Mas não havia nada que nos levasse a crer que havia uma relação entre a operação dos poços e o problema na superfície, que ficou mais visível a partir do abalo”, disse Fernando Musa, ao reafirmar que a mineradora assegura o compromisso com os moradores e com a soluções. “A Braskem não vai se omitir. Vamos assumir nossa responsabilidade em diálogo com a sociedade e com a Justiça”, concluiu.

O senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) também participou da audiência na Câmara, e cobrou do presidente da Braskem tratamento humanitário às famílias vítimas do fenômeno que também atinge o bairro do Bom Parto.

“Ainda não aconteceu nenhuma catástrofe, e por isso venho aqui pedir à Braskem para que não estique a corda recorrendo às lacunas jurídicas para somente depois de décadas recompensar essas pessoas. Há uma responsabilidade humana por essas pessoas que estão sendo muito afetadas”, apelou Rodrigo Cunha ao empresário.

Rinaldo Januário de Oliveira sofre com rachaduras em sua casa no Pinheiro, onde problemas ocorre em ruas e imóveis do bairro de Maceió. Foto: Raul Spinassé/Folhapress/Arquivo

Volta para casa

Musa expôs as ações que a Braskem vem realizando para contribuir com o entendimento do fenômeno geológico dos bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro, em Maceió.

“Vamos seguir na busca por soluções concretas que possam permitir que a população tenha tranquilidade para voltar para suas casas, aonde isso for possível. Nossa preocupação com a comunidade, com a segurança, com a contribuição que a operação da Braskem em Alagoas pode trazer para a economia de Maceió e do Brasil é o que pauta nossa atuação dentro do espírito de transparência, de abertura e de comunicação”, disse o presidente da Braskem.

Para Fernando Musa, as ações que a Braskem já executa demonstram que a mineradora tem apoiado a busca por soluções, independente de decisões da Justiça em ações que cobram R$ 27 bilhões da empresa.

“A questão da judicialização, que não foi iniciada por nós, precisamos tratar com o apoio da equipe jurídica interna com o devido cuidado. Uma vez identificada a solução, vamos começar o diálogo de como apoiamos a solução. Mesmo que responsabilidade jurídica não seja definida, nós vamos buscar apoiar essa implementação de solução, como temos feito hoje com as ações emergenciais. Nossa prioridade é identificar soluções”, concluiu o presidente da Braskem.

Ainda em maio, o Ministério Público de Alagoas e a Defensoria Pública Estadual ingressaram com ação judicial pedindo o bloqueio de R$ 6,7 bilhões para reparar danos e indenizar milhares de moradores dos três bairros de Maceió danificados pela exploração de sal-gema. E o Ministério Público Federal (MPF) em Alagoas ingressou com ação civil pública, com pedido de liminar, contra a Braskem, para que seja condenada a reparar integralmente R$ 20,5 bilhões em danos socioambientais.

Veja aqui a íntegra da apresentação exposta pelo presidente da Braskem.

E veja como a CPRM explicou o fenômeno, no relatório apresentado em maio:

 

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