Um herói de Brasília

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A morte do embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima foi uma grande perda para o Brasil e entristeceu Brasília, cidade cuja gestação e nascimento acompanhou – como integrante da equipe de JK – e que, por ela tomado de amor, elegeu para sua residência permanente.

Viveram, a cidade e o embaixador, em simbiose perfeita. Aqui pôde idealizar e executar seus projetos. Em contrapartida, ajudou a internacionalizar a nova capital federal, tornada centro de políticas públicas relacionadas ao comércio exterior.

Despediu-se dele a cidade, com pompa e circunstância. A cerimônia de corpo presente, sóbria e comovente, com a qual foi homenageado pelo Itamaraty, significou o reconhecimento de uma vida dedicada ao serviço da República. Simbolismo e emoção similares só encontraram precedente na homenagem prestada em 1912 ao Barão do Rio Branco.

Deixa Paulo Tarso amigos em legião. Fazia-os facilmente, pois os cargos ou posições que ocupou em nada mudaram seu comportamento afável e igualitário. Tratava a todos com cordialidade e respeito.

Juntei-me a essa malha fraternal desde que o conheci, em 1972, no Iate Clube do Rio, em evento do Jornal do Brasil. Ele, conselheiro, responsável pela promoção comercial no Itamaraty, eu um jornalista.  Apresentou-nos seu ex-chefe no Catete, o embaixador José Sette Câmara Filho, diretor do JB.

Sua receita para praticar uma diplomacia qualificada e eficiente era simples: estabeleça excelentes relacionamentos locais, mas nunca se descuide da retaguarda brasileira.

Atento a essa retaguarda, cultivou sempre as relações com jornalistas. Desde o começo de sua carreira foi acompanhado pela Pomona Politis, colunista do Diário Carioca. Mais tarde, em Brasília, Manuel Mendes, do Correio Braziliense, o tinha como fonte habitual. Com o passar dos anos incorporou à sua agenda dezenas de jornalistas dos mais importantes meios de comunicação.

Em 1971, Paulo Tarso ajudou na articulação de visita à República Popular da China (país com o qual então não tínhamos relações diplomáticas) do empresário Horácio Coimbra, fabricante de café solúvel. O Itamaraty designou o cônsul em Hong Kong, Geraldo Holanda Cavalcanti, a acompanhá-lo na jornada.

Grande mudança de rumo ocorreria em 1985, com a vitória de Tancredo Neves nas eleições indiretas de 15 de janeiro. Em dias organizou o périplo do Presidente-eleito a países da Europa, Estados Unidos, México, Peru e Argentina. Foi um circuito extraordinário, do qual tive a honra e participar, tendo Paulo Tarso brilhado em todo o percurso.

Paulo Tarso não foi chanceler por razões de acomodação política.  Olavo Setúbal o foi por um ano e passou o bastão a Abreu Sodré. Mas Paulo foi um Secretário-Geral com poderes ampliados e ajudou Sarney no processo de aproximação com a Argentina, no reatamento com Cuba e na aproximação com o Iraque. Com os EUA, foram anos de discussão sobre a lei de informática.

Em 1990, no início do governo Collor, Paulo Tarso foi removido para Londres.  Meses depois, no curso da Guerra do Golfo, foi convocado pelo Presidente para a espinhosa missão de negociar a libertação de centenas de brasileiros retidos pelo governo iraquiano. Etevaldo Dias escreveu que “sua escolha para a missão não fora um prêmio por sua competência, mas um castigo’ e que o embaixador deveria resolver um problema que ele ajudara a criar”.  Fonte venenosa.

Mas não era o Presidente que queria encalacrar o embaixador. Na época, confidenciou-me o Secretário de Imprensa Cláudio Humberto Rosa e Silva, de quem então eu era adjunto, que esse tipo de argumentação vinha do próprio Itamaraty. Conversamos muito sobre o Paulo Tarso, a quem o Cláudio já conhecera, e a partir daí passou a defendê-lo intransigentemente junto a Collor.

Bem sucedida a missão, Zózimo publica nota magistral: “enviado ao Iraque propositalmente para o sacrifício, Flecha de Lima acabou fazendo barba, cabelo e bigode.  É o caso único de um condenado à morte que, enviado ao cadafalso, consegue chegar de volta em casa trazendo de lembrança a corda que o iria enforcar”.

Em entrevista, o chanceler Francisco Rezek, diria que “Paulo não veio ao mundo para dizer que ‘fiz o melhor de mim, mas não deu certo’. Essas palavras jamais atravessariam aquela garganta. Ele é um homem de resultados. O que ele faz, dá certo.”.

 Pedro Luiz Rodrigues é diplomata e jornalista. 

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