Raphael Molina

XI Cúpula do BRICS e o Novo Banco de Desenvolvimento

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Com a chegada da XI Cúpula do BRICS, sendo realizada em Brasília, no Palácio Itamaraty, nesses dias 13 e 14, seus cinco membros fundadores terão a oportunidade de estreitar ainda mais suas relações. Como apontado pelo próprio MRE, a reunião vem com o lema “BRICS: crescimento econômico para um futuro inovador”. A princípio centrados na inclusão de suas prioridades na agenda internacional, e assumindo posição de destaque pela resistência à crise financeira de 2008, o agrupamento tem gradualmente expandido suas áreas temáticas de interesse: ciência, tecnologia e informação, saúde, segurança, setor empresarial são algumas. Ainda assim, o presente – e curto – texto dedicar-se-á à originária, de cooperação econômico-financeira, mais precisamente ao Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), em especial devido ao fato de que o segundo escritório regional será estabelecido na cidade de São Paulo.

Preliminarmente, porém, destaque seja dado ao significado de cooperação econômico-financeira no âmbito do BRICS. No período pré-G20s financeiros, a aproximação era de caráter essencialmente econômico, e muito longe de ser de forma concertada entre os futuros membros do grupo. O período da IV (Nova Déli, 2012) à V Cúpula (Durban, 2013) findou-se atestando a viabilidade de um conjunto de iniciativas para promover maior integração econômico-financeira entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – em 2013 já se fala de um Conselho Empresarial (CEBRICS), de um fundo de estabilidade (denominado Arranjo Contingente de Reservas) e, finalmente, de um banco de desenvolvimento (inicialmente para financiar projetos de infraestrutura). Como mencionado anteriormente, o foco será dado a este último.

O documento fundador do Novo Banco de Desenvolvimento (acordo constitutivo) foi firmado na cidade de Fortaleza, em 15 de julho de 2014, tendo entrado em vigor – internacionalmente – no dia 03 de julho de 2015. Sem pretensões de apresentar o texto em sua totalidade, enfatiza-se, a seguir, seus elementos estruturais essenciais, notadamente seu objetivo e regras gerais, sua sede e escritórios regionais, seus membros e a possibilidade de adesão de outros, a estrutura financeira do Banco, sua estrutura administrativa, sua personalidade jurídica e imunidades, além de algumas anotações finais mais gerais.

Como previsto no Artigo 2, do Acordo Constitutivo sobre o Novo Banco de Desenvolvimento, o objetivo do Banco será mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos BRICS e em outras economias emergentes e países em desenvolvimento, para complementar os esforços existentes de instituições financeiras multilaterais e regionais para o crescimento global e o desenvolvimento. Para tanto, está autorizado a fazer uso de seus recursos, cooperar com instituições dos sistemas financeiros internacional e nacionais, fornecer assistência técnica a projetos e apoiando-os, bem como quando administrador de fundos especiais à consecução de seus propósitos.

Sua sede é em Xangai, na China, e não deixa de chamar a atenção que o próprio Artigo 4, ao tratar do tema da sede do NDB, já prever que o primeiro escritório regional seria em Joanesburgo (e assim foi, em 2017). Como mencionado (na nota 7), esse primeiro escritório regional tem mandato para atuar no continente africano. E, em 26 de julho de 2018, na mesma Joanesburgo, foi assinado um acordo para o estabelecimento do que ficou conhecido como “Escritório Regional das Américas” do NDB, que ficará em São Paulo.

Quanto a seus membros, os fundadores são os mesmos cinco do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), estando aberta a adesão, enquanto membro do NDB, a países tomadores e não tomadores de empréstimos, desde que conforme as regras e decisão do Banco. Fica também aberta a possibilidade de instituições financeiras internacionais, além de países interessados, figurarem como observadores (Art. 5, d).

Ao tratar do capital do Banco, o acordo constitutivo traz como capital inicial autorizado o valor de USD 100 bilhões (Art. 7, a); porém (Art. 7, c), somente USD 50 bilhões foram subscritos, numa divisão igualitária entre os cinco membros fundadores (USD 10 bilhões cada), sendo que tais USD 50 bilhões ficam divididos em ações integralizadas (USD 10 bilhões) e ações exigíveis (USD 40 bilhões); isso significa que, neste momento inicial, cada dos cinco membros fundadores deve, e já observando as regras de pagamento das subscrições (Art. 9), integralizar USD 2 bilhões até janeiro de 2022, ficando os demais USD 8 bilhões “exigíveis” até que o banco decida de forma diversa (Art. 7, d) – respeitando também as regras de “chamada” dos valores “exigíveis” (Art. 9, c, d). Vale notar que o poder de voto dos membros está diretamente ligado à sua participação na subscrição e integralização das ações do Banco. Ademais, sem esquecer a possibilidade do ingresso de novos países ao quadro de membros, o Artigo 8, c, impõe limites, de forma a manter seus fundadores no controle do Banco:

Artigo 8, c, Acordo Constitutivo sobre o Novo Banco de Desenvolvimento. Nenhum aumento na subscrição de qualquer membro no capital social tornar-se-á efetivo, e nem qualquer direito de subscrição será dispensado, caso tenha o efeito de: (i) Redução do poder de voto dos membros fundadores abaixo de 55 (cinquenta e cinco) por cento do poder de voto total; (ii) Aumento do poder de voto dos membros não tomadores de empréstimos acima de 20 (vinte) por cento do poder de voto total; (iii) Aumento do poder de voto de um membro não fundador acima de 7 (sete) por cento do poder de voto total; d) A responsabilidade dos membros pelas ações será limitada à parcela não paga de seu valor de emissão.

