Ney Lopes

Presidente Bolsonaro, moeda única e América Latina

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O presidente Bolsonaro lançou, em visita recente a Argentina, a proposta de criação de uma moeda única no MERCOSUL. Por ter militado anos no Parlamento Latino Americano (PARLATINO), instituição que presidi, enxergo na declaração do Presidente, uma “luz” acesa, que poderá despertar o seu governo para uma questão que vai além da criação de uma moeda única na região. Se isso acontecer, o Presidente Bolsonaro assumiria, sem dúvidas, posição de estadista, no cenário latino-americano.

Trata-se, apenas, do cumprimento do artigo 4°, parágrafo único, da Constituição, o que não foi respeitado por nenhum Presidente da República, após 1988. Diz a Lei maior: A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Falta na América Latina uma voz politicamente credenciada para fortalecer a região em relação às turbulências políticas, sociais e econômicas. Não se trata de copiar a Comunidade Europeia. Seria transformar a América Latina numa região, onde todos falem em conjunto, e não isoladamente, no sentido de lutar pela eliminação da pobreza, das desigualdades, da estagnação.

Esse Ideal seria atingido com a formação de uma “Comunidade Latino Americana de Nações”, como preconiza a nossa Constituição e nada teria a ver com movimentos puramente ideológicos do passado, tais com a Unasul, Fórum de São Paulo e outros, que não assumiram compromissos democráticos e deturparam a integração.

Uma das inspirações seria o simbolismo histórico das ações de Duque de Caxias, que se firmou menos como guerreiro e mais como pacificador, arquiteto da unidade nacional, ao longo do Segundo Reinado.

Até hoje, em termos de ações dos governos realmente democráticos na América Latina, está faltando àquela priorização que JK teve no Pan-americanismo. Juscelino lançou, na década de 60, as bases para uma integração das Américas.  Chegou a hora do governo brasileiro convocar as nações e mobilizá-las em torno da meta de criar a Comunidade Latino-Americana de Nações.

O objetivo do PARLATINO, desde a fundação em 1964, é a formação dessa Comunidade. Em março de 2004 participei em Puebla, México, de reunião parlamentar conjunta com europeus e latino-americanos, quando encaminhei a proposta de consolidação da “Comunidade Latino Americana de Nações (CLAN)”.

Em maio do mesmo ano (2004), em Guadalajara (México), por designação do senador Enrique Jackson, então Presidente do Senado do México, entreguei as conclusões finais da reunião anterior de Puebla, aos chefes de governo da América Latina e da Europa, ali reunidos. Em decorrência, o PARLATINO recebeu a delegação de elaborar a “minuta” de criação da Comunidade Latino Americana de Nações, o que foi feito à época. Participei da comissão designada para esse fim.

Recordo o momento de alegria que vivi no dia 8 de novembro de 2006, quando assinei no plenário do Parlamento Europeu, em Bruxelas, a ata de fundação da Assembleia Parlamentar Euro-Latina Americana, juntamente com os presidentes do Parlamento Europeu, Deputado Jose Fernando Duque Fontelles; Andino, senador Luis Fernando Duque Caxias e Centro americano, deputado Guillermo González Gamarra.

Fui eleito para a primeira co-presidência, juntamente com o eurodeputado José Ignácio Salafranca (Espanha).

Honrado para falar em nome dos presentes destaquei que a missão prioritária seria a criação da Comunidade Latino-Americana de Nações.

A Assembleia é composta por 120 parlamentares, sendo 60 membros eleitos pelo Parlamento Europeu e outros 60 eleitos entre os parlamentos da América Latina e Caribe.

Essa Assembleia Parlamentar, que funciona até hoje, tem o objetivo de promover e aprofundar os processos concretos da Associação Estratégica Biregional, com base em três vertentes: (1) questões ligadas à democracia, política exterior, governabilidade, integração e paz; (2) assuntos econômicos, financeiros e comerciais; e (3) assuntos sociais, intercâmbios humanos, meio ambiente, educação e cultura.

Cabe observar que, a exemplo da União Europeia, a Comunidade Latina terá caminho a percorrer.  Na Europa, o primeiro passo ocorreu em abril de 1951, com a Comunidade do Carvão e do Aço.

Em 1993, a aprovação do Mercado Único consagrou as liberdades de livre circulação de mercadorias, de serviços, de pessoas e de capitais (Tratado de Maastricht). Desde o início, a Comunidade Europeia justificou-se pela defesa das commodities, nível de preço, condições de competitividade, direitos de propriedade industrial, etc, dos produtos europeus.

A Comunidade Latino-Americana de Nações faria o mesmo percurso no plano econômico, gerenciando, em grupo, o potencial de negociação econômica e comercial da América Latina.

Na época em que presidi o Parlatino mantive acordo de cooperação com o Parlamento Europeu e realizamos inúmeros eventos de estudos e análises. Com todos os percalços e críticas, a União Europeia trouxe resultados positivos e é responsável pela estabilidade institucional da Europa.

Uma pergunta remanesce: “O que falta para impulsionar a Comunidade Latino Americana de Nações, que pioneiramente a nossa Constituição já definiu em seu texto”. A resposta é única: vontade política.

A palavra final, de aceitar ou não essa tarefa, será do Presidente Jair Bolsonaro, cuja preocupação com a América Latina revelou-se, ao opinar sobre moeda única, que não é uma tese absurda, porém se insere na etapa seguinte do processo de integração.

O “ponta pé” inicial seria a “institucionalização” da “Comunidade”, através de tratados recíprocos, assinados pelos Chefes de Estado e ratificados nos Parlamentos.

Para que isso aconteça, só existirá uma única exigência: vontade política. Justamente, o que faltou até agora!

Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br

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