EDUARDO OINEGUE

Renovação no Congresso Nacional? Esqueça

acessibilidade:

Sabe o dado segundo o qual, em média, metade da Câmara dos deputados se renova a cada eleição? Esqueça. A renovação real é uma fração mínima disso. Peguemos a eleição de 2014. Dos 513 deputados eleitos naquele ano, 290 já integravam a legislatura anterior, montada em 2010, e se reelegeram. Os outros 223 deputados compõem o tal índice oficial de renovação da Câmara, que em 2014 foi de 43,5%. Mas novo ali, como se verá, são só 24 – 4,7% da casa.

Dos 223 “novos”:

– 27 já estiveram na Câmara em algum outro momento, como Benito Gama (PTB-BA), que exerceu quatro mandatos anteriores. Foi deputado constituinte, por exemplo, e, em 1992, presidiu a CPI que culminou com o impeachment de Fernando Collor. Em 2013, fora do parlamento, virou vice-presidente de governo do Banco do Brasil. Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) é outro caso. Foi deputado federal, deputado estadual, prefeito do Recife duas vezes, senador e governador. Em 2010, disputou o governo de Pernambuco e perdeu. Daí ter voltado só na última eleição. Benito Gama e Jarbas Vasconcelos são novos?

– 119 nunca foram deputados federais, mas possuem experiência eleitoral. Foram vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores ou senadores. Um terço havia vencido ao menos duas eleições antes de 2014. O deputado “estreante” Alfredo Nascimento (PR-AM) foi 2 vezes prefeito de Manaus e senador da República. De quebra, foi secretário municipal duas vezes, estadual duas vezes e ministro dos Transportes três vezes. Nascimento é novo?

– 20 nunca tiveram um cargo eletivo, é verdade. Mas ocuparam postos de primeiro escalão no governo. Presidiram autarquias, estatais ou foram secretários municipais e secretários estaduais, trampolim para a carreira política. É o caso de Alexandre Baldy (PP-GO), que foi secretário da Indústria e do Comércio em seu estado antes de se eleger, e atualmente ocupa o Ministério das Cidades de Temer. Baldy é novo na política?

– 33 são parentes de políticos, como Uldurico Junior (PPL-BA), o deputado mais jovem da Câmara, que é filho, sobrinho e neto de deputados federais. Ou Pedro Cunha Neto (PSDB-PB). Seu pai é senador, foi prefeito (3 vezes), deputado federal (2 vezes) e governador (2 vezes). Seu avô paterno, já falecido, foi vereador, prefeito (2 vezes), deputado federal, governador e senador. Ainda pelo lado paterno teve um tio-avô senador. Pelo lado materno, seu bisavô foi prefeito e há ainda um parente que foi governador, ministro de Estado e senador. Dois primos seus são deputados estaduais. Uldurico Junior, 26 anos, e Pedro Cunha Lima, 29, são jovens. Mas novos?

Dos 223, restam 24 deputados que não se encaixam nas 4 categorias acima e podem ser considerados novos. Representam 4,7% da Câmara, não 43,5%. Desses, 9 se elegeram pela base religiosa (6 evangélicos e 3 católicos) e 5 são ex-policiais (4 PMs e 1 delegado). Há ainda 2 apresentadores de TV, 2 empresários, 2 advogados, 2 médicos, 1 cantor (Sérgio Reis) e 1 cartola (Andres Sanchez).

No Senado Federal, a conta se radicaliza. Em 2014, a eleição colocou em disputa um terço da casa. Cinco se reelegeram e 22 vieram “de fora”. O índice oficial de renovação, calculado sobre a base total de senadores (81) foi de 27,2%. Dos que vieram de fora, 1 foi vereador, 2 são ex-senadores, 4 chegaram a governador, 4 a prefeito e 10 a deputado federal. Resta 1 realmente novo: o advogado Lasier Martins (PSD-RS), popular no Rio Grande do Sul por seu trabalho de quase 30 anos como âncora e comentarista na TV. Lasier representa 1,2% do Senado. Como se vê, é mais fácil um camelo, aliás, toda uma cáfila passar pelo buraco de uma agulha do que um candidato novo entrar no Congresso Nacional.

Eduardo Oinegue, jornalista, é consultor de empresas, palestrante e colunista do Grupo Bandeirantes de Radio e Televisão.
Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.

Reportar Erro