São Paulo e as dores de ser o que é

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Usando um trocadilho polissêmico, poderia se dizer que São Paulo é igual livro de matemática. Onde a gente olha tem problema. Nas publicações didáticas as soluções são lógicas, com fórmulas comprovadas e respostas para serem consultadas. Na cidade não há receita com sucesso garantido.

Não é para menos. Um aglomerado urbano com 11,5 milhões de pessoas que, conurbado, passa dos 20 milhões — 10% do País morando nas 39 cidades da Grande SP —, não tem este tamanho impunimente. Outras metrópoles sofrem a mesma consequência.

Em um dia típico 7,2 milhões de passageiros farão 162 mil viagens nas 1300 linhas de ônibus, que percorrerão 2,3 milhões de quilômetros, equivalente a 58 voltas no planeta. Nas escolas municipais, um milhão de alunos terão aulas. Na rede pública de saúde serão feitos mais de 130 mil atendimentos. Na limpeza urbana, 1500 viagens de caminhão recolherão de 12 a 15 mil toneladas de lixo.

Faça chuva ou sol, falhas comprometerão, injustamente, a imagem do todo, como se 100% dos serviços públicos fossem ruins, sem considerar o tamanho e as interfaces desse complexo sistema. Não há neste argumento qualquer isenção de responsabilidade. Tratar os serviços, mormente os sociais, sob a ótica de atividades privadas e/ou em análises rasas, contudo, sequer contribui para o debate sobre o que efetivamente precisa ser feito.

Uma das imagens mentais mais comuns lembra que a gestão das cidades é como o jogo do cubo mágico: não dá para mexer em um lado e não alterar os outros.

Pegando o exemplo dos ônibus, são consumidos diariamente 1,1 milhão de litros de óleo diesel. A externalidade negativa é a poluição, não considerada quando da substituição da propulsão do modal, mas hoje tema imperativo. Como solução a cidade está em processo de substituição da frota por veículos eletrificados. Uma mudança nos transportes que impactará no clima e, assim, na qualidade de vida.

Na educação, São Paulo zerou a fila dos atendimentos da primeira infância. O ex-prefeito Bruno Covas lembrava ser esta a nova fronteira na luta pela redução das desigualdades. Cerca de 330 mil bebês e crianças são beneficiados pelo Programa Leve Leite, por exemplo, o que contribui para o desenvolvimento e ajuda no orçamento das famílias que mais precisam. A oferta de vagas libera os pais para outras atividades, laborais por exemplo. As creches impactam o mercado de trabalho, a renda e o consumo.

Na Saúde, São Paulo foi reconhecida como a capital mundial da vacina, no triste período de enfrentamento da covid, justamente pela eficiência de seu sistema — somente as Unidades Básicas de Saúde (UBS) são 470 endereços, número que coincide com a idade que a cidade completa em 2024.

São todos exemplos concretos, rotineiros, que ilustram o vigor da cidade e a proporção de seus desafios. Não por outro motivo, São Paulo é admirada por quem mora em outras cidades e estados. Os mais de 16 milhões de turistas anuais não são atraídos pelos problemas — a capital é o principal destino nacional.

No último século e meio a cidade cresceu principalmente pela chegada de brasileiros de todos os estados e imigrantes estrangeiros — os primeiros japoneses há 115 anos, os italianos há 150 — hoje esse amálgama social é justamente um dos grandes atrativos. Se já não vêm em busca de uma nova vida, como no passado, os que chegam hoje como turistas e visitantes se enxergam em São Paulo — e gostam.

Nem os apelidos do passado podem ser aplicados: “selva de pedra” e “terra da garoa” não combinam com São Paulo e dizem pouco. O processo de impermeabilização do solo pelo espraiamento urbano mudou o regime das chuvas, por um lado, e mesmo com a perda de áreas verdes, a cobertura vegetal da cidade está em 54% — somente árvores em ruas e praças são 650 mil.

Nos grandes parques e áreas de proteção ambiental, com destaque para o extremo Sul, onde fica o Polo de Ecoturismo, São Paulo preserva sua face mais natural — incluindo áreas indígenas demarcadas — ao ponto de, em dezembro, a imagem de uma onça pintada ter sido captada por câmeras de monitoramento na porção paulistana do Parque Estadual da Serra do Mar. Chegar aos 470 anos com faces surpreendentes e positivas não elimina ou resolve os problemas, assim como não reconhecer e valorizar o que tem de bom é injusto com a cidade e os moradores que a fazem todos os dias.

Gustavo Pires é presidente da SPTuris, empresa da Prefeitura de São Paulo.

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