Hugo Gueiros Bernardes Filho

Universidades: reconstrução ou extinção

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Universidades, como as conhecemos, são ambientes em extinção.

Tradição e força corporativa decerto lhes concederão décadas de sobrevida. Contudo, vai perdendo sentido o estudo no estilo universitário: padronizado, catedrático, restrito, dispendioso e em vários aspectos inflexível.

Não é por acaso que os profissionais de destaque em áreas de ponta jamais concluíram o “nível superior”.

Impossível atribuir a uma coincidência que Bill Gates, Steve Jobs, Mark Zuckerberg, fundadores das grandes empresas de tecnologia do mundo, tenham abandonado os estudos. Estavam eles bem próximos, lembre-se, das mais renomadas universidades do planeta.

Também não são obra do acaso os investimentos da Microsoft e do Google na Khan Academy, forte candidata ao novo formato de universidade pública, que aposta na completa gratuidade, sem restrição de acesso, e na individualização do ensino.

No campo dinâmico da computação não há lugar para o ritmo universitário.

Não é  diferente, em essência, para as ciências humanas. O que dizer das artes, jamais restritas à universidade?

Autodidatas sempre existiram. A diferença é que o software e, depois, a internet fizeram da exceção a regra: a universidade detinha certa exclusividade na ministração de conhecimentos; hoje, sobrevive à conta do monopólio dos diplomas que emite.

Eis porque as virtudes profissionais do novo século, segundo os especialistas, nada mais são do que os adjetivos do antigo autodidata: foco, automotivação, resiliência, capacidade de aprender rapidamente e flexibilidade para mudar de ocupação.

Em sentido oposto, muito do que se apresenta como vantagem da atual universidade, como o convívio entre colegas, senão o charme do ambiente universitário, assume grau secundário diante do interesse do aluno por uma atividade produtiva e recompensadora.

No caso das nossas universidades públicas, nenhum contribuinte aceita pagar para que, durante quatro ou cinco anos, poucos jovens — que geralmente não são seus filhos — tenham no campus uma vida divertida ou engajada. Para os pais humildes, esses são os filhos da classe alta, aos quais foi proporcionado um ensino médio de qualidade e que poderiam muito bem custear o ensino superior.

Afinal, se não é mais centro de excelência, nem pode atender a todos, por que tanto investimento público na universidade?

Talvez o caminho para a redução dos custos universitários resida em algo como as aulas digitais, para que o professor seja remunerado pelos direitos autorais da sua participação. E para que seja avaliado como outros profissionais pela quantidade de vezes que um cliente (o aluno) assiste a sua aula, não a de outros professores (inclusive outros da mesma disciplina).

Nem todas as aulas podem adotar um formato digital qualquer, mas a imensa maioria o exige. Aulas já realizadas podem ser armazenadas, aditadas ou editadas, e novamente fornecidas aos alunos.

A vantagem de uma atualização em tempo real dá ensejo a que o avanço da ciência imediatamente se traduza em avanço do ensino, um sonho para os educadores.

De resto, a repetição da aula digital quando menos é a versão contemporânea da repetição das aulas expositivas, que sempre existiram em profusão.

Não há como contornar quando menos uma tendência inexorável: a paulatina substituição dos professores que deixam a profissão por uma quantidade menor de novos profissionais, menos assombrados diante interação homem-máquina.

Havendo para o erário a possibilidade de reduzir os custos com as aulas, é dever do agente público, não mera faculdade, proceder a essa substituição.

A carência do saudável e indispensável relacionamento humano — se é que se pode dizer isso do atual tratamento professor/aluno — é algo que se resolve mediante debates após leitura e estudo, não mediante a ministração de ensinamentos básicos em sala de aula. Universidade não é ensino fundamental. Neste ponto, é melhor seguir o conhecido modelo-norte americano.

Certo é que, nos dois nichos (estudo e debates) abre-se perspectiva para a metodologia digital, que não é apenas utilização de vídeos, mas de chats, tutoriais sem limitação de horário e tantos outros recursos que a sala de aula clássica não pode oferecer.

O ensino personalizado, que segue a velocidade de cada aluno, não de uma turma, é o maior e menos contestável dos exemplos de superação do ensino tradicional.

Se não advier sensível mudança de postura das universidades públicas em relação a esses pormenores, decerto serão elas ultrapassadas pelas particulares, se é que já não foram, pois faltam no País entidades capacitadas para essa avaliação. O MEC, próximo das  universidades públicas por tradição e vinculação governamental, jamais reuniu, no passado, condições de neutralidade e de atualização para arbitrar essa disputa.

Outro fenômeno não deve ser desprezado. À semelhança do que ocorre em muitos países desenvolvidos, brasileiros começam a se aperfeiçoar por cursos à distância, entre outros de feição inteiramente diferente dos cursos universitários: mais curtos e voltados especificamente para uma funcionalidade atual.

Novos setores econômicos e formas de aprendizado, a menos que sejam incorporados pelas universidades, tendem a diminuir a importância do ensino superior, que, como visto, hoje se sustenta em grande parte pelo credencialismo e mesmo assim não alcança as novas profissões — felizmente não regulamentadas.

No âmbito da informática, em particular na área de desenvolvimento, são criados com alguma frequência ambientes e plataformas que exigem um aprendizado raramente concedido nas universidades, mas disponível entre os agentes do mercado que carecem daquela formação. Na prática, até que se complete a demorada admissão de um professor especialista existe o risco de a tecnologia já ter sido superada. Isto sem contar que os melhores candidatos provavelmente não têm sequer o mestrado e assim não podem concorrer.

Como a informatização acaba sendo um fenômeno tão importante quanto a globalização, é natural pensar que isso atingirá todas as profissões.

Observe-se que a dispensa de diploma (exemplifico mais uma vez com profissionais ligados à tecnologia da informação) concorre para que a disputa por um lugar ao sol seja travada em campo livre de formalidades. É tão fácil demonstrar o domínio de uma habilidade que não faz sentido julgar essas pessoas com base em papéis, bem ou mal assinados.

Hugo Gueiros Bernardes Filho, advogado, integra a Comissão de Inteligência Artificial da OAB Federal. Foi Subprocurador-Geral da República. É Mestre em Direito pela UnB

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