Os Bórgias, o anti-lavajatismo e a PEC do CNMP

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César Bórgia foi um homem à frente do seu tempo. Inspiração para a obra O Príncipe, de Maquiavel – considerado o pai da ciência política moderna – nasceu na Itália enquanto a Europa ainda vivia o brilhantismo renascentista e a Igreja Católica erguia seu vasto poderio político e espiritual, na iminência de expulsar as heranças e as ameaças representadas pelo Sacro Império Romano. Filho do Papa Alexandre VI, se diferenciou de seu pai abandonando a batina e se tornando um exímio estrategista na arte da guerra e da política. Ambicioso, aliou-se ao rei francês, Luís XII e, incumbido de tomar o Ducado de Milão, recebeu do rei um exército que o levaria a tomar vastas províncias papais e a fortalecer a influência da família Bórgia na Europa.

Seus meios eram questionáveis, já que produziam medo aos adversários e respeito atemorizante aos seus seguidores. Inclusive, embora mais relacionado ao meio artístico, Leonardo da Vinci foi engenheiro militar e projetou armas que aterrorizaram os inimigos de César Bórgia.

Para Nicolau Maquiavel, Bórgia foi um homem que escolheu suas ações de maneira formidável – seja por meio de suas façanhas mais questionáveis ou não. Para o autor, a verdadeira virtude do aterrorizante combatente foi a tentativa de estabelecer a ordem e expurgar a corrupção causada pelos maus governantes à epoca. Entretanto, nesse ínterim, a História não se deixa enganar: homens assim conquistam poderosos inimigos.

No esteio das movimentações proporcionadas pelas reações adversas ao longo do processo histórico, o ex-juiz Sérgio Moro angariou prestígio e, independente de suas motivações, conduziu a Lava Jato na revelação de grandes escândalos, enquadrando de parlamentares à ministros. Apesar disso, sua relação com o presidente Bolsonaro não gerou o mesmo sucesso em sua agenda de combate à corrupção. Ao contrário disso, fez fortes inimizades, desde apoiadores leais à críticos ferrenhos ao governo. Com efeito disso, seus atos foram acusados de parcialidade e a Operação Lava Jato foi levada à descrédito.

Se não bastasse, recentemente o Congresso Nacional articulou sua mais nova ofensiva anti-lavajatista, a chamada PEC do CNMP – ou PEC da Vingança, para os defensores da independência do Conselho Nacional do Ministério Público. A proposta de emenda constitucional tinha por objetivo alterar a composição do colegiado, de forma a aumentar a influência do Poder Legislativo sobre o órgão, permitindo com que o Congresso indicasse mais cinco integrantes, além do corregedor. Fortemente criticada, a matéria foi rejeitada na última quarta-feira (20) na Câmara dos Deputados e representou uma dura derrota ao presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), defensor e principal articulador pela aprovação da PEC.

Por uma diferença de 11 votos, o projeto anti-lavajatista não conduziu seu golpe final. Apesar do placar acirrado, a derrota pode ter significado uma reação ao receio dos parlamentares à opinião pública, já que restam menos de 3 meses para entrarmos no ano eleitoral e o projeto era praticamente dado como certo de sua aprovação. Ao contrário de César Bórgia, que foi capturado e morto rapidamente pelos seus algozes na cidade de Viana, na Espanha, a combalida herança lavajatista acaba de ganhar uma possível sobrevida, ou seus últimos suspiros.

Danilo Neiva é cientista político formado pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Relações Governamentais pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), e atua com monitoramento das atividades do Congresso Nacional e do Poder Executivo Federal

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