Somos pobres porque somos improdutivos
Editorial da The Economist de meados do ano passado causou intensa comoção por conta de seu título se referir à América Latina como uma terra de trabalhadores inúteis (A Land of Useless Workers). Alega a influente revista que esse quadro reincidente decorre da má educação, de corrupção e da economia informal a que os latino-americanos estão sujeitos. Aparte a grosseria do título o fato é que tais causas têm como elemento comum a desigualdade socioeconômica. Desigualdade que, incontestavelmente, é também decorrente de corrupção endêmica na medida que é poderosa ferramenta de concentração de renda. Assim como, a baixa produtividade dos trabalhadores latino-americanos está entrelaçada a uma economia informal que desconsidera avanços trabalhistas em um quadro de injustiças que se alimenta sistematicamente da educação de baixa qualidade. Nessa perversa relação de causa e efeito, em última instância perdemos todos.
O deficiente sistema educacional brasileiro forma profissionais com reduzida capacidade de produzir trabalho de elevada produtividade o que reduz a capacidade produtiva do país e suas empresas que, como decorrência, compromete o emprego e a renda de gerações sucessivas de trabalhadores. A dramaticidade deste quadro é de tal ordem que não resta a quase 40 milhões de trabalhadores brasileiros outra alternativa senão a de atuar no mercado informal como meio de subsistência.
Quando a força de trabalho é improdutiva desperdiçam-se os recursos que seriam necessários para se produzir um bem ou serviço. Assim, quando a produtividade é baixa a riqueza real é menor. Se faz menos com mais recursos, mais desperdício de recursos, sendo o principal deles o esforço e o talento humano.
Em um contexto macroeconômico, o resultado de um custo superior àquele que é praticado por competidores mais produtivos é que, como meio de compensação, se lança mão do expediente de encarecer o preço como forma de se garantir a lucratividade pretendida. Medida equivocada pela queda de demanda em decorrência da baixa competitividade das empresas nacionais perante seus concorrentes estrangeiros que, em consequência, prejudica a balança de pagamentos do país. As mazelas se acumulam em produção seriada na medida em que empresas improdutivas não sobrevivem em ambientes competitivos. Como consequência, para sobrevivência em um ambiente pra o qual não se encontram preparadas dependem do péssimo expediente da proteção de más políticas públicas, tais como barreira às importações bancadas. Advogam alguns que tal medida visaria proteger empresas nascentes com o objetivo de, por exemplo, criar um polo produtor autóctone. Ora, essa lógica pressupõe temporalidade. Todavia, casos recorrentes demostram que o que deveria ser válido para um período limitado acaba por se transformar no status quo da incompetência alimentada por políticas que, a médio e longo prazo, só ampliam a injustiça social porque age como um motor de desigualdades.
A essência das políticas públicas se baseia na premissa de que se utilizam benefícios, tais como incentivos fiscais, para motivar iniciativas de interesse e penalização com tarifas ou multas para desestimular aquelas que considera prejudiciais. Caso o incentivo à exportação ocorra à revelia de incrementos de produtividade a saída encontrada passa pelo expediente da redução de tarifas o que, de fato, acaba por ser bancada pelo cidadão pagador de impostos. Política mais acertada seria a de incrementar exportações mediante a competitividade auferida pelo aumento da produtividade. Medidas que permitam que se faça mais e melhor com menos, com os custos de produção reduzidos graças ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, sejam eles materiais, humanos ou energéticos.
O fato é que país rico é país de alta produtividade. É o caso da Suíça, Irlanda e Noruega, na cabeça dos indicadores de qualidade de vida (IDH), competitividade e produtividade da força de trabalho. A título de exemplo, embora o Brasil seja o maior exportar de café do mundo, quem mais ganha é a Suíça com sua capacidade tecnológica inovadora de transformar esta comodity em produto de alto valor agregado, visto que um kg de capsulas de café vale cerca de 15 vezes mais que um kg de café in natura. Em outras palavras, educação de qualidade permite a disseminação de conhecimento que permite a geração de conhecimento novo que se viabiliza em riqueza por meio de tecnologia inovadora. Este é o nó górdio que só incrementos em produtiva é capaz de desatar via educação de qualidade.