No mais, as ações são, em regra, emitidas ao valor nominal (Art. 8, b), e não poderão ser penhoradas ou hipotecadas de forma alguma, sendo transferíveis somente ao Banco (Art. 8, f), e apenas recairá responsabilidade ao membro na proporção de seu inadimplemento (Art. 8, d), já que a norma é a não responsabilização dos membros pelas obrigações do Banco (Art. 8, e). Vale ter em mente o disposto no Artigo 42:

Art. 42, a, Acordo Constitutivo sobre o Novo Banco de Desenvolvimento. A responsabilidade de todos os membros decorrente das subscrições ao capital social do Banco e no que diz respeito à depreciação de suas moedas continuará até que todas as obrigações diretas e contingentes tenham sido quitadas.
b. Todos os credores diretos serão pagos com os ativos do Banco e, em seguida, a partir de pagamentos ao Banco das subscrições não pagas ou exigíveis. Antes de efetuar qualquer pagamento a credores diretos, o Conselho de Diretores tomará as medidas que sejam necessárias, em sua opinião, para assegurar uma distribuição proporcional entre os credores diretos e contingentes.

O acordo constitutivo, naturalmente, traz outras regras, mas, em termos de sua estrutura financeira, acima o essencial.

No tocante à sua estrutura administrativa e decisória, o Novo Banco de Desenvolvimento é composto por um Conselho de Governadores, um Conselho de Diretores, um Presidente e Vice-Presidentes conforme decidido pelo Conselho de Governadores, e quaisquer outros dirigentes e funcionários que sejam considerados necessários (Artigo 10). Bem sucintamente, o Conselho de Governadores possui todos os poderes do Banco, sendo composto – a nível ministerial – por um Governador e um suplente de cada membro (podendo nomeá-los e destitui-los sem justificativas), atuando um dos Governadores, anualmente, enquanto presidente do Conselho. Não o fazendo em relação aos poderes estruturais do NDB (Art. 11, b), o Conselho de Governadores autoriza os Diretores ao exercício de quaisquer outros poderes. Ademais, enquanto regulador de sua própria atividade – administrativamente falando – estabelecerá seu calendário, pauta, remuneração quando couber (salvo para si próprios, vide art. 11, g), conservar sua autoridade etc. Em se tratando do cálculo à obtenção de quórum de aprovação em votação no Conselho de Governadores, cada Governador estará apto a depositar os votos do país-membro que representa (Art. 6, c). No mais, o Conselho de Governadores encontra-se, no mínimo, uma vez ao ano. Quando aos Diretores, há um Conselho, responsável pela condução do dia-a-dia do Banco, das operações em geral, e, para tais fins, exerce os poderes a si delegados, em conformidade com orientações gerais do Conselho de Governadores (Art. 12, a, i). Contrariamente ao que ocorre no caso dos Governadores, os Diretores têm mandato (2 anos, reeleição admitida, Art. 12, c; 4 anos ao presidente não-executivo, Art. 12, d). O cálculo para fins de quórum de votação (e.g., Art. 12, h) levará em conta que cada Diretor estará apto a depositar o número de votos que se contaram em sua eleição, os quais não precisarão ser depositados de forma unitária (Art. 6, d). O Conselho de Diretores poderá criar comitês (Art. 12, f), e se reunirá, salvo disposição qualificada em contrário por parte do Conselho de Governadores, trimestralmente, bem como poderá atuar como órgão residente ou não residente (Art. 12, g). Finalmente, sobre o Presidente do NDB:

Art. 13, a, Acordo Constitutivo sobre o Novo Banco de Desenvolvimento. O Conselho de Governadores elegerá um Presidente proveniente de um dos membros fundadores de forma rotacional, que não será nem um Governador, nem um Diretor, nem um Suplente de um ou outro. O Presidente será um membro do Conselho de Diretores, mas não terá voto, exceto um voto de desempate em caso de empate. O presidente poderá participar das reuniões do Conselho de Governadores, mas não votará em tais reuniões. Sem prejuízo para o mandato estabelecido pelo item (d) abaixo, o Presidente deixará de exercer o cargo, se o Conselho de Governadores assim decidir por uma maioria especial.
b. O Presidente será o chefe do pessoal operacional do Banco e conduzirá, sob a orientação dos Diretores, os negócios ordinários do Banco, em particular: (i) O Presidente será responsável pela organização, indicação e demissão de dirigentes e funcionários, e pela recomendação de admissão e demissão dos Vice-Presidentes ao Conselho de Governadores, responsabilidades sobre as quais deverá prestar contas ao Conselho de Diretores; (ii) O Presidente presidirá o Comitê de Crédito e de Investimento, composto também pelos Vice-Presidentes, que será responsável por decisões sobre empréstimos, garantias, investimentos em ações e assistência técnica não superior a um valor limite a ser estabelecido pelo Conselho de Diretores, desde que nenhuma objeção seja apresentada por qualquer membro do Conselho de Diretores no prazo de 30 (trinta) dias contados da apresentação de tal projeto ao Conselho.

