Pedro Fernando Brêtas Bastos

POC, o meu amigo Paulinho

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Não gosto de escrever. Não sei escrever. Não me ajudam o que pedia o velho Camões, nos Lusíadas: “engenho e arte”. Acho que se alguma vez que escrevi alguma coisa de jeito foi quando fiz as provas do concurso vestibular para o Instituto Rio Branco, no século passado, em 1976. Entretanto, meu Amigo Cláudio Humberto insiste para que eu escreva para Diário do Poder. O que é de gosto regala a vida.

Guri entre amigos, ouvi de um deles a propósito de não sei o quê: “o Mundo vai acabar”.

Cheguei em casa e perguntei: “Mãe, é verdade que o mundo vai acabar?”

“- Bobagem, menino, o mundo acaba para quem morre”, me disse D. Alda

Nossa! Que alívio! Ela mesma diria mais tarde: “- Todos nós morremos, ninguém fica para semente.” Outro alívio. Não me via uma semente de qualquer planta.

Depois, ouvi de uma vizinha a profecia: “- De 1000 passará, de 2000 não passará.” Ou seja, o ano dois mil seria a data fatídica do fim do Mundo. Não me preocupei. Nos anos cinquenta, a data me parecia muito longe.

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Paulinho, o POC.

Meu amigo Paulinho (não o chamava de POC), meu colega na Embaixada do Brasil em Washington, 1981 a 1984, passou do ano 2000, mas não ficou para “semente”. Foi-se, ontem, e será cremado. Virará cinzas. Muito triste.

Depois de Washington, raríssimos foram os nossos encontros. Assim é a carreira diplomática. Passamos anos sem ver os amigos. Lembrei da frase do poeta e diplomata Vinícius de Moraes em seu “Samba da bênção”, composto com Baden Powell: – “A vida não é brincadeira, amigo. A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” E completava: “É melhor ser alegre que ser triste. Alegria é a melhor coisa que existe. É assim como a luz no coração.” Pouquíssimas vezes vi o Paulinho de perto para uma conversa descompromissada.

Minha relação com o Paulinho nunca foi profissional. Éramos colegas de Embaixada. Nosso papo não era de trabalho. Queria convencê-lo a ser corredor. Levei-o a uma loja em Georgetown para comprar um sapato de corrida (no Brasil, chamamos de “tênis”). E ele foi. Comprou. Não me lembro de o Paulinho ter corrido mais de duas ou três vezes comigo. Em todo caso ele tentou. Mas não pegou o vício da corrida, que me levou a correr três maratonas.

Paulinho tinha um cachorro dálmata. Meu primeiro filho, nascido em Washington, certa vez, na casa dele, abraçou o mansíssimo dálmata e mordeu levemente o bicho, que não reagiu. Paulinho riu da travessura do miúdo e da paciência do cão.

Não sei muito mais do que que dizer do Paulinho a não ser se quisesse escrever palavras, muitas vezes, falsas dos certos obituários. Repito o que sempre ouvi de colegas, com o que concordo – afirmo e dou fé. Era profissional sério, inteligente, responsável e dotado duma qualidade que considero fundamental, a lealdade.

Sigo então o conhecido aforismo do historiador romano Diógenes Laércio: De mortuis nihil nisi bonum. Dos mortos só falemos bem. Portanto, nada mais direi além.

O embaixador Pedro Fernando Brêtas Bastos é o chefe da Missão do Brasil junto à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Lisboa.

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