Armando Ribeiro Araújo

Privatização da Eletrobrás

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Pelo envio de uma Medida Provisória (MP-1031-2021) o governo anunciou que decidiu privatizar a ELETROBRAS.

Esse assunto já vinha sendo tratado na sociedade e consequentemente motivo de discussões com foco em dois aspectos: (a) privatizar ou não; (b) como privatizar.

A ELETROBRAS, queiram ou não, teve papel muito importante no desenvolvimento do setor elétrico nacional. Somente depois da sua criação (com a contratação do consorcio CANAMBRA) o Brasil teve seu primeiro planejamento do desenvolvimento do sistema elétrico. Foi a ELETROBRAS também a gestora dos sistemas de planejamento coordenado (GCPS) e da operação interligada de sistemas (GCOI). A ELETROBRAS foi também o braço do governo a promover investimentos e dar garantias aos empréstimos dos Bancos Multilaterais, tanto para empresas federais como estaduais.

Assim, aqueles que acreditam que o governo deve investir em infraestrutura, são contrários a privatização.

No entanto, o mundo mudou e hoje existem vários investidores e fundos de recursos (como fundos de aposentadoria) interessados em investir em infraestrutura.  Além disso, os montantes necessários já exigiram a abertura do setor para esses investidores. Por outro lado, a situação financeira da ELETROBRAS não tem permitido manter um ritmo adequado de investimentos o que tem resultado na progressiva redução de sua participação no setor. Assim na área de geração ela tinha uma participação de 34% em 2011 que deverá se reduzir para 24% em 2024; e em transmissão igualmente de 52% em 2011 para 39% em 2024.

Portanto a discussão sobre a privatização saiu do campo econômico e passou ao ideológico.

O outro aspecto é como privatizar. A maneira de privatizar a ELETROBRAS tem consequências não somente econômicas, mas de reflexos que podem comprometer o funcionamento futuro do setor elétrico. Porque?

Porque seria diferente privatizar a ELETROBRAS comparado com outra estatal, uma siderúrgica, por exemplo?

O risco está na dominância dos ativos da ELETROBRAS. O risco dos novos donos se tornarem um monopólio real. Detalhemos a dominância da ELETROBRAS hoje existente.

A ELETROBRAS é líder em geração de energia elétrica no Brasil, com participação de cerca de 1/3 do total da capacidade instalada do país. É também, a maior empresa brasileira de transmissão de energia elétrica, responsável por mais da metade das linhas com tensão maior ou igual a 230 kV no país. Possui várias subsidiarias (como Furnas, CHESF, Eletronorte, CGT Eletrosul) com participação acionaria superior a 99% em cada uma delas.

Portanto, os novos acionistas da nova Eletrobras terão uma dominância no setor. Apesar da MP proposta pelo governo tentar diminuir esse poder, ele existirá. E isso pode resultar em um poder de monopólio real inibindo a competição e racionalidade de custos e preços.

Portanto, o modelo a ser adotado para a privatização da ELETROBRAS não deve ser gerar caixa para tentar minimizar déficits fiscais, como o proposto na MP já referida. Isso seria um erro. O setor (e o país) pagariam caro no futuro.

Antes de discutirmos sobre a necessidade de um modelo adequado para essa privatização, faremos algumas poucas observações sobre a proposta consubstanciada na MP 1031-2021.

O modelo proposto pelo governo é de capitalização e na MP foram incluídos vários aspectos que, na realidade, não deveriam ter sido por se destinarem a outras finalidades.

Como primeiro ponto, a MP cria uma serie de Fundos Regionais para as bacias da área da CHESF, da área de Furnas e da Amazônia criando transferência de recursos por 10 anos para a nova ELETROBRAS com a responsabilidade de implementar os programas associados a esses fundos. Isso seria uma distorção. Criaria um processo complexo e arriscado. Adicionalmente, não estão definidas as condições de extinção das outorgas, da encampação das instalações e das indenizações. Também não existe definição de como seria feita a cisão dos ativos de Itaipu e Eletronuclear.

O segundo ponto se refere a tarifas. A MP aumenta significativamente o volume de recursos para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e reduziria o encargo social pago pelas distribuidoras de energia. Cria compensação por subsídios para reduzir as tarifas.

No governo Dilma já tivemos a tentativa de “magica” para reduzir tarifas artificialmente. Vamos repetir?

O terceiro ponto se refere ao próprio valor liquido da capitalização. O que o modelo proposto indica é o interesse do governo em fazer caixa para ajudar no déficit fiscal. Porem com a proposta somente metade do valor líquido obtido com a capitalização iria para a União visto que a outra metade seria para os aportes a CDE por trinta anos.

Outra oportunidade perdida refere-se ao CEPEL. A MP mantem o CEPEL na mesma forma hoje existente e determina a manutenção do pagamento das contribuições associativas ao CEPEL, pelo prazo de quatro anos, contado da data da desestatização.  Com a privatização da ELETROBRAS poderíamos reformular completamente o sistema de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do setor. Esse sistema tem se mostrado ineficiente e uma perda de recursos.  O CEPEL poderia ser transformado em uma agencia de pesquisa (um instituto) mantido por participação de TODOS os agentes do setor (geração, transmissão e distribuição) modificando-se a atual obrigação de cada empresa investir em seus programas próprios de P&D fiscalizados pela ANEEL para uma participação anual das mesmas no Instituto CEPEL. Esse instituto poderia ser gerido por representantes das empresas e focar os trabalhos de P&D em atividades recomendadas por um painel de especialistas. Algo similar ao feito no Edson Electric Institute dos EUA.

A MP também recomenda criar uma estatal para manter sob o controle da União a operação de usinas nucleares e para manter a titularidade do capital social e a aquisição dos serviços de eletricidade da Itaipu Binacional. Seria realmente necessário? Não seria possível a união manter esses controles por meio dos seus representantes nos Conselhos de Administração dessas entidades?

Em conclusão, e considerando todas as observações já aqui referidas, julgamos que essa privatização necessita inicialmente de uma analise aprofundada e desenvolvimento de uma modelagem para ser efetuada.

Armando Ribeiro de Araújo é carioca, Engenheiro Eletricista formado pela UFRJ com Mestrado pelo Illinois Institute of Technology e Doutorado pela Universidade Federal de Itajubá.  Tem 55 anos de experiência profissional com atuação no Brasil e em vários países.  Atualmente é Consultor Individual com contrato com o Banco Mundial e outras entidades.

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