Setor elétrico: falta chuva ou planejamento?
O Ministro da Minas e Energia e o Presidente da República vem a público demonstrar preocupação com o suprimento de energia elétrica anunciando que “o país vive a maior crise hidrológica da sua história”.
Será isso mesmo? Ou será falta de planejamento?
Realmente o verão 2020/21 está sendo bastante seco, no entanto mesmo em verões recentes enfrentamos situações ate piores. As vazões afluentes no reservatório de Furnas neste verão, tiveram seus valores mais baixos em janeiro de 2021 com registro de 1060 m3/s, porem nos últimos oito verões somente dois tivemos situação melhor, seis piores e uma quase idêntica. As vazões foram: 2013/14 – 968 m3/s; 2014/15 – 748 m3/s; 2015/16 – 1621 m3/s; 2016/17 – 772 m3/s; 2017/18 – 872 m3/s; 2018/19 – 1187 m3/s; 2019/20 – 2279 m3/s.
Analisando as curvas contidas no portal do ONS sobre Energia Natural Afluente pode-se constatar que a Energia Afluente nos anos de 2014, 2015 e 2017 foram bem baixas. Portanto dizer que o país vive a maior crise hidrológica da sua história carece de comprovação e não serve de justificativa para racionamentos eventuais no futuro próximo.
O que ocorre sim é inadequação do planejamento. Há pouco tempo já tivemos uma experiencia péssima em Macapá, onde por ter sido planejado ter-se a quase totalidade do suprimento da cidade concentrada em uma única subestação a população daquela cidade foi obrigada a ficar totalmente sem energia elétrica por algumas semanas.
A vida atual depende muitíssimo do suprimento de energia elétrica. Sem eletricidade, hoje, a população pode ficar sem abastecimento de água, sem operação dos postos de combustível, sem operação das comunicações (telefone e internet), sem operação das maquinas de pagamento e maquinas de retirada de moeda. No futuro, a dependência será ainda maior pois as perspectivas são de que em 2050 a frota de veículos hoje acionada por derivados de petróleo será acionada por eletricidade. A vida moderna exige alta confiabilidade do suprimento de energia elétrica, ou nos termos de planejadores, o custo de déficit é muito alto.
Ocorre que nas últimas décadas o Brasil não tem investido em armazenagem de energia. As grandes hidroelétricas dos rios Madeira e Xingu foram de grande porte (quase 20 mil MW) porem sem reservatórios. No passado o setor possuía reservatórios de regulação plurianual, hoje, com a implantação de hidroelétricas sem reservatórios e mais recentemente pelo forte desenvolvimento de usinas solares e eólicas, a falta de energia armazenada começa a ser sentida.
O planejamento do MME indica que de hoje para 2030, a geração hidroelétrica passara de 61% do total gerado para 49% e as energias intermitentes (solar e eólica) passarão de 14% para 27%. Portanto a necessidade de reservatórios de energia será crescente.
A necessidade global de redução de emissões e a redução dos custos das fontes solares e eólicas farão inevitavelmente que essa tendencia de crescimento da geração de fontes intermitentes se materialize e, no futuro, venha a ser dominante. Assim, o planejamento deve incluir armazenamento de energia para garantir a confiabilidade adequada. Hidroelétricas com reservatórios, ou mesmo reversíveis, e instalações de baterias ou outras formas de armazenar energia devem ser consideradas.
O planejamento futuro deve considerar no lado da oferta os compromissos de redução da pegada de carbono que resulta no uso de fontes sem emissão de carbono e portanto renováveis. Isto resultara na implantação de fontes intermitentes e exigirá investimentos em armazenamento de energia.
No lado do consumo o planejamento deve considerar os compromissos de transformação de outros setores de fontes fosseis para fontes renováveis. Isto implicará em novos usos da eletricidade, sendo um dos mais significativos a mobilidade humana. Assim eletricidade seguramente será o combustível para veículos, tanto automóveis como motocicletas, motonetas, veículos de carga leves, ônibus, e até caminhões. Essas cargas adicionais poderão representar aumento considerável para o setor. Para dar uma ideia de grandeza, o Brasil possui hoje registrados um pouco mais de 58 milhões de automóveis. Caso todos esses automóveis fossem elétricos isso representaria um consumo de ao redor de 127.636 GWh/ano, quase 90% do consumo residencial no Brasil ocorrido em 2019.
Isto além de representar um desafio, pode também representar uma oportunidade. A necessidade de implantar armazenamento de energia e ao mesmo tempo implantar uma modificação da indústria automotiva, permitiria ao Brasil incentivar a criação de fabricas de baterias, elemento básico do custo dessas duas áreas.
O desafio é grande mas poderemos enfrenta-lo se nos prepararmos. Ou continuaremos a encontrar desculpas no clima e a importar tecnologia.