O desafio do aumento da produtividade do trabalho se faz especialmente dramático em um país como o nosso que tem sistematicamente apresentado péssimos indicadores. O fato é que a frágil 62ª posição ocupada pelo Brasil no ranking da competitividade encontra respaldo na 51ª posição do quesito produtividade da força de trabalho. O descaso quanto a essa importante questão reside no fato de que a produtividade brasileira tem sido tema secundário em vista do fato de que o pais vinha crescendo demograficamente. Todavia, se isso era um fato até meados da década de 90, atualmente esse fenômeno vem arrefecendo e, neste ano, pela primeira vez o contingente da população brasileira que não trabalha supera a força de trabalho na ativa. O Brasil perdeu o chamado Bônus Demográfico, aquele em que a população economicamente ativa supera a que não trabalha, composta por crianças e idosos. Em outras palavras, há menos pessoas trabalhando e mais pessoas dependendo dos recursos previdenciários. A única forma de, efetivamente, se garantir que essa força de trabalho, composta por pessoas jovens em contingente cada vez mais reduzido, seja capaz de bancar as despesas do país reside na promoção de políticas públicas capazes de alavancar a produtividade, o que não vem ocorrendo. Tal constatação é corroborada pelo fato de que a produtividade da força de trabalho do país tem estado praticamente estagnada há quase 3 décadas, variando de 37 reais por hora trabalhada em 1995 para 44 reais atualmente, segundo dados atualizados do IPCA compilados pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli da FGV. Vale acrescentar que o desempenho só não foi pior graças a incrementos positivos do setor agropecuário. A estagnação da produtividade do trabalho é bem expressada pelos pífios 0,72% de aumento positivo no período de dezembro de 1992 a dezembro de 2023.
Outro fator a contribuir negativamente com a produtividade do país refere-se ao baixo investimento em infraestrutura produtiva como tecnologias atualizadas para o setor produtivo e de logística no que tange a melhores rodovias e portos. Neste contexto espera-se que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia — que também se alastra por décadas — possa, uma vez que se conclua, representar a necessária atualização de nossa precarizada infraestrutura produtiva e logística. No entanto, é mister enfatizar que o investimento que interessa ao pais é aquele que não flui ao sabor da especulação financeira, mas o que permanece para investimentos estratégicos, de médio e longo prazo.
Adicionalmente, a baixa produtividade do país é agravada pelo notório protecionismo econômico praticado no país, visto que favorece barreiras à importação das tecnologias que nos interessam para produzir a custos menores, com consequência negativa na competitividade das empresas nacionais. Claro que há exceções formidáveis que só confirmam a regra, como a Embraer no setor aeronáutico e a WEG no setor elétrico. O protecionismo alimentado por lobbies no Congresso para atender interesses específicos empobrece o país, uma vez que tal improdutividade acaba por ser bancada com subsídios auferidos mediante os impostos pagos pelos cidadãos. Assim, o cidadão é injustamente forçado a arcar com os custos de um sistema ineficiente que o penaliza no emprego e na renda e que se caracteriza por um ciclo vicioso perverso que se arrasta há mais de 3 décadas nos setores de indústria e serviços com a exceção das comodities agrícolas. Neste arranjo nefasto, os recursos que poderiam ser aplicados em educação de qualidade se tornam ainda mais escassos, cuja falta é parte expressiva das razões pelas quais somos improdutivos. Haja vista que a maioria de nossos trabalhadores são formados em um sistema educacional deficiente que não os capacitam adequadamente para atuar de forma produtiva.
A justificativa principal quanto à renitente capacidade reduzida do país possuir trabalho de alta produtividade decorre da fragilidade estrutural de nosso sistema educacional. Não apenas no que se refere ao treinamento e capacitação dos trabalhadores perante as novas tecnologias, mas notadamente no futuro de quase 50 milhões de crianças e jovens que se encontram matriculados na rede pública de ensino.
Reincidentemente, o país faz feio nos rankings internacionais de educação como o PISA, programa da OCDE apelidado de clube dos países ricos, no qual o desempenho de nossos adolescentes de 15 anos é de tal forma precário nos testes de matemática, ciências e de leitura e interpretação de textos que nos coloca na 44º pior posição dentre 56 países analisados. Todavia, o sofrível desempenho educacional dos estudantes da rede pública está intrinsicamente ligado à extrema desigualdade socioeconômica população.
Embora o Brasil esteja entre as 10 maiores economias do planeta ele também ocupa, lastimavelmente, a 8ª posição no quesito desigualdade segundo o indicador GINI em levantamento recente do Banco Mundial. Tal desigualdade significa que o rendimento mensal do 1% da população mais rica é 40 vezes maior que a soma da renda dos 40% mais pobres. Qualquer postura, seja religiosa ou ideológica, que não se escandalize com essa métrica cruel está fundamentalmente equivocada. Situação que, por sinal, tende a se agravar visto que há tendência crescente de concentração de renda no Brasil e no mundo.
Vale enfatizar que mais do que aumentar o investimento em educação — que se faz necessário — e que se traduz em capacitação docente, instalações e equipamentos é preciso também aumentar sua efetividade, visto os frequentes desvios do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Recorrentemente faz-se presente a maldita corrupção, cuja redução só se fará possível se houver efetiva responsabilização jurídica dos agentes públicos e empresários que se locupletam de recursos públicos finitos graças à impunidade historicamente presentes nas relações entre o público e privado.
Auspiciosamente, o atual governo tem procurado reagir com ações estratégicas efetivas para ampliar o leque de ações, tais como as escolas em tempo integral, prover os alunos mais carentes com bolsas de estudo, assim como com a adoção de instrumentos de premiação por desempenho daqueles que se destacam, sejam estudantes ou escolas. Exemplo prático bem-sucedido vem das escolas do Nordeste, em especial do Ceará, com casos de sucesso comprovados e reconhecidos mundialmente. Afinal de contas, faz sentido investir nas condições socioeconômicas da população estudantil, visto que a escola pode e deve ser um espaço de acolhimento face a uma realidade frequentemente disfuncional, na qual parte das classes D e E vive em condições de extrema vulnerabilidade, com insegurança alimentar em áreas de risco à própria integridade física e mental de nossas crianças e jovens. Portanto, a escola pública em tempo integral pode ser esse ambiente de cidadania que protege, ampara e promove a formação de alta qualidade para a população mais vulnerável. Além do que, é preciso ampliar e intensificar a formação técnica de nossos trabalhadores mediante parcerias com instituições como o SESI, SENAI e SEBRAE, Desta forma, ampliar e intensificar os mecanismos capazes de garantir emprego e renda no ensino técnico de segundo e de terceiro graus para aqueles que assim o necessitarem ou decidirem fazê-lo, a exemplo do que ocorre nas nações mais avançadas tecnologicamente como Alemanha e Japão.
Curiosamente, há barreiras ideológicas que antagonizam desnecessariamente visões diferentes de mundo e que precisam cair, uma vez que se corrija equívocos ideológicos e até semânticos que jogam contra a prosperidade do povo brasileiro. Como exemplo, é preciso eliminar o ranço ideológico contrário ao fato de que boa educação também deve prover o atendimento de necessidades educacionais especificas para a sobrevivência digna por meio do emprego. Essa observação é feita no contexto equivocado e pejorativa de uma educação dita utilitarista para o exercício profissional em sistemas produtivos que exigem elevada produtividade. Derrubar essa noção equivocada resgata a coerência dos fundamentos da Escola Humanista no que tange ao atendimento prioritário das necessidades básicas e dignas de sobrevivência em termos de renda e segurança, sem as quais não se tem meios para almejar e avançar no atingimento das necessidades de ordem social, autoestima e autorrealização.
Assim como, deve-se também eliminar o equívoco de teses neoliberalistas no sentido de que educação de qualidade é obtida unicamente por escolas privadas e, portanto, ressarcida unicamente pelo individuo, sem o envolvimento do Estado. A qualidade de ensino destas escolas não está ao alcance da grande massa de crianças e jovens deste país o que não significa que aqueles que estão na rede pública não devem também usufruir de qualidade no ensino e aprendizagem. Além do que, esta visão se apresenta também equivocada pelo fato de que mesmo em nações que são referência de capitalismo como os Estados Unidos, Canadá e Inglaterra o Estado participa ativamente na garantia do orçamento para a educação de primeiro e segundo graus. Mesmo na educação universitária o Estado nestas nações contribui não apenas bancando parte do orçamento se necessário, mas direcionando verbas para pesquisa e desenvolvimento, sem as quais não teriam atingido o estágio de excelência em ciência e tecnologia. O fato é que tais teses desinformam e desincentivam políticas públicas de educação de qualidade para a maioria da população brasileira que é pobre, mal alimentada, mal preparada e vulnerabilizada pela violência praticada por facções criminosas de todo tipo. A postura de um Estado Mínimo em uma nação tão desigual quanto o Brasil é de uma estupidez cavalar na medida em que só contribui para a perpetualização da miséria e da ignorância. Um acinte, pois que sua manutenção seguramente aumentará o fosso entre a massa crescente de pobres contra um pequeno percentual da parcela mais afluente da população encastelada em condomínios de luxo.
Romper o círculo vicioso da pobreza que gera mais pobreza por meio da educação é política pública baseada na mais patente razoabilidade. Com melhores condições socioeconômicas dirigidas à população estudantil nas escolas públicas em tempo integral tem-se redução da desigualdade futura por meio de ocupação profissional digna, a qual gerará renda compatível decorrente de trabalho desempenhado com elevada produtividade. Renda capaz de promover melhorias na qualidade de vida, a qual se alimenta de um sistema competitivo o suficiente para garantir ao país dar o salto de desenvolvimento socioeconômico que, de fato, resgate de forma consistente populações que se encontram historicamente marginalizadas. Daí então, sem os voos de galinha a que a economia brasileira tem estado fadada desde sempre, com alguns avanços sem consistência que logo se perdem em períodos de recessão. Com políticas estratégicas consistentes a construção permanente de uma educação pública se apresenta de forma consistente como capaz de forjar cidadãos críticos da realidade que os cercam. Capazes de gerarem conhecimento científico e aplicá-lo em tecnologias inovadoras. Profissionais aptos a aturem produtivamente contribuindo para a competitividade de empresas nas quais têm emprego e renda dignos, para si e para o desenvolvimento socioeconômico do país.