Maria José Rocha Lima

Presidencialismo de coalização, democracia à brasileira

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Em 2016, o presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), Leonardo Avritzer, apontou os graves problemas estruturais do sistema político brasileiro, especialmente o chamado presidencialismo de coalizão, que significa “a criação de apoio no Parlamento em troca de nomeações e cargos no Executivo pelo presidente da República”.

Esse modelo de presidencialismo  tem importantes repercussões nos estados e municípios da Federação, implicando na desfiguração cada vez maior dos programas partidários e posicionamentos ideológicos. Recentemente, pudemos observar esse fenômeno ao estudar a implantação do Piso Salarial Profissional Nacional dos Professores, em municípios brasileiros. As coligações beiram o desvario, a insensatez.

O cientista e professor titular de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autor de “Impasses da democracia no Brasil”, afirma: “Essa limitação do modelo precisaria ser tratada por uma reforma política que incluísse a redução de partidos com representação no Congresso”.

O autor afirma que esse modelo “tem um efeito desorganizador na administração pública, quando não o efeito de práticas corruptas”. Embora muitos afirmem que a Presidência de Coalizão produza governabilidade, não é verdade, porque os cargos são indicados segundo o tamanho da bancada, pela capacidade de votação e não pela habilidade de gestão. Para ele,  essa prática “produz governabilidade num sentido muito restrito. Abre caminho para práticas antirrepublicanas, ineficientes ou ilegais”.

Desde 1994, do governo de Fernando Henrique Cardoso para cá, contam-se centenas de ministros. Isto vem criando descontinuidade da administração pública.  A troca é generalizada. E o presidente da ABCP fez as contas: “Em seus dois mandatos, o ex-presidente Fernando Henrique teve 96 ministros de oito partidos. Os dois governos Lula foram 103 ministros de nove siglas. E Dilma Rousseff, mesmo em menor tempo — um mandato, mais três meses do segundo governo —, também somou mais de 90 titulares de ministérios”.

Para dar uma resposta aos problemas deste modelo de coalizão, o cientista entende que não serão suficientes as medidas de reforma política, como mexer no financiamento das campanhas e ter deputados eleitos por campanhas mais baratas.

Temos um sistema político muito fragmentado, e, desde os anos 1930, intensificou-se o tamanho dessa fragmentação. Seria preciso combater essa fragmentação com uma reforma política que incluísse medidas como a cláusula de barreira, que determine que partidos que não tenham um percentual mínimo de votos para a Câmara não possam ter representantes na Casa. Podemos dizer que, quanto menor o controle social, maior a tendência à ineficiência e à corrupção.

Desde a década de 50, observa o cientista, estabeleceu-se um tipo de relação entre empresas da área de infraestrutura com o Estado que foi se aprofundando. A modernização pela qual  muitos setores passaram no país não aconteceu com as empreiteiras. São empresas que não precisam ser eficientes, porque sempre há os aditamentos, os aditivos nos contratos com o poder público. Por que vão ser eficientes se há aditivos?

Há partido especializado na área de infraestrutura. Você constata a partir das pastas que ele tem ocupado ao longo dos anos: Transportes, Minas e Energia, DNIT, Portos. Mas é especialista na área não porque sabe como torná-la mais eficiente, mas, sim, porque é onde o partido consegue melhores financiamentos de campanha.

Muitos países europeus não adotam o menor preço para contratar empresas, e, sim, o preço médio, mas sem possibilidade de aditivos.  Em Portugal, o governo do Partido Socialista não tinha maioria no Parlamento. Ele criou essa maioria não distribuindo cargos, mas construindo pacto político, reunindo outros partidos com afinidade com o programa que o governo estava propondo. Nos Estados Unidos, também há pouca nomeação de cargos por parte de parlamentares.

No Brasil, o menor preço é uma ficção da Lei de Licitações, porque é o menor preço mais os aditivos. Esse modelo cria um perfil de Congresso, e a única medida de reforma política que conseguiu avançar foi o fim do financiamento privado para candidatos; para partidos, ele se manteve.

Essa lógica fisiológica não consegue imaginar como isso possa ser feito sem cargos em troca. Essa noção de coalizão baseada em cargos é brasileira. Essa é a diferença de se ter ou não um Parlamento com qualidade política.

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