Os contrailuministas

Lisboa – Num dos seus famosos discursos, o ultimo Presidente da República espanhola, eleito antes da guerra civil de 36, Manuel Azaña, conceituado intelectual e escritor, deu o seguinte conselho aos espanhóis, que deveria ser seguido pelo capitão Bolsonaro e algumas personagens do seu governo: ”Se em Espanha as pessoas só falassem do que sabem, far-se-ia um precioso silêncio para se poder estudar”.

Educação e cultura escasseiam no país e nos centros do poder.Algumas das principais lideranças do governo brasileiro são apenas” aspites”, assessores de palpites e de proselitismos, mas sem nenhum saber. Pode parecer démodé,mas a pandemia que assola o mundo pode levar as pessoas mais esclarecidas a reafirmar os princípios do Iluminismo,adaptando-os aos dias de hoje.

Nunca como agora, razão, ciência, humanismo e progresso, tornaram-se tão necessários. Falta tudo isso à maioria dos políticos e dirigentes brasileiros. Por oportunismo ou por  partilharem das crenças do seu capitão Presidente, alguns foram colocados em posições estratégicas para o desenvolvimento do país onde jamais poderiam estar. Desqualificados, desprovidos de conhecimentos científicos, solidariedade, noção de progresso sustentável e, sobretudo, de juízo, buscam posicionar o pais na vanguarda do atraso.

Desnecessário nomear os que estão sentados em alguns ministérios, defendendo teses absurdas sobre o formato da terra, o meio ambiente, a educação e muitas outras questões do interesse da população. Todas sem bases na razão,na ciência  e incapazes de alavancar o progresso do país.Será que ,quando a crise passar e o vírus for bloqueado por alguma vacina,os brasileiros continuarão a  apoiar e a votar neste tipo  de gente sem estatura moral ?

Como é possível aceitar que o capitão Bolsonaro, sem nenhuma instrução que o capacite a governar, muito menos na área da saúde, preconize, num país laico como Brasil, jejum religioso e medicamentos sem efeitos comprovados pela ciência para ajudar na cura do coronavírus? O governo retrocede aos tempos anteriores ao Iluminismo, quando os povos recorriam aos geradores de ilusão, como a fé, leituras dos astros, misticismos, sacrifícios de animais e bruxarias.

Com enormes riscos para agravar a crise, o capitão quer por que quer impor medicamentos à população. Também insiste em adotar seu modelo próprio de isolamento social vertical, ainda não testado em nenhum país do mundo.

O governo socialista de Portugal atua na contramão do” cientista” brasileiro. E tem sido elogiado  como uma “exceção” latina no sucesso ao combate do vírus.A explicação é simples.Decide-se com base na ciência e na razão.Além disso,os portugueses obedecem a um confinamento horizontal rigoroso.

Situado nos dois últimos terços do século XVIII, embora tenha se originado da Revolução Científica e da Idade da Razão no século anterior, o Iluminismo brotou da confrontação da sabedoria convencional da época com as contestações da ciência. Frente aos banhos de sangue causados pelas guerras religiosas, os iluministas buscaram uma nova compreensão da condição humana, de onde surgiram seus princípios, sendo a razão a principal.

Eles exigiam a aplicação do critério da razão para entender o mundo, em vez de recorrerem às crendices, visões, intuições e análises interpretativas dos textos religiosos, tão em voga no Brasil bolsonarista, com sua atuante bancada evangélica. Para os iluministas, a razão era inegociável.

As respostas às questões que lhes eram colocadas deveriam ser sensatas, justificadas e verdadeiras. Quem acreditasse nelas,estava comprometido com a razão e com a avaliação das suas crenças segundo critérios objetivos.Foi a libertação não só da ignorância como do terror.

Em 1784, o filósofo Immanuel Kant escreveu ensaio com este título, afirmando que o Iluminismo “é a saída do ser humano da menoridade que ele próprio é culpado”, de sua submissão” preguiçosa e covarde” aos” dogmas e fórmulas” da autoridade religiosa ou política.

As palavras de Kant continuam atuais no Brasil de hoje, embora de difícil aplicação face às desigualdades sociais, à falta de educação, de saúde e de condições dignas de vida para a maioria da população, que ,dessa forma ,continua submetida aos contrailuministas que ocupam o poder central.