Julio Cesar Gomes dos Santos

Um pingo para um ‘i’

acessibilidade:

O “I”:
Claudio Humberto, 12 de outubro de 2019, Gazeta de Alagoas, encontrado no Google.
“Batalha de Itararé ”
O ex-presidente FHC ainda se diverte quando lembra o dia em que destacou o embaixador Julio Cesar Gomes dos Santos para atuar como mediador da crise Perú-Equador. “Engalonado e investido de poderes plenipotenciários” – recordou-se FHC, divertido, papeando com um amigo – ele não pôde cumprir a missão: acabou protagonizando uma autêntica Batalha de Itararé, aquela que não houve. Ao desembarcar, foi acometido de uma diarréia que durou cinco dias”.

O PINGO:
Tenho oitenta anos e dizem que a esta idade se acabam os filtros, especialmente diante de notícias inverossímeis geradas por algum desafeto, para indispor-me com meu ex-chefe e sempre amigo, o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Tenho oitenta anos, três filhos, dois dos quais com 21 e 23 anos, um neto de 14 e uma biografia de serviços prestados ao país, maculada pelo bochornoso escândalo do “grampo”, engendrado dentro do Planalto, por uma pústula travestida de homem, em torno de uma conversa com um amigo de muitos anos, preocupado com o andamento no Senado de uma licitação que havia vencido durante o governo Itamar Franco. A oposição ao governo FHC com quem servia, deitou e rolou, abriu CPI capitaneada pelo Deputado Arlindo Chinaglia e, dez anos depois, no poder, honrou-me, na pessoa do Presidente Lula, com a Embaixada do Brasil em Bogotá, estando eu inocentado de quaisquer acusações nos vários inquéritos.

Tenho oitenta anos e não me faltam documentos que guardei e que agora servem para, como dizem, “matar a cobra e mostrar o pau”, sem temer, nesta altura da vida, que me venham a recriminar, ou mesmo punir por revelar, se necessário, cópia de telegramas secretos de minha lavra e assinatura, enviados de Lima e de Quito ao Itamaraty, dando conta passo a passo, do correr de minha missão. Aliás, passados vinte e cinco anos, a rigor, podem ser revelados.

Tenho oitenta anos e ainda me lembro de que ao chegar em Quito, proveniente de Brasília em jato da FAB, fui imediatamente levado para o chamado Posto de vigilância 1 na Cordilheira do Condor, em helicóptero do exército equatoriano. Ao regressar, jornalistas na Base Aérea de Quito pediram minhas impressões sobre aquele posto militar. Respondi que a área era de tal beleza, que poderia servir de motivação para a paz, se transformado em um parque ecológico binacional. Ao chegar em Lima horas depois, esperava-me na residência de nossa Embaixada um envelope pardo, enviado pelo Ministro interino das Relações Exteriores do Peru, o Embaixador Eduardo Ponce Vivanco e nele estava apenas uma cópia Xerox da página de jornal equatoriano com essa minha declaração. Ao lado da notícia, escreveu desagradado: “Embajador, Ojo!” (Embaixador, atenção!).

Minha missão foi interrompida por cinco dias por uma cirurgia de emergência, no Hospital Americano de Lima, em meio a uma crise de apendicite. Fujimori recebeu-me tarde da noite em palácio, logo que fui liberado pelos médicos, dessa minha “diarréia”…

Acompanhando meu anfitrião, Eduardo Ponce Vivanco que, surpreso, ouviu quando seu presidente me disse, “Embajador, me gusta la idea de la creación de un parque ecologico bi-nacional en el Condor”. Como, no dia seguinte, iria encontrar-me para almoçar em Quito com o Presidente Sixto Durán Ballén, perguntei a Fujimori se me autorizava a dizer a Durán que aventara essa hipótese e autorizou-me que o fizesse.

Em Quito, no Palácio Presidencial, o chefe de estado, magro e alto, olhou-me fixo quando, feliz, comuniquei-lhe o que me havia dito o peruano e soltou, “yo también estoy de acuerdo con la creación de un parque ecológico en la Cordillera del Condor. E completou enérgico: “Ecuatoriano!!”

De volta ao Brasil, fui convocado pelo meu saudoso amigo e cologa, o então Secretário- Geral do Itamaraty, Embaixador Sebastião do Rego Barros, para uma reunião com os embaixadores dos países, com o Brasil, garantes da paz de 1941 – Estados Unidos, Argentina e Chile. Na reunião opinei que o fato do Presidente do Peru estar de acordo com a hipótese de um parque ecológico binacional na disputada Cordilheira do Condor, poderia ser um gancho para o início de um processo definitivo de negociação de paz. Deixei a bola ali quicando. Quase quatro anos depois, ela foi levantada para o Presidente Fernando Henrique Cardoso chutar em gol. Quem quiser, pode ir lá, visitar o parque.

Tenho documentos, além de comunicações telegráficas, repito, de caráter secreto, em meu poder, que não me deixam mentir. E aos oitenta anos…

Júlio César Gomes dos Santos. Diplomata aposentado, 42 anos de serviço no Brasil e no exterior, dos quais cinco na presidência Sarney e três com Fernando Henrique Cardoso, entre Itamaraty, Fazenda e Presidencia.

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