Salvo de nacionalidade do Presidente do Banco, cada país membro enviará um Vice-Presidente. Os mandatos serão de 5 anos não renováveis, exceto no caso do primeiro mandato dos primeiros Vice-Presidentes, cujo mandato será de 6 (seis) anos (Art. 13, d). Padrão em instituições como o NDB, Presidente, Vices, dirigentes e demais funcionários serão remunerados, respondem ao Banco e não podem atuar de forma a influenciar seus membros (e.g., art. 11, h; 13, e, f).

Pulando a parte das operações do Banco, não objeto destas breves anotações, parte-se à questão da personalidade jurídica do Novo Banco de Desenvolvimento, que é reconhecida por seu acordo constitutivo, inclusive frente à territorialidade de seus membros (Art. 29). As imunidades, isenções e privilégios estão vinculados ao desempenho de suas atividades em conformidade com seus objetivos e normas (Art. 28), e englobarão processos judiciais, propriedade, ativos e arquivos, comunicações, imunidades e privilégios pessoais enquanto no exercício das funções (salvo renúncia por parte do Banco ou do corpo), isenção de tributação (Art. 34).

Prosseguindo, é assegurado o direito de retirada do Banco (Art. 37), bem como o de suspensão, por parte do NDB, de membros (Art. 38), não obstante regulamentação da questão da liquidação pós-saída de membro (Art. 39). Ademais, o Conselho de Diretores poderá suspender operações, até que aja o Conselho de Governadores (Art. 40), sendo que este último poderá encerrar as atividades do Banco, exceto aquelas relativas à ordenada conversão, conservação e preservação de seus ativos e liquidação de suas obrigações (Art. 41). Sobre eventual distribuição de ativos – o que comprova poder o NDB contribuir para o sucesso financeiro de seus membros investidores -, dispõe o Artigo 43:

Art. 43, a, Acordo Constitutivo sobre o Novo Banco de Desenvolvimento. Nenhuma distribuição de ativos será feita aos membros por conta de suas subscrições ao capital social do Banco até que todos os passivos para com credores exigíveis de tal capital social tenham sido quitados ou provisionados. Além disso, tal distribuição deve ser aprovada por uma decisão do Conselho de Governadores por maioria especial.
b. Qualquer distribuição dos ativos do Banco aos membros será proporcional ao capital social detido por cada membro e será efetuada em tais prazos e sob tais condições que o Banco considere justos e equitativos. As frações de ativos distribuídas não precisam ser uniformes quanto ao tipo de ativos. Nenhum membro terá direito de receber a sua parte em tal distribuição de ativos enquanto não houver liquidado todas as suas obrigações para com o Banco.
c. Qualquer membro que receber ativos distribuídos nos termos deste artigo gozará dos mesmos direitos no que diz respeito a tais ativos que o Banco gozava antes de sua distribuição.

Em linhas já quase finais, o acordo constitutivo atribui ao Conselho de Governadores a competência para definir acerca de alterações no texto (Art. 44), dá ao Conselho de Diretores poder sobre a intepretação das normas que regem o NDB (Art. 45), e define a arbitragem como meio de solução de controvérsias entre Banco e membro ou ex-membro (Art. 46).

Feitas essas anotações, ressalta-se que já se deliberou – e definiu – sobre o procedimento para ingresso de novos membros (o que poderá ser tratado mais a fundo em um próximo texto), não olvidando uma série de medidas (ou políticas do Banco) referentes a assuntos específicos, tais como na relação com bancos nacionais de desenvolvimento, programas de parceria, assistência técnica, dentre outros.

A verdade, agora sim já em linhas finais, é que o Novo Banco de Desenvolvimento, em especial sob o prisma brasileiro – com a inauguração do escritório regional na cidade de São Paulo -, tem grande potencial para contribuir à atração de investimentos – marcadamente em infraestrutura (do que tanto ouvimos ser carentes) -, sem olvidar ao desenvolvimento sustentável, objetivos do próprio Banco, como previstos em seu acordo constitutivo. E esse é apenas um item dos muitos que podem avançar nesta XI Cúpula do BRICS. Por fim, que fique como desafio a Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, responder com resultados à provocação do mesmo O’Neill que cunhou o acrônimo inspirador da associação do grupo: “Sugiro que os líderes dos Brics se perguntem: ‘o que já fizemos como resultado de uma reunião para melhorar nossas economias individualmente e coletivamente?’”.

Raphael Molina, sócio de Molina & Reis Sociedade de Advogados, mestrando em Direito das Relações Econômicas Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

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