Flavio Bierrenbach

Venezuela: the next Cuba

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Faz muito tempo. Eu tinha só 23 anos e John F. Kennedy ainda era vivo; pouco depois o conheci pessoalmente. Estava havia apenas uma semana em Harvard e convivia dia e noite exclusivamente com os colegas bolsistas. Porém, num fim de tarde, detive-me na leitura do gigantesco mural do campus e, de repente, em meio a anúncios variados (desde a oferta de motocicleta usada até a procura de companhia feminina para uma viagem de carro a Chicago), deparei-me com um pequeno cartaz: Venezuela, the next Cuba. Tratava-se de uma palestra, seria naquela noite, não ficava longe, e era patrocinada por uma entidade que se denominava “Young Socialist Alliance”. Tomei a decisão de ir. Naqueles tempos, toda a minha geração era fascinada pela revolução cubana e seus heróis barbudos.

Na hora certa, depois de curta caminhada, subi dois lances de escada, entrei num apartamento lotado de gente e inundado de fumaça. Todo mundo fumava, eu também. Alguém me pediu identidade, apresentei o passaporte brasileiro, o cartão de matrícula da Universidade, e fui conduzido ao último lugar vago, num canto de sofá, lá no fundão. Uma vitrola tocava música, muito alto. A conferência ainda não tinha começado, mas naquela toada não seria possível escutar ninguém. Não demorou muito e, mais forte que a música, ouviu-se o som estridente de sirenes. Da janela vi chegarem, simultaneamente, três ou quatro carros da polícia. Fiquei gelado e pensei: “Meu Deus, não faz uma semana que estou aqui e já consegui me meter em encrenca.” Não era nada. Algum vizinho havia reclamado do barulho, a polícia foi ver, o som foi desligado e estabeleceu-se um silêncio espesso.

Instantes depois, tocou a campainha e entrou uma jovem mulher grávida. Muito grávida! Levantei-me e fiz um sinal para que ela tomasse meu lugar no sofá. Ato contínuo, a moça apontou-me um dedo ameaçador e bradou indignada: “Eis aqui um perfeito exemplo de porco chauvinista”.

Nunca tinha ouvido essa expressão, fiquei perplexo, mas diante da unânime aquiescência – houve até aplausos – da plateia, como já estava em pé, decidi bater em retirada[1]. Fiquei sem saber se a Venezuela seria a próxima Cuba.

[1] Alguns anos depois, em 1977, em outra Universidade (Stanford), fiquei bastante amigo de Patricia Ireland, que veio a se tornar presidente da NWA (National Women Association), a maior entidade feminista do planeta. Contei-lhe o episódio e perguntei: “Você acha que sou um porco chauvinista?”. Ela só disse: “That was a silly woman”.

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