Bruno Martins

Vacinação contra Covid e a MP 1026

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O ano de 2021 começou e com ele a esperança da aplicação da vacina para conter uma das maiores crises de saúde pública da história da humanidade, e os mais diversos reflexos da pandemia do novo coronavírus. Para tanto, essencial que a legislação brasileira suporte a dinâmica necessária de ações a serem implementadas pelo Poder Público.

Em casos de relevância e urgência, como o ora vivenciado com a pandemia da Covid-19, a Constituição Federal permite que o Presidente da República adote medidas provisórias com imediata força de lei, de modo a garantir – com segurança jurídica – a efetivação de apropriadas políticas públicas que alcancem a população.

Tecnicamente, ainda que plenamente vigentes, as medidas provisórias têm eficácia temporária e devem ser submetidas à ratificação do Congresso Nacional, tão logo sejam editadas. O Poder Legislativo Federal tem o prazo de sessenta dias, prorrogável uma única vez por igual período, para apreciá-las, podendo manter ou alterar o conteúdo. Caso os Deputados Federais e Senadores não concluam a análise no prazo estipulado, a medida provisória pode caducar, sendo ainda impedido a sua reedição na mesma sessão legislativa.

Sendo assim, no último dia 6 de janeiro de 2021, a Presidência da República Federativa do Brasil editou a Medida Provisória nº 1.026 para dispor sobre as medidas excepcionais relativas ao Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.

A novel legislação autoriza a celebração, por parte do Poder Público, de contratos e instrumentos congêneres com dispensa de licitação, para a aquisição de vacinas e de insumos destinados a vacinação contra a Covid-19, inclusive antes do registro sanitário ou da autorização temporária de uso emergencial. Permite, nos mesmos termos, a contratação de bens e serviços de logística, tecnologia da informação e comunicação, comunicação social e publicitária, treinamentos e outros bens e serviços necessários a implementação da vacinação contra a Covid-19.

A medida provisória em questão prevê que a sua aplicação alcançará atos praticados e instrumentos firmados até 31 de julho de 2021, independentemente do seu prazo de execução ou de suas prorrogações. A norma autoriza, ainda, o estabelecimento de cláusulas tidas como especiais nos instrumentos jurídicos necessários para aquisição ou fornecimento de vacinas contra a Covid-19, desde que representem condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço.

São exemplos de cláusulas especiais, o eventual pagamento antecipado, inclusive com a possibilidade de perda do valor aplicado; hipóteses de não penalização do fornecedor ou prestador de serviço; e termos confidenciais. Quanto à possível perda de valores antecipados, a norma recomenda uma série de atos preventivos e ressalva casos de fraude, dolo ou culpa exclusiva da contraparte.

Noutro ponto, a medida provisória fez constar que, apesar da dispensa de licitação, a celebração de contratos deve ser precedida de processo administrativo que contenha os elementos técnicos referentes à escolha da opção de contratação e à justificativa do preço – garantindo, ainda, efetiva e detalhada transparência, por meio da manutenção de sítio eletrônico na internet, com atualizações recorrentes.

No entanto, os procedimentos técnicos a serem adotados pelos órgãos serão simplificados, com menores exigências aos termos de referência e projetos básicos. Até porque, a medida provisória presumiu comprovadas a necessidade de pronto atendimento e a ocorrência de situação de emergência em saúde pública de importância nacional decorrentes do novo coronavírus; e dispensou a exigência de elaboração de estudos preliminares, quando se tratar de aquisição de bens e contratação de serviços comuns.

Alguns pontos da norma deixam ainda mais evidente a sua excepcionalidade, ao permitir, por exemplo, a contratação de fornecedor comprovadamente considerado único ou exclusivo, ainda que existente em seu desfavor sanção de impedimento ou suspensão de contratar com o Poder Público. No caso, apesar do fornecedor ser obrigado a prestar garantia nos termos legais, que não exceda dez por cento do valor do contrato, tal previsão reflete a gravidade da crise pandêmica que assola o mundo, e aflige ferozmente o Brasil.

 

Ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade trabalhista e previdenciária; a comprovação de não submissão de menores de dezoito a trabalho noturno, perigoso ou insalubre; e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo menor aprendiz, o Poder Público poderá também dispensar o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação a fornecedores ou prestadores de serviço com outros tipos de restrições.

Ainda acerca das questões procedimentais e técnicas, serão ainda reduzidos pela metade os prazos de licitações na modalidade pregão, eletrônico ou presencial – apesar de serem tipos legalmente existentes que já são, por si só, tradicionalmente mais céleres.

Para alcançar toda a população brasileira, aos Estados será possível aderir aos sistemas de registro de preços gerenciados por órgãos da União. Por sua vez, o Governo Federal também poderá aderir a procedimentos realizados nas esferas estadual, distrital ou municipal.

No entanto, a aplicação das vacinas pelos entes federativos deverá observar o previsto no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, que é elaborado, atualizado e coordenado pelo Ministério da Saúde. A aplicação das vacinas somente ocorrerá, nos termos dispostos, após a autorização temporária de uso emergencial ou o registro de vacinas concedidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

Nessa senda, a Anvisa poderá conceder autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer vacinas contra a Covid-19, materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária, ainda que sem registro no órgão, por serem considerados essenciais para auxiliar no combate à Covid-19. Para tanto, tais itens deverão ser registrados por, no mínimo, uma autoridade sanitária estrangeira, que autorize a distribuição em seus respectivos países.

A norma listou cinco autoridades sanitárias internacionais para a aplicação desta medida excepcional. São elas, a Food and Drug Administration – FDA, dos Estados Unidos da América; a European Medicines Agency – EMA, da União Europeia; a Pharmaceuticals and Medical Devices Agency – PMDA, do Japão; a National Medical Products Administration – NMPA, da República Popular da China; e a Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency – MHRA, do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.

No que tange à operacionalização do plano nacional de vacinação, a medida provisória obriga o registro diário e de forma individualizada de dados referentes a aplicação das vacinas contra a Covid-19 e de eventuais eventos adversos, por parte dos estabelecimentos de saúde, públicos e privados, em sistema de informação disponibilizado pelo Ministério da Saúde, a fim de manter o acompanhamento da eficácia.

Está previsto o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas, em tratamento ambulatorial ou hospitalar, ou com suspeita de infecção pelo novo coronavírus. A obrigação estende-se às pessoas jurídicas de direito privado, quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária.

A medida provisória obriga, também, que o profissional de saúde apto a administrar a vacina autorizada pela Anvisa para uso emergencial e temporário informe ao paciente ou ao seu representante legal, a depender do caso, que o produto ainda não tem registro definitivo na Anvisa, mas sim o uso excepcional autorizado pela Agência.

Por fim, a norma – que será ainda regulamentada pelo Ministério da Saúde e, conforme detalhado anteriormente, submetida à apreciação conclusiva do Congresso Nacional – obriga também que o profissional de saúde realize uma explanação acerca dos potenciais riscos e benefícios do produto, antes de aplicar a vacina no cidadão interessado.

Diante de tudo isto, é perceptível que a norma traz avanços essenciais para a efetividade da vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Não deixa de demonstrar, portanto, o objetivo de garantir ao cidadão o direito de decidir ser ou não vacinado, e a responsabilidade, ainda que moral, da sua escolha. Tudo num contexto social desafiador, em que o número de mortes e infectados cresce vertiginosamente; a economia atrofia; os ânimos políticos internos polarizados se acirram; a geopolítica internacional descarrilha; a justiça Suprema brasileira declara constitucional a vacinação compulsória e, mais uma vez, garante autonomia normativa e executiva aos entes federados.

Definitivamente, o Brasil carece de uma Coalização Nacional harmônica, interpoderes e federativa, para o enfrentamento de um inimigo comum, que só se fortalece com a desunião institucional e eventual implementação de atos descoordenados.

Artigo escrito por Thomas Law, Bruno Barata, Sóstenes Marchezine, Bruno Martins e Clarita Maia. São advogados reconhecidos em suas áreas de atuação e compõem a diretoria da Comissão Especial Brasil/ONU de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã – CEBRAONU, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

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