Que não se perca a temporalidade
Estou convencido de que o pânico e a incerteza fazem com que algumas pessoas tenham uma espécie de apagão temporal. Não se deve esquecer que o velho tempo representa uma variável conhecida. Tem sua dimensão, sua ordem natural, seu grau de precisão.
Dois aspectos relevantes, perfeiramente associados ao clima de pânico que paira no ar, têm sido bem evidenciados. Embora ambos tenham lá suas conexões, um trata da má percepção estatística dos números da contaminação do coronavirus frente a outras pandemias. O segundo é sobre a impaciência de se entender o “lockdown” e seus efeitos econômicos, como se o efeito de preservar empregos e rendas seja algo mais importante do que o de poupar vidas. E enquanto não se olha para o tempo como variável determinante dessas situações individuais, perde-se muito o tempo por agir e fazer, sobretudo, porque a obsessão eleitoral descabida dos lideres políticos contamina mais que o vírus.
Antes de se analisar esses pontos, é importante aqui não se distanciar da percepção de que a pandemia é algo muito grave, de sorte que o ineditismo e baixo conhecimento a seu respeito transformou a situação num verdadeiro pandemônio. Isso não só pelas razões da morbidade em si, como pelas terapias não convencionais que têm sido capazes de promover um tsunami econômico. Um fato difernciado, talvez só igualável aos registros históricos do “crack” de 29 e da II Guerra. Nada, porém, que essas lições não possam ser contempladas como experiências válidas, para efeito da adoção de armas semelhantes (e aperfeiçoadas) de combate.
O primeiro ponto da análise que remete à questão do bom uso da “variável tempo” é a falha interpretativa de algumas estatísticas. Estão enxergando lobos onde há cães. Comparar, sem ir a fundo nos números, os resultados da gripe suína da década passada, com a tendência dos números atuais do coronavirus, pode induzir a erros crassos de interpretação.
Os primeiros contágios confirmados da gripe suína se deram em abril/maio de 2009. O total apresentado foi o registro dos casos da doença daí até dezembro daquele ano. Incluso o número de óbitos contabilizados.
Ou seja, ao se inserir a questão temporal na análise, percebe-se que são estatísticas consumadas ao longo de sete meses de gradual contaminação. Nesse sentido, o gráfico representa uma curva bem mais distribuída ao longo do período analisado. Certamente, que uma situação que foi razoavelmente acolhida pelo sistema de saúde, sem evidências de grandes colapsos.
Por outro lado, o caso que agora se vivencia com a propagação promovida pelo coronavirus é algo estatisticamente diferente. O comportamento gráfico da curva tem um caráter exponencial. Provável e infelizmente, aqueles números da gripe suína poderão ser alcançados num prazo de tempo bem menor. Talvez até em menos de 30 dias. E nesse ritmo, atingir-se-á em breve o que o bravo Ministro Mandetta chamou claramente de “colapso do sistema”.
Assim, tecnicamente falando, são situações estatísticas bem diferentes. Não se trata de comparar números atuais de um caso em evolução e de contágio fulminante, com outro observado, de contágio retardado, mesmo que de letalidade maior. A questão que se coloca é a capacidade de resposta do sistema de saúde, pois se não houver mecanismos de controle, certamente que essa letalidade irá aumentar em todas direções, inclusive, nos grupos de menor risco. E trazendo aqui, de volta, o vetor temporal, nessa proporção de crescimento dos contágios, o risco de se ter ANTES mortos, do que desempregados ou famintos será maior.
Ao se por acima a evidência social do desemprego e até da fome, tem-se aqui a outra análise que propus apresentar. O tema que traz à tona essa preocupação social deriva dos efeitos econômicos adversos promovidos pela emergência do “lockdown”.
É claramente evidente que a economia já sinaliza em todo mundo para um retrocesso. E no Brasil não será diferente. Diante da certeza desse fato, não ha razão para se postergar estratégias econômicas anti-cíclicas, assim como estabelecer limites para a própria paralisação. Mais uma vez, a “variável tempo” tem seu valor evidenciado, nas duas situações.
Em primeiro lugar, enquanto crescem os registros de avanço do corona e se estabelece a reclusão civil como antídoto, este é o tempo para se estruturar “nosso Plano Marshall”, de se criar e inovar na preparação das medidas de socorro indistinto a todos agentes econômicos. Há tempo e condições para isso, entre medidas fiscais, monetárias e crediticias, ao alcance das autoridades. Para se adotar um plano emergencial por certo periodo (eis o tempo, de novo), existem recursos e formas de manejo disponíveis no próprio orçamento público, até então em baixissima execução. Por mais ultraliberal que seja a equipe, a hora é de mirar no receituário keynesiano, que está aí ao alcance e que precisa ser agilizado.
O segundo aspecto a considerar, enquanto etapa de planejamento, talvez seja o do tempo mais oportuno para: i) definir o limite do isolamento como o ponto do inicio da desaceleração dos contágios; e ii) implemetar as medidas de salvamento planejadas. Ou seja, é preciso se deixar evidente que haverá o tempo certo de se retomar a normalidade cotidiana e diante de um aparato público de proteção que suavize o drama social da crise.
Em suma: tempos de tamanha adversidade precisam de ações firmes…e no tempo certo.