Pedro Valls Feu Rosa

O trem das onze

acessibilidade:
Shanghai, China (um país bem menos rico em recursos naturais que o Brasil). No aeroporto de Pudong um cidadão comum, de nome Lu Cong Mei, embarca em um trem de última geração, conhecido como Maglev, rumo ao centro da cidade. Em dois minutos ele já está a 300 km/h, confortavelmente flutuando sobre os trilhos. Mais alguns instantes, e ei-lo a 430 km/h, aproximando-se do centro de Shanghai. Não há barulho ou poluição – este incrível trem, alimentado por energia elétrica, flutua sobre o chão graças a um sistema magnético. Sua velocidade máxima, atingida durante os testes, foi de 500 km/h. A reação de Lu, ao desembarcar no centro de Shanghai, foi registrada pela imprensa: “maravilhoso, falarei com meus amigos para virem conhecer este trem. Parecia que eu estava voando”.
Tokyo, Japão (um país extremamente pobre em recursos naturais). Na linha experimental de Yamanashi, o primeiro Maglev japonês é testado. Em poucos minutos alcança a incrível velocidade de 581 km/h. O governo japonês, entusiasmado com os resultados, aprovou a construção de uma linha conectando Tokyo a Nagoya. Segundo li no informativo Digital World Tokyo, já se estuda qual será o percurso final.
Mas esqueçamos por ora os Maglevs. Fiquemos com os trens comuns. Voltemos ao dia 1º de abril de 1964, quando foi inaugurado o primeiro trem de alta velocidade japonês, o Tokaido Shinkansen. Naquela época, atingia-se a velocidade de 210 km/h. O sucesso foi imediato, tendo sido alcançada a marca de 100 milhões de passageiros transportados em apenas 3 anos. Em 1976, o popular “trem-bala” japonês transportava seu bilionésimo passageiro pelas ferrovias daquele país, que cruzava a 220 km/h. No ano de 2003, a JR Central, empresa que administra este sistema, informou que o atraso médio das chegadas dos trens em relação à tabela de horários era de 6 segundos. 6 segundos! Seria propaganda? Não: já ouvi, enquanto passageiro de um destes trens, um pedido de desculpas do condutor pelo atraso de 20 segundos na partida. Duas horas e meia depois o mesmo condutor informava, orgulhoso, que havia “tirado o atraso” durante o percurso, e que chegaríamos ao nosso destino 10 segundos antes do previsto. Este incrível sistema ferroviário já transportou, desde sua criação, mais de 6 bilhões de passageiros – quase o número de habitantes do planeta Terra, estimado em 6,6 bilhões no ano passado.
Seul, Coréia do Sul (outro país pobre, arrasado por guerras). No dia 31 de março de 2004 inaugura-se a Gyeongbu Line, ligando Seul a Busan através do KTX (Korean Train Express), que alcança a velocidade de 350 km/h. Este serviço está em plena expansão. No ano de 2006, o KTX transportou 36,49 milhões de passageiros.
Paris, França (outro país cujas riquezas naturais não são nem de longe comparáveis às brasileiras). Há 20 anos iniciava-se a construção das linhas especiais para o TGV, o trem de alta velocidade francês. Em operação normal, este trem atinge 320 km/h, mas já alcançou 574,8 km/h. Atualmente as linhas de TGV cruzam todo o país, e reduziram consideravelmente o tráfego aéreo entre as cidades conectadas.
Alemanha (um país menos rico que o nosso, até poucas décadas atrás devastado por guerras), 1991. Na estação de Kassel-Wilhelmshöhe inaugurava-se o sistema de trens InterCityExpress, ou ICE, como é mais conhecido. Atualmente estes trens cruzam toda a Alemanha a 300 km/h, reduzindo sensivelmente os níveis de ruído e poluição causados pelo uso de caminhões, carros e aviões.
Brasil (um dos países mais ricos do mundo), século XXI. Dos 29.798 km de ferrovias que temos, 10 mil foram construídos pelo Imperador Dom Pedro II, e não atendem as necessidades do momento atual. 7.000 km de trilhos estão inativos. Temos 30 a 40% da malha ferroviária em estado deficiente, segundo a Agência de Transportes (ANTT). A velocidade média dos nossos trens é de 20 km/h. Assim, passam pelas ferrovias apenas 20% de nossas cargas. Como é possível tamanho descalabro? Quem ganha com isso?
Alheio a este debate, lá está o Jeca Tatu na estação, cantarolando a música imortal de Adoniran Barbosa: “se eu perder este trem, que sai agora às onze horas, só amanhã de manhã”…
Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
Reportar Erro