José Maria Couto Moreira

Passado e presente da Turquia

acessibilidade:

A lua crescente e a estrela em campo vermelho são os símbolos que recontam a história recente da Turquia e compõem seu estandarte, inspiraram a sua fundação, consolidação e, desde sua criação, impulsionam a exuberante República da Turquia.

Istambul, a antiga Bizâncio e outrora gloriosa Constantinopla, instalada na parte européia (antiga Trácia) e o restante em território asiático, na área também chamada Anatólia, divididas pelo estreito de Bósforo, onde Deus acudiu a predestinar aquela gente com um encantador e estratégico canal marítimo, é a antiga capital. Cidade glamurosa, que cedeu a Ankara a primazia de centro político e administrativo da Turquia, sem perder sua identidade construída ao longo de vinte e cinco séculos, apresentando-se como modelo de vida coletiva, em que o verde e a organização urbana revelam uma paisagem marcadamente europeisada. Ciosos de seu passado, os sítios e monumentos históricos da Turquia são eficientemente preservados de forma a mostrar ao visitante a epopéia de seu povo, cuja etnia sedimentou-se pela sucessão de inúmeras civilizações desde o período neolítico, a começar dos hititas até gregos e persas. Nos séculos XVI e XVII o então Império Otomano alcançou seu momento de mais extenso poderio territorial, mas suas ambições expansionistas foram combatidas por grandes alianças ocidentais. Ao participar da 1ª guerra mundial, após anos de declínio, ao império se impuseram divisões, as constantes do Tratado de Sèvres. A providencial ocupação grega de Izmir foi o estopim para o movimento nacionalista turco, liderado por Mustafa Kemal Asher (1881-1938, futuro Atatürk), que resultou na guerra da independência, com a vitória sobre armênios, gregos, ingleses e franceses, o que rendeu o reconhecimento pelo mundo da soberania do país. O pai dos turcos (Atatürk), como ficou designado Mustafa Kemal, é alcunha carinhosamente representativa do que foi aquele homem feito militar, intrépido, inteligente, sensato, intelectualizado, versado em matemática superior, tudo a merecer o respeito de seu povo por seus propósitos nacionalistas, que o concitou à independência e a dias melhores com a proclamação da república. A lição, os métodos, a personalidade e a lembrança daquele líder enérgico e patriota foram responsáveis pela manutenção de uma Turquia unida, vencendo golpes e conflitos internos que a conflagraram até 2002.

A Mesquita Azul, com seus característicos minaretes (torre alta e fina).

A Turquia de hoje desfruta de papel preponderante na economia européia e mundial, com seu complexo industrial ostentando em primeiro lugar a produção de veículos, seguido da manufatura têxtil e do couro, da agricultura e do turismo, este então em números crescentes por sua singularidade geográfica e belezas naturais, pelo interesse arqueológico e sobretudo por sua rica experiência arquitetônica, que se divide entre o requinte excessivo dos sultões vistos em mesquitas e palácios e as edificações de vanguarda encontradas em Istambul e Ankara.

A Turquia, desde a fundação da República, adota o presidencialismo com regime parlamentarista. Atatürk, como seu primeiro mandatário, permaneceu à frente do governo desde 1923 até 1938, e chefiou reformas fundamentais para o desenvolvimento do país. A abolição do sultanato, do califado e da poligamia representou um salto extraordinário, não de ocidentalização, mas de fundamentos éticos indispensáveis para a conversão do país rumo a uma democracia deselitizada e ao desenvolvimento. Adotou o calendário gregoriano. Contudo, a reforma de maior ênfase e que mais exigiu de seu povo foi a intervenção na língua, que adotou o alfabeto romano com a supressão dos antigos caracteres, empregando, compondo e substituindo os sons da língua viva, então praticada, pelos efeitos sonoros do abecedário que mais se aproximassem do linguajar reinante. Este feito é extraordinário. Além de acelerar a alfabetização, que à época era inquietantemente reduzida, Kemal enxergava como ponte de maior proximidade com o mundo e com a economia aquela que devia inserir a utilização da soletração latina, distante do Corão, mesmo porque a República da Turquia é declaradamente laica. Muitos podem atribuir como ditatorial o exercício do poder por longos anos, mas Kemal, para quem conhece os corredores de seu majestoso mausoléu, que recapitula sua vida heróica, erguido em Ankara, especialmente a ala que abriga sua requintada biblioteca pessoal, se impressiona com o apuro de seus títulos – mais de 20 mil volumes – e entende melhor o fenômeno do despotismo esclarecido, exercido energicamente por aqueles monarcas iluministas que provaram ao mundo o predomínio da razão.

O sangue derramado pelos turcos, sob a liderança respeitada de Mustafa Kemal, esvaiu-se pela causa da nacionalidade que rendeu a independência, a unidade territorial, e uma nova ação política e econômica, projetando a nação para uma vida moderna, surgida das cinzas do Império Otomano, e que hoje impõe-se no concerto mundial.

Louvemos, entre os pensamentos e lições deixadas pelo admirável líder turco, que bem demonstra sua inclinação pacifista, o enunciado que se tornou lema nacional da República da Turquia: paz em casa, paz no mundo.

José Maria Couto Moreira é advogado.

Reportar Erro