Silvia Caetano

Sem fumaça branca na Espanha

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LISBOA – A Espanha está novamente no olho do furacão. Arrisca-se a permanecer sem governo efetivo até o final do ano. O PSOE, do primeiro ministro socialista, Pedro Sánchez, ganhou as eleições de abril passado, mas não obteve a maioria de 176 deputados para garantir sua investidura como chefe de Governo na votação do próximo dia 23, pelo Congresso de Deputados. Os socialistas elegeram apenas 123 e correm o risco da convocação de novas eleições, a quarta em menos de quatro anos, mas antes Sanchez ainda terá a chance de voltar a tentar.

A maioria dos espanhóis parece saturada com o mundo político. Pesquisas indicam que a política e os partidos já são considerados como o segundo maior problema do país, depois do desemprego, ainda alto embora a economia venha crescendo. Pedro Sanchez venceu as eleições com apoio das esquerdas, embora soubesse que seria mais fácil governar numa linha central. Tentou, mas não conseguiu pactuar com os Cidadãos de Albert Rivera.

A resistência à arte do pacto é uma marca histórica na política espanhola, o que dificulta a formação de coligações nacionais. Rejeitado pelos liberais, num primeiro momento, Pedro Sánchez afirmou que governaria sozinho. Ninguém levou a sério porque isso o levaria a governar aos trancos e barrancos, obrigado a negociar e, certamente, a ceder a chantagens de todo tipo sempre que quisesse aprovar algo no Parlamento.

Ele então voltou-se para a esquerda, buscando atrair os Unidos Podemos (UP), de Pablo Iglesias. As negociações não correram bem. Pedro Sánchez ofereceu uma espécie de “geringonça” portuguesa, na qual o Podemos participaria da sua administração, mas mandaria quase nada. Ou seja, alguns ministérios técnicos, excluindo suas principais figuras políticas, mas não pastas de comando. Em Portugal, os socialistas são apoiados pelos comunistas, Bloco de Esquerda e o Pan, mas nenhum deles participa do governo.

Iglesias rejeitou a oferta afirmando que a Espanha precisa de um governo de coligação de esquerda. Ele quer ministérios na proporção dos votos do Podemos. Até aqui não resultou. E então, abandonou, ou suspendeu, as negociações afirmando que seu partido votaria contra a investidura de Sanchez. Mas como não é nada bobo, saiu de campo anunciando que antes consultaria sua base de 190 mil militantes sobre como o partido deve votar no debate sobre a investidura nos próximos dias 22 e 23. Sánchez o acusa de farsa numa estratégia de ganhar tempo para tentar que o PSOE flexibilize sua posição.

Ambos necessitam um do outro. Pedro Sánchez precisa ser investido. Não pode chegar ao final do ano sem governo. O país não pode continuar sem Orçamento, sofrendo pressão de Bruxelas. Já Iglesias luta para conter o declínio do Podemos. Quer lustrar a imagem do seu partido, aumentando seu poder de atração, o qual vem se esfacelando desde que se afastou de uma linha mais populista, unindo-se aos comunistas. E nada melhor para ajudá-lo do que participar do governo do PSOE, o que Sánchez teme com receio de ter sua administração bloqueada pelo Podemos.

Estão num beco sem saída. As lâminas das suas espadas já não cortam. Cada um, à sua maneira, tenta contornar a posição do outro. Com sua popularidade crescendo mais de 10% desde as eleições de abril, mas insuficiente para governar sozinho, Sánchez ameaça com o extermínio do Podemos caso seja obrigado a convocar eleições antecipadas, embora isso represente para ele uma derrota. Se for inevitável, o ideal dos socialistas seria que os PP e os Cidadãos se abstivessem no novo pleito, o que não é provável acontecer.

Por seu lado, Iglesias recolhe provisoriamente as armas, adotando posição mais contida. Por enquanto, esconde debaixo do tapete as divergências com os socialistas, entre elas a reivindicação do referendo catalão. O problema é que ainda em outubro o Tribunal emitirá a sentença sobre os catalães presos e exilados. Ou seja, mais confusão pelo caminho, sem sinal de fumaça branca.